Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 289 - 23 de maio a 5 de junho de 2005
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3

Pesquisa analisa disponibilidade de calorias em 23 países
e a produção de cada um em relação a 16 tipos de alimentos

O que vai à mesa
dos latino-americanos

LUIZ SUGIMOTO


Maria de Fátima Archanjo Sampaio: "O apoio à rede de pequenas e médias cidades permitiria baixar o custo da alimentação" (Foto: Antoninho Perri)Em boa parte da América Latina, o consumo diário de proteínas de origem animal não atinge os 30 gramas por habitante recomendados por órgãos internacionais, sendo que países como Guatemala, Haiti e Nicarágua não atingem nem a metade deste patamar. As exceções são Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Jamaica, México, Paraguai e Uruguai, mas com peso insuficiente para atenuar o índice médio de 11% de subnutrição na população latino-americana, apenas um pouco abaixo da média mundial de 13%. Ao mesmo tempo, no caso dos brasileiros, o consumo de açúcar está 50% acima do recomendado, justificando em parte porque 70% apresentam sobrepeso, um problema agravado pela grande disponibilidade de óleos vegetais.

Consumo de açúcar está acima do recomendado

A análise dos alimentos produzidos na América Latina e da disponibilidade desses produtos para a população consumiu cinco anos de pesquisas da engenheira de alimentos Maria de Fátima Archanjo Sampaio, com andanças por todos os institutos, centros e núcleos de pesquisa da Unicamp envolvidos com a questão alimentar e da fome, o que assegurou um caráter multidisciplinar ao trabalho. A pesquisadora apresentou os resultados na Faculdade de Engenharia Agrícola em 13 de maio, quando defendeu tese de doutorado orientada pelo professor João Luiz Cardoso.

“A partir de um conjunto de 16 produtos, procurei analisar o que cada país oferecia em termos de calorias e de produção”, justifica. Os produtos selecionados são açúcar, arroz, batata, carne bovina, carne de frango, carne suína, feijão, frutas, hortícolas, leite, mandioca, milho, óleos vegetais, ovos, pescados e trigo. Segundo Fátima Sampaio, os dados indicam a quantidade potencial média de alimentos disponível para consumo humano em cada país, considerando produção, importação, exportação, processamento de produtos alimentares e perdas, além da quantidade utilizada como sementes e ração animal.

A pesquisa abrange 23 países latino-americanos e estabelece parâmetros com a África em seu conjunto, China, Estados Unidos, Japão, Índia e países que compõem a União Européia. “A América Latina deve ser focada como parte de um sistema maior, único e interativo, seria impossível tratar de seus problemas separadamente. Notamos dois grupos, um deles com países que são exemplos de economias avançadas e, o outro, com países menos engajados dos circuitos comerciais. Mas é preciso advertir que países que apresentam níveis de disponibilidade alimentar superiores nem sempre atingem aos objetivos da Cúpula Mundial da Alimentação, caso este progresso seja conquistado com base na disparidade entre grupos sociais, étnicos ou regionais, uns progredindo e outros ficando para trás”, observa.

Fátima Sampaio também associa os resultados de sua pesquisa, referentes ao triênio 1999-2001, ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU. Mostra, por exemplo, que Argentina, Uruguai, Chile e Costa Rica apresentavam então um IDH próximo de países do primeiro mundo, e sugere que o Brasil atente para o que coloca na mesa da população. “Certamente a situação na Argentina mudou depois da crise no final de 2001, mas aquele país, juntamente com o Uruguai, disponibilizava para cada habitante o dobro de proteína animal e de trigo do que a média dos países latino-americanos. Chile e Costa Rica também chamam atenção pela oferta de pescados e frutas. Esses produtos devem ser avaliados com outros olhos na elaboração de políticas de desenvolvimento”, afirma a engenheira de alimentos.

Calorias – As disparidades em termos de oferta de calorias levou à divisão dos 23 países em seis grupos diferentes. O Brasil compõe o grupo 1, juntamente com Cuba, Costa Rica, República Dominicana e Equador, todos com valores superiores aos demais para a disponibilidade de arroz, feijão, óleos vegetais, frutas e açúcar. O arroz, por exemplo, apresenta uma disponibilidade média de 466 calorias/dia por habitante, quase o dobro da média na América Latina. “Os produtos de origem animal possuem valores bastante próximos da média, mas os pescados deveriam ter peso bem maior devido à localização geográfica desses países, principalmente o Brasil com uma costa tão extensa”, compara Fátima Sampaio.

São os pescados que fazem a diferença no grupo 2, onde Chile, Jamaica, Trinidad & Tobago e Venezuela mostram o dobro da média latino-americana. Também mostram homogeneidade na disponibilidade de trigo, hortícolas e carne de frango de um lado, e de óleos vegetais e açúcar do outro. Argentina e Uruguai, no grupo 3, registraram uma oferta quatro vezes maior de carne bovina e o dobro em relação a outros produtos provenientes da pecuária, como ovos e leite; a oferta de trigo também é duas vezes maior.

Os grupos 4 (Bolívia, Colômbia, Haiti, Panamá e Peru) e 5 (El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e México) apresentam os valores médios disponíveis mais baixos, principalmente em calorias de origem animal; a mandioca ganha relativo destaque no grupo 4 e o milho revela-se como base da alimentação no grupo 5, oferecendo 791 calorias/dia nesses países. Isolado no grupo 6, o Paraguai traz significativa disponibilidade de milho e mandioca, pouca fruta, mas o diferencial está mesmo na carne suína e ovos.

“Pode-se dizer que os produtos da pecuária (carnes, leite e ovos) são a diferença marcante entre os grupos, não somente em termos quantitativos como qualitativos. Com exceção das proteínas de origem animal, as demais de origem vegetal ou de fontes não convencionais apresentam deficiências em um ou mais aminoácidos essenciais, trazendo ainda o risco de problemas nutricionais por estarem acompanhadas de substâncias tóxicas ou de inibidores de enzimas proteolíticas”, explica Fátima Sampaio.

Produção – Outro aspecto analisado é se os países produzem os 16 alimentos pesquisados, comparando-se os padrões de produção com os padrões de disponibilidade calórica. Brasil e México, reunidos agora no grupo 2, apresentaram os maiores valores de produção por habitante para feijão, carne de frango e ovos, além de valores significativos de milho. “Apesar de produzirem vários outros produtos com valores próximos aos da América Latina, eles ainda dependem da importação de alimentos básicos para amplas camadas da população, como de arroz e trigo em ambos os países e de milho no caso do México. No Brasil, o milho não é tão disponível, provavelmente por seu uso como ração animal, fazendo parte da cadeia indireta”, explica Fátima Sampaio.

Bolívia, Colômbia, Guatemala, Jamaica, Panamá, República Dominicana e Venezuela, países do grupo 1, não mostraram elevado destaque para a produção de nenhum dos produtos, embora estejam próximos à media para a batata, hortícolas, carne de frango, arroz, açúcar, frutas e ovos. O grupo 3, com El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua e Trinidad & Tobago, apresenta menores valores para 9 dos 16 produtos analisados, principalmente em relação aos de origem animal.

Os maiores valores na produção de frutas estão nos grupos 4 (Costa Rica, Cuba e Equador) e 5 (Chile e Peru); no grupo 4, a produção de frutas é o dobro da média na América Latina. O grupo 5 ainda se destaca pelos pescados, com oito vezes a média. O Paraguai manteve-se isolado no grupo 6, com produção expressiva de mandioca e carne suína, mas com os menores valores para a batata e carne de frango. O grupos 7 (Uruguai) e 8 (Argentina), apresentaram as maiores quantidades de produção por habitante de produtos de origem animal e de cereais. O Uruguai trouxe os melhores indicadores por habitante de leite, carne bovina e arroz, enquanto a Argentina apresentou os melhores valores de trigo, milho e óleos vegetais, além de se destacar em leite e carne bovina.


De olho no futuro

Formada em engenharia de alimentos, Fátima Sampaio bem poderia estar contribuindo com indústrias do setor, mas passou a ver o mundo pelo viés de 800 milhões de desnutridos que nele sobrevivem e acabou na área de segurança alimentar. Atualmente, ela colabora com a Rede Alimenta, programa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp que disponibiliza às prefeituras metodologia para diagnóstico e acompanhamento das questões da alimentação familiar. Dois dias antes de defender sua tese de doutorado, ela acabava de expor seu trabalho para alunos da Faculdade de Engenharia Agrícola: “É bom falar com estudantes para que eles reflitam sobre outros caminhos na profissão”, afirma.

Fátima Sampaio guarda esperanças de que, ao lado das monoculturas voltadas à exportação, os futuros engenheiros ajudem a incrementar uma moderna agricultura baseada na pequena produção, independente ou cooperativada, capaz de assegurar a ocupação da terra. “Do jeito que está, os trabalhadores do campo vêm sendo deslocados para a periferia das cidades pequenas e médias, atrás de qualquer trabalho por um salário, enquanto pequenos proprietários acabam arruinados e arrastados para terras distantes e piores. A pobreza cresce a taxas assustadoras não só nas grandes metrópoles, mas também nas cidades do interior”, acusa.

Na opinião da pesquisadora, é possível combinar os dois modelos de agricultura e tornar o setor mais homogêneo. “Contrariando aqueles que consideram a agricultura de base familiar menos produtiva, sua produtividade média tende a ser maior. O apoio à rede de pequenas e médias cidades também permitiria desconcentrar as atividades dinâmicas, baixar o custo da alimentação e elevar o comércio de bens de consumo”, acrescenta. Otimista, Fátima Sampaio acha que o país vem caminhando bem, apresentando avanços consideráveis nas políticas agrícolas, com a diversificação de culturas e a implantação de planos bem elaborados, como o Pronaf e o microcrédito. “Podemos fazer uma transição menos violenta, escutando os movimentos sociais”, finaliza.



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