Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 


O ‘iniciante’

LUIZ SUGIMOTO


O artista plástico Paulo de Tarso Cheida Sans, autor da tese, ao lado da instalação “Pontas e bananas”, em deferência a Antonio Henrique Amaral: viagem sentimental   (Fotos: Antoninho Perri)“Antes eu era transparente, agora sou cheio de cores”. Premiado no Brasil e no exterior por suas gravuras, o campineiro Paulo de Tarso Cheida Sans toma emprestada a célebre frase de Arthur Bispo do Rosário para se referir a uma nova etapa da carreira que iniciou há mais de 40 anos. “A gente vai ficando velho e começa a perceber que há uma grande distância até onde se quer chegar. Estou maduro o suficiente para lidar com vários materiais e fazer também esculturas e pinturas, o que me dá a sensação de início de carreira”.

Paulo Cheida já produz objetos e instalações há dez anos e encontrou espaço para mostrar este trabalho na Galeria de Arte da Unicamp. A exposição faz parte da tese de doutorado Trajetórias e vicinalidades entre a gravura, o objeto e a instalação, orientada pela professora Louise Weiss, do Instituto de Artes. “A mostra sintetiza o resultado da pesquisa, em que procuro transmitir o que penso sobre a arte brasileira, não apenas através da minha obra, mas promovendo um elo com quatro artistas que julgo importantíssimos”.

Assim, Cheida criou as instalações “Pontas e bananas”, em deferência a Antonio Henrique Amaral; “Sombras emblemáticas”, reportando ao baiano Ruben Valentim; “Depositório para um anjo”, em memória de Arthur Bispo do Rosário; e “Gavetas do tempo”, para Louise Weiss, sua orientadora. “São artistas de grande dimensão dentro do meu imaginário, que me enriqueceram. Aprendi muito observando o trabalho deles, mas criei essas obras de modo autêntico e autônomo”.

Antonio Henrique Amaral foi quem plantou a semente da gravura na mente do garoto Paulo Cheida, que tinha 11 anos quando visitou o Museu de Arte Contemporânea e jamais esqueceu a obra que trazia uma figura exótica de cabeça para baixo. “Tinha sido aluno do conservatório Carlos Gomes e de Egas Francisco e, naquele ano (1966), expus pela primeira vez, no Salão do Artista Jovem do MAC. Ainda não sabia o que era gravura, nem guardei o nome do artista”.

“Gavetas do tempo”, para Louise Weiss, orientadora da pesquisa(Fotos: Antoninho Perri)Mais tarde, ao rever a gravura, Cheida passou a pesquisar a trajetória de Amaral, que enveredou pela pintura e transformou seu ateliê, dentro de um sítio em Atibaia, na “sede das bananas”. “Ele virou pintor quando estava no auge com a gravura – havia lançado o álbum O meu e o seu, apresentado por Ferreira Gullar. Em seu trabalho extremamente político, a banana era um meio de burlar a censura, representando o momento do país: uma guerra em que garfos e objetos cortantes penetram a banana derrotada”.

Paulo Cheida reproduz tais cenas de combate na Galeria da Unicamp, mas em sintonia com o próprio trabalho, visto que a sua gravura faz fundo para a banana perfurada, ao mesmo tempo em que gravatas (uma de suas marcas) dão forma às cascas da fruta. “Antonio Henrique Amaral é um nome que faz parte da minha trajetória como artista. Além de me tornar também um gravador, tive a oportunidade de visitá-lo no ateliê e de convidá-lo a participar de exposições em que atuei como curador”.

Filtrando o mundo
Na opinião do autor da tese, um artista impossível de apagar da memória é Arthur Bispo do Rosário, que estava internado em sanatório havia mais de 40 anos quando foi descoberto pela reportagem do “Fantástico”. “O crítico Frederico Morais viu o programa e, ao conferir pessoalmente, ficou maravilhado com a obra de Rosário, que a partir de fios desfiados da própria roupa, garfos, sandálias e apetrechos catados no hospital, alcançava resultados semelhantes aos obtidos por artistas de vanguarda”.

Cheida observa que Rosário não possuía o menor conhecimento de arte, nem pretendia ser um artista, mas acabou levado ao Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, tornando-se conhecido mundialmente e participando inclusive da Bienal de Veneza. “Diante da simplicidade do material que escolhia, foi um grande artista. Mas o mais importante é a pureza de quem acreditava estar filtrando o mundo com as vitrines que produzia; e que ele próprio passaria para outro mundo, como um representante divino que só faria o bem para a humanidade”.

“Depositório para um anjo”, em memória de Arthur Bispo do Rosário (Fotos: Antoninho Perri)Por isso, a instalação “Depositório para um anjo” traz estruturas montadas com os materiais preferidos de Arthur Bispo do Rosário, como cabos de vassoura e garrafas plásticas de refrigerante. Para o elo com seu trabalho, o autor recorreu a gravuras antigas para envolver as garrafas. “Construí o que considero simbolicamente um filtro, por onde estão passando bolachas de madeira coloridas representando as obras de Rosário: é como uma mensagem espiritual para outro mundo, tal qual ele imaginava acontecer”.

Os emblemas de Ruben Valentim, artista baiano também já falecido, despertaram a imediata admiração de Paulo Cheida durante uma visita à Bienal de São Paulo, na década de 1970. “Em uma grande sala especial, estavam obras gigantes feitas em madeira, com vazados, relevos e usando o branco com branco – o efeito da sombra era muito importante em seu trabalho. Fui acompanhando de longe sua série de serigrafias”.

Para lembrar o trabalho de Valentim, Cheida montou figuras geométricas feitas com PVC, com sombras que remetem a símbolos tribais africanos. “Sua obra continha um tipo de escrita, com signos que ele sabia decifrar para enviar uma mensagem afrobrasileira. Ele dava muito valor à mestiçagem do Brasil e procurava fazer um trabalho que fosse reconhecido em outros países, mas que em primeiro lugar representasse o país”.

Homenagem ao pai
De Louise Weiss, cujo trabalho acompanha desde a década de 80, o aluno de doutorado cita Saga, uma trajetória, exposição que a professora da Unicamp fez para sua livre docência, com fotos de pessoas anônimas do passado. “Ela evoca e reconstrói essas figuras, dando outro sentido à imagem; de um mundo que já existiu, constrói outro. Considero sua obra muito particular e expressiva, pois parece que aquelas fisionomias nos observam, como se nós é que estivéssemos num quadro”.

“Sombras emblemáticas”, para Ruben Valentim (Fotos: Antoninho Perri)O elo com o trabalho de Louise Weiss idealizado por Paulo Cheida para sua instalação “Gavetas do tempo”, é uma bela foto ampliada do seu pai, ao volante de um trator. A qualidade da imagem (da década de 50) se deve ao fato de que a família Sans fabricava arados em Santa Bárbara d’Oeste: trata-se de uma propaganda. “Meu pai morreu quando eu tinha apenas um ano e não tenho a lembrança dele como pessoa. Por isso, escolhi uma foto onde ele aparece de costas”.

Ao mesmo tempo, abaixo da foto na parede, Cheida enfileirou gavetas “onde se guardam memórias”: no centro, uma que contém seu autorretrato, e as demais com desenhos de um pássaro levando no bico uma gravata (novamente, a marca do artista). “As imagens à esquerda vão escurecendo, pois se trata da morte, e as da direita vão clareando, simbolizando a paz. Além de haver uma sintonia com a obra da Louise, é antes de tudo uma homenagem ao meu pai”.

A propósito, Paulo Cheida afirma que a tese de doutorado, como um todo, trata do sentimento de gratidão de uma pessoa comum que foi a uma exposição e passou a admirar a arte. “Este trabalho traz o que registrei com mais ênfase na memória. Procurei fazer uma homenagem à arte brasileira, simbolicamente representada por quatro artistas que escolhi. Eles são de linhas diferentes, mas que têm a criação a partir da história pessoal como elo que os une”.

 

Quem é

Paulo de Tarso Cheida Sans é professor de artes visuais da PUC-Campinas, diretor do Museu Olho Latino (Atibaia, SP) e diretor cultural em Campinas da Associação Profissional de Artistas Plásticos do Estado de São Paulo (APAP). Participou de cerca de 400 mostras e recebeu 40 prêmios em salões de artes no Brasil e três no exterior (Portugal, Estados Unidos e França). Expôs na Mostra Rio Gravura – Palácio Gustavo Capanema (1999), no Panorama de Arte Atual do MAM de São Paulo (1980) e em vários salões oficiais em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e outros. Esteve em seis edições do Prêmio Internacional de Desenho Juan Miró em Barcelona e suas gravuras foram expostas em inúmeros eventos importantes, tais como The Hanga Anual no Museu Metropolitano de Tóquio, Japão, e na Trienal Internacional de Gravura em Vasa, Finlândia. Suas obras figuram em diversos acervos, nacionais e internacionais.

 

 

 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP