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Waldir Quadros mostra como este segmento vem sendo
rebaixado socialmente e pode caminhar para a desilusão

A classe média está com raiva


LUIZ SUGIMOTO

O professor Waldir José de Quadros, do Instituto de Economia: desemprego embute causas complementares como a tercerização e o trabalho informal O professor Waldir José de Quadros militava no movimento estudantil quando as senhoras do Chile foram às ruas bater panelas contra Salvador Allende, o que despertou seu interesse para o poder e as peculiaridades de uma classe média que se multiplicava no Brasil. Era o período fertilíssimo do milagre econômico, em que a classe média simplesmente dobrou de tamanho em uma década. Em 1979, com seu mestrado no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, ele iniciava uma carreira de estudos em torno do tema, reunindo inúmeros dados e informações que somente agora, quando se sentiu obrigado a antecipar a aposentadoria para assegurar seus direitos, estão sendo processadas com o tempo e o refinamento necessários para publicação de um livro que promete se tornar referência na avaliação da estratificação social no país.

Livro vai reunir estudos sobre o tema

"A classe média brasileira está com raiva. Só não explodiu, ainda, porque também está confusa. As forças que conseguirem canalizar essa raiva terão uma grande aliada em prol de seus interesses. O problema é que vemos uma desilusão com o governo Lula, criando condições para opções de direita", adverte Waldir Quadros. Pessoalmente afável no trato, o professor confessa que precisa se controlar para não carregar no verbo sempre que a mídia o convida a avaliações sobre economia, pois vai se irritando enquanto avança na descrição do quadro de estagnação do crescimento que perdura há 25 anos e que nenhum governo se atreve a mudar, temendo a reação dos credores externos e internos. A advertência, porém, não traz o menor tom emocional, estando longe do discurso alarmista de alguns. Tendo todos os dados à mão, o economista mostra porque a classe média está com raiva, apontando o desemprego como o fenômeno novo neste segmento, e principal responsável pelo rebaixamento social de pessoas que antes erguiam bandeiras contra o achatamento salarial, o custo de vida e a tributação para garantir seu padrão de vida.

"Nos anos 1980, o desemprego atingia mais à massa trabalhadora, que continua sendo a maior vítima. Mas, se estamos focando a classe média, este impacto do desemprego, provocado pelo prolongamento e aprofundamento da crise econômica, é a maior novidade. Uma parcela significativa da classe média está sendo rebaixada para os níveis inferiores da sociedade", insiste Waldir Quadros. Em suas análises, o pesquisador foge da conceituação de classe média apenas por níveis de renda. Por esta definição, segundo a Ordem dos Economistas de São Paulo, seriam de classe média aquelas pessoas que ganham entre 6 e 33 salários mínimos, uma faixa ampla demais, onde operários também podem se encaixar. "Meu esforço de pesquisa tem sido de integrar ao nível de renda as ocupações consideradas de classe média", explica o professor, acrescentando que se inspira em Wright Mills, um sociólogo clássico que realizou esse estudo ocupacional nos Estados Unidos.

Em termos esquemáticos, existem o proprietário da empresa (burguesia) e os operários (a massa trabalhadora braçal). Grosso modo, seriam de classe média todas as demais ocupações de uma empresa, do office-boy ao diretor igualmente assalariado. Sendo assim, Waldir Quadros define cinco níveis de renda para esta população, a preços de janeiro de 2004 (deflacionados pelo INPC), e tendo como fontes o PNAD e o IBGE: a alta classe média, com renda familiar acima de R$ 5.000 por mês; a média classe média, de R$ 2.500 a R$ 5.000; e a baixa classe média, de R$ 1.000 a R$ 2.500. "Rigorosamente, esses níveis significam uma "proxi" dos padrões de vida de classe média", explica. No que chama de camadas inferiores, o professor enumera outras duas: a massa trabalhadora, com renda de R$ 500 a R$ 1.000; e trabalhadores precários ou miseráveis, com menos de R$ 500.

Rebaixamento - Segundo Waldir Quadros, ao integrar níveis de renda com as ocupações de classe média, ele pode medir claramente a perda deste padrão de vida. Comparando os dados de 1991 aos de 2002, o pesquisador indica um encolhimento da população nas camadas de média e baixa classe média, e o crescimento desses profissionais nas camadas inferiores da pirâmide. Enquanto a população do nível superior (renda acima de R$ 5.000) apresenta uma pequena queda de 4,37% para 4,14%, a de média classe média cai de 9,13% para 7,57%, e a de baixa classe média de 29,03% para 24,32%, acentuando-se aí a degringolada.

Em 1981, do total de 22,7 milhões de assalariados de classe média , 16,1% (3,6 milhões) estavam na situação de massa trabalhadora, e outros 5,8% (1,3 milhão) entre os trabalhadores precários que têm renda inferior a R$ 500 por mês. "Somando os dois índices, tínhamos 22% da classe média assalariada rebaixada socialmente", observa o pesquisador. Depois de uma década de estagnação econômica, os 16,1% rebaixados para a camada de massa trabalhadora saltaram para 25% ( 9,9 milhões de um total de 39,8 milhões) em 2002, salto mais expressivo ainda na camada ínfima, dos 5,8% para 14% (5,5 milhões). "Somando os dois índices, fomos de 22% para 39% de pessoas em famílias que não podem mais sustentar nem o padrão de vida de classe média baixa", complementa.

Nestas contas, Waldir Quadros lembra um detalhe que não pode passar desapercebido: "As famílias das camadas superiores que ali permanecem, vão perdendo renda e sendo ameaçadas pelo desemprego crescente, sujeitas ao mesmo impacto sofrido pelas pessoas rebaixadas socialmente", ressalta. Ele lembra também que o desemprego embute causas complementares como a terceirização e o trabalho informal. "Um assalariado poderia até tirar proveito da terceirização se o mercado não estivesse tão ruim, pois passaria a não ter horários, a trabalhar em casa etc. No entanto, a terceirização também vem implicando em precarização: na prática, é como se a pessoa perdesse o emprego na empresa e fosse contratada pela mesma empresa ganhando menos, sem os antigos direitos trabalhistas", pondera.


Curso superior não
garante padrão de vida

Num demonstrativo de como os dados que amealhou permitem um leque imenso de análises, dos mais variados ângulos, o professor Waldir Quadros monta rapidamente uma tabela que diz respeito a uma parcela específica da classe média: aqueles que possuem curso superior (completo ou incompleto), já que estamos em um jornal do meio acadêmico. "Partindo da premissa de que o curso superior é um atributo da classe média, reuni as informações sobre todos os indivíduos nestas condições, ocupados ou não, que declararam rendimentos junto à PNAD, que também oferecem uma dimensão da crise que estamos abordando", justifica.

De acordo com o pesquisador, 52,9 milhões de pessoas (que) declararam rendimentos em 1981, total que engloba os ocupados e os desocupados com alguma renda, como aposentados e pensionistas. Dentre os declarantes, 3,2 milhões (6,1%) possuíam terceiro grau completo ou incompleto, apresentando um rendimento médio de R$ 2.921 por mês. Em 2002, o total de declarantes foi de 95,5 milhões, sendo que 10,8 milhões chegaram ao curso superior (11,3%). No entanto, em que pese o grande crescimento na proporção de indivíduos com educação superior, o rendimento médio caiu para R$ 2.203, ou seja, uma redução de 25% em 21 anos de estagnação econômica. "Isto é a renda real, tendo como deflator o INPC, que é o mais conservador dos índices porque não incorpora expurgos. Enquanto isso, no mesmo período, a renda média global dos declarantes caiu somente 4,6%, de R$ 734 para R$ 700", acrescenta o professor.

Desagregando os valores acima, Waldir Quadros mostra uma piora na composição dos níveis de renda para essas pessoas com curso superior. Em 1981, 38,5% delas estavam na alta classe média, onde o rendimento pouco diminuiu em relação a 2002, de R$ 5.684 para R$ 5.517 (3%). Na média classe média, a composição permanece ao redor dos 25% e, na baixa classe média, esta participação cresce de 25,2% para 29,3%. Mas é nas camadas inferiores que se nota o sintoma mais preocupante: de 10% em 1981, subiu para 17,8% o índice de indivíduos com curso superior que ganham menos de R$ 500 por mês.

1º emprego - Para o pesquisador do Instituto de Economia, mais preocupante do que a queda no rendimento talvez seja a existência de um enorme contingente de jovens desempregados, ironicamente incitados a obter a todo custo o diploma universitário como garantia de futuro neste país em crise prolongada. "Estima-se que o desemprego entre os jovens atinja a 40% da PEA na faixa de 15 a 24 anos de idade, sendo que uma parcela significativa refere-se aos formados que não conseguem a primeira ocupação. É mais um componente explosivo. A competente pesquisadora Sonia Rocha, da Fundação Getúlio Vargas, aponta que a causa da crise social no Brasil não é tanto a concentração de renda, mas a desigualdade. Eu acho que mais que concentração e desigualdade, o que causa tudo isso é a falta de perspectiva. É um crise continuada, que está aí há muito tempo e, quando o jovem olha para a frente, não vê saída".

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