| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 401 - 30 de junho a 13 de julho de 2008
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Grupo investiga formação e carreira dos experts
em
governança e mede impacto da política de bolsas no Brasil

Quem são os dirigentes brasileiros?

LUIZ SUGIMOTO

Alunas em laboratório do Instituto de Biologia: aumenta a participação feminina no número de bolsas de estudo (Foto: Antoninho Perri)Investigar as atividades e a construção das carreiras dos nossos experts em governança, agentes de um campo de poder internacional competitivo que se convencionou chamar de “globalização”, é o objetivo do projeto temático da Fapesp Circulação internacional e formação dos quadros dirigentes brasileiros. À frente do projeto estão os pesquisadores do Focus – Grupo de Estudos sobre Instituição Escolar e Organizações Familiares, que está sediado na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e agrega colaboradores de instituições brasileiras, da Europa, dos Estados Unidos e da América Latina.



Pesquisadores investigam sentido da globalização

“Estamos interessados em conhecer quem são os formadores de políticas públicas e os recursos sociais e institucionais mobilizados que os capacitaram a participar das práticas de negociação no mundo de hoje. Trata-se de um mundo em competição, onde quem compete não são países, mas pessoas de carne e osso”, afirma Letícia Bicalho Canêdo, coordenadora do projeto e professora FE.

Segundo a docente, esses agentes do processo de globalização estão engajados em lutas competitivas para atualizar dispositivos de Estado, competências de governo e circuitos de mercado, tanto em nível nacional quanto internacional. São alvo da pesquisa os que atuam em organismos inter-governamentais, associações internacionais, organizações não-governamentais, universidades e sociedades profissionais.

Letícia Canêdo coloca este estudo entre aqueles voltados para a compreensão do sentido da globalização – ou do “projeto universalista” que visa estabelecer formas de organização, princípios de ação e modos de governo com pretensões planetárias. “É um poderoso dispositivo hegemônico, que tende a se tornar o lugar central da reprodução das elites nacionais dos países periféricos”.

A professora da Unicamp informa que o projeto temático da Fapesp é o prolongamento de estudos anteriores conduzidos por uma equipe de pesquisadores brasileiros e franceses, cujo foco foi a trajetória intelectual e profissional de universitários brasileiros que buscaram o doutorado no exterior, e o seu papel posterior nas inovações institucionais, culturais e científicas do país.

Tais estudos, realizados a partir de 2001 e apoiados por um convênio entre a Capes e o Cofecub (Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária com o Brasil), viabilizaram a formação de uma rede nacional e internacional de pesquisadores. Eles possibilitaram, também, a consolidação de um banco de dados sobre a cooperação científica e o fluxo de bolsistas brasileiros, particularmente no período de 1950 a 2000.

“Já sabemos que os altos postos políticos, por exemplo, hoje são ocupados por pessoas que estudaram no exterior, e em universidades de ponta. Elas se tornam mais reconhecidas com um currículo também internacional. Eu estudo os políticos brasileiros há vinte anos e vejo que agora eles iniciam sua trajetória mais tarde, depois de passarem por cursos de especialização no estrangeiro, como fizeram José Serra, Fernando Henrique Cardoso, Marta Suplicy e outros nomes proeminentes da política nacional”, diz Letícia Canêdo.

A pesquisadora adianta que o objetivo final do projeto temático da Fapesp é construir o miolo central da produção dos quadros dominantes brasileiros, abordando os dois lados da questão: a elite que realizou uma grande carreira para além das fronteiras nacionais e que, ostentando um título internacional, reivindica os cargos de autoridade no país; e os possuidores de um diploma nacional, que têm que buscar novas estratégias para não acabarem relegados a carreiras de segundo nível.

Na opinião da docente da FE, o capital cosmopolita das elites engajadas nas lutas pela construção de um espaço internacional de conhecimentos de Estado propicia que elas se afirmem num papel chave para a definição e construção dos modelos institucionais nacionais. “São os textos e as idéias que esses ex-bolsistas trouxeram de suas viagens – princípios jurídicos, valores morais, objetivos econômicos e sociais – que nos permitem apreender um novo posicionamento do Brasil no tabuleiro do jogo de xadrez mundial”.

Política de bolsas – Os estudos já desenvolvidos pelo grupo Focus oferecem boa medida do impacto causado pela política de bolsas no Brasil, que começou a ser implantada no pós-guerra, quando as Nações Unidas lançaram o programa Átomos para a Paz. Com base em produtos das pesquisas nucleares dos Estados Unidos e em todos os outros ligados à tecnologia bélica, iniciou-se uma corrida científica induzida pelos americanos e acelerada pela Guerra Fria, na qual se incluíram os brasileiros.

“Pela primeira vez no mundo, surgiu uma agenda de pesquisa estandardizada, que intensificou o intercâmbio entre pesquisadores e instituições dos países ocidentais. No Brasil, a primeira e bem-sucedida reunião de cientistas da América Latina, em 1949, foi um dos eixos da constituição do CNPq em janeiro de 1951”, lembra Letícia Canêdo, acrescentando que depois seria criada a Capes.

Durante o regime militar, com a reforma universitária de 1968, a política de bolsas foi profissionalizada, passando a se basear no mérito e ampliando o leque para outras áreas além da física e da medicina. “Possuímos a listagem completa dos bolsistas no exterior. É uma quantidade impressionante, que resultou no elevado aumento da produção científica a partir dos anos 1980”.

As agências de fomento brasileiras ampliaram as possibilidades de formação no exterior, o que era um privilégio apenas das famílias abastadas desde a época colonial. Um grande número de universitários teve acesso aos principais centros científicos, obteve títulos e construiu competências altamente valorizadas no mundo contemporâneo.

Outro aspecto observado pela coordenadora do Focus é que, diferentemente da Índia e de outros países onde ocorreu o mesmo fomento à pesquisa, o governo brasileiro obrigou a volta dos alunos titulados. “Até hoje, o pesquisador precisa atuar por alguns anos no país, antes de atender a convites de fora. Graças a esta medida e à listagem de ida e volta, pudemos verificar a produção posterior dos bolsistas”.

Títulos e interesses – A docente da Unicamp afirma que o grupo Focus, ao dar atenção à internacionalização dos sistemas nacionais de ensino, aborda um componente fundamental das transformações recentes que constituem realidades novas, como a mundialização dos mercados e a crescente intervenção de organismos supra-governamentais nos negócios políticos, econômicos e culturais locais, além da circulação internacional de bens simbólicos.

Para Letícia Canêdo, os bolsistas brasileiros ou de qualquer país adquirem competências pretensamente universais no exterior, mas mantêm sua formação nacional, que não é eliminada pela globalização. “Eles voltam com o conhecimento internacional e, com isso, abrem espaço nas universidades para novas idéias. Em geral, este ganho na carreira vai levá-los a instâncias governamentais ou a postos de responsabilidade fora da universidade”.

Daí, a pretensão do Focus de estudar o peso deste retorno do bolsista em termos de responsabilidade administrativa, científica, política e cultural. “Assumindo postos importantes, essas pessoas também vão defender seus pontos de vista em organismos internacionais. Uma questão, no entanto, é se elas vão defender os interesses nacionais ou a sua carreira e os interesses internacionais. Não que façam de propósito, mas é assim que funciona no campo globalizado”.

A coordenadora do projeto temático da Fapesp é de opinião que a política de pós-graduação no Brasil tende a se ampliar e se aperfeiçoar, depois de uma etapa inicial cumprida com sucesso. “Antes, o objetivo era formar mestres e doutores no exterior, capacitando-os a criar departamentos nas universidades e desenvolver a pós-graduação no país. No meu entender, hoje, os mestres e doutores já são muito bem formados aqui”.

As agências de fomento, de acordo com Letícia Canêdo, agora estão mais interessadas em oferecer bolsas-sanduíche para doutorado e pós-doutorado, colocando o aluno em contato com o conhecimento internacional e o funcionamento de laboratórios avançados. “Talvez, a obrigatoriedade do retorno do bolsista possa ser repensada, uma vez que a comunicação científica já é feita de forma muito profissionalizada. A maioria dos convênios e contratos contempla pesquisadores de todas as partes do mundo”.

Letícia Bicalho Canêdo, coordenadora do projeto e professora da Faculdade de Educação: investigando "o novo posicionamento do Brasil no tabuleiro do jogo de xadrez mundial"Os efeitos da política brasileira para enviar bolsistas ao exterior

Os primeiros resultados das pesquisas do grupo Focus estão no livro Circulação Internacional e formação intelectual das elites brasileiras, organizado por Ana Maria Fonseca de Almeida, Letícia Bicalho Canêdo, Afrânio Garcia e Agueda Bernadete Bittencourt, e publicado pela Editora da Unicamp em 2004. O livro focaliza essencialmente as condições e os efeitos da intensificação da circulação internacional de estudantes, graças aos investimentos em pesquisa científica incrementados por vários países no pós-guerra.

Antes da política de bolsas implantada pelo governo brasileiro no início dos anos 1950, viajavam para estudos no exterior apenas os filhos de famílias ricas – e homens. A professora Letícia Canêdo lembra que, naquele início, era nítida a matriz na física e na medicina, mas que o leque de conhecimentos foi se abrindo até atender à demanda da atual agenda mundial. “Em meu artigo, analiso o que aconteceu com as mulheres diante desta possibilidade de circulação internacional e de profissionalização”.

Com base nas listas da Capes, do CNPq e da Fapesp, as três principais agências de fomento do Brasil, a autora constatou que as mulheres representavam apenas 25% dos bolsistas em 1989, proporção que foi aumentando até praticamente se equiparar à dos homens: 49% contra 51%. “Iniciei esta pesquisa ao ver a foto de premiação dos pesquisadores do bem-sucedido Projeto Genoma. O grupo era quase todo de mulheres”.

Primeira reunião do Conselho Deliberativo do CNPq, realizada em abril de 1951, no Rio de Janeiro: pioneirismoEntretanto, ao verificar a distribuição de bolsistas por áreas de conhecimento, Letícia Canêdo constatou que as mais tradicionais continuam nas mãos dos homens. “Minha opinião é de que, enquanto a maioria dos homens opta por áreas que exigem maior abstração (matemática, física, filosofia, música), as mulheres buscam áreas analíticas (química e biologia), além da pedagogia, da pediatria na área médica e da engenharia de produção nas engenharias”.

Este aspecto, segundo a docente, denota a influência da maneira como as mulheres são educadas no Brasil. “Por isso, também começamos a investigar como a formação nacional pode contribuir para o sucesso ou fracasso de quem busca o conhecimento internacional. Muitos bolsistas voltam do mesmo jeito que foram, sem compreender o significado da experiência em um mundo novo, que exige muito mais do que se aprendeu na escola, como a capacidade de criar redes sociais e de pesquisa”.

A propósito, a professora Ana Maria de Almeida, também coordenadora do Focus, analisa no livro a seleção social operada pelos vestibulares e mostra que a competência na língua nacional tornou-se um recurso estratégico para obtenção de títulos de prestígio. A autora sustenta que, nos vestibulares, o bom desempenho em língua portuguesa passou a depender da capacidade de interpretar e criticar o mundo, o que leva o aluno a refletir sobre suas relações e a se abrir para o novo.

Ao mesmo tempo, aumentam as exigências de domínio de línguas estrangeiras fora da escola. Dois artigos do livro tratam do desejo das famílias de oferecer aos filhos um conhecimento mais sistemático de línguas e de estilos de vida estrangeiros, o que implica cursos particulares e intercâmbios com colégios no exterior. O estudo de Ceres Leite Prado mostra a hegemonia do idioma inglês, com 71% dos alunos pesquisados indo para os Estados Unidos, prevalência que ultrapassa os 85% se somados outros destinos de mesma língua, como Inglaterra, Austrália, Canadá e Nova Zelândia.

Os mineiros – Maria Alice Nogueira, por sua vez, observa o temor das famílias de empresários mineiros com as conseqüências de uma estadia prolongada dos filhos exterior, o que poderia afastá-los do seu destino e da vocação empresarial. Na análise da autora, não existe uma associação importante entre os estudos no estrangeiro e a futura competição no mercado de trabalho; a estada lá fora representaria, para estas famílias, uma distinção social a mais.

A professora Letícia Canêdo atenta que os mineiros apresentam a mesma postura em relação à política. “Assim como os filhos dos empresários precisam dar continuidade aos negócios no Brasil, as famílias com tradição na política evitam a saída das novas gerações, que devem assegurar seus redutos eleitorais. É diferente das famílias de empresários paulistas, que enviam o filho ao exterior já visando prepará-lo para a pós-graduação, ou do típico político paulista da atualidade, que possui diplomas de universidades de ponta nos Estados Unidos e em países europeus”.

O itinerário de herdeiro e o itinerário de ascensão pela via escolar caracterizam o que Angela Xavier de Brito chama de “carreiras morais” dos estudantes brasileiros no exterior. Em seu artigo, a autora afirma que os dois itinerários são articulados aos diferentes princípios e formas de dominação – de classe, de gênero, simbólica, econômica, internacional. Fatores que facilitariam, em maior ou menor grau, a decisão do estudante de partir para o exterior, a sua vida em outro país e a escolha entre voltar ao Brasil ou fazer uma carreira internacional.

As políticas – A segunda parte do livro Circulação Internacional e formação intelectual das elites brasileiras trata das políticas de Estado criadas para incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico de cada país. Explora particularmente as agências de fomento, que no Brasil representam a principal via de acesso do desenvolvimento de uma carreira científica.

Na terceira e última parte, o livro aborda as formas como profissões e conhecimentos técnicos são importados e exportados, assim como os efeitos dessas trocas por meio de redes internacionais. A contribuição dos exilados brasileiros para a construção dos estados de Moçambique e Angola após a independência, é um exemplo. Outro é a expansão dos cursos de MBA, usados por engenheiros como rótulos internacionais de prestígio no campo profissional e nas escolas brasileiras contemporâneas.

Frutos dos colóquios – Outras publicações saídas de colóquios internacionais organizados pela equipe de pesquisadores do Focus abordam profissões mais específicas, como a formação de artistas pintoras, psicanalistas, juristas e economistas, além de debates sobre o ensino superior. Elas estão no dossiê Le Brésil et le marché mondial de la coopération scientifique, publicado na França no Cahiers du Brésil Contemporain (2004-2005). “Mais importantes é a formação dos juristas, responsáveis pelos contratos neste grande mercado internacionalizado”, diz a professora Letícia Canêdo.

A docente informa que está saindo outro dossiê no Cahiers de la recherche sur l’éducation et des savoirs, com o título Circulation internationale des savoirs et recomposition des réseaux savants et des pouvoirs transnationaux, resultado de um colóquio organizado pelos parceiros franceses no ano de 2006. “Ele aborda, entre outros temas, os mercados financeiros brasileiros e a gênese dos cientistas políticos, que hoje ocupam a mídia e dão o tom da política brasileira”.

No Brasil, o grupo Focus também publicou o dossiê Literatura, teatro e mutações no espaço político, resultado do colóquio “Intelectuais e poder político”, realizado na Faculdade de Educação e que compõe uma edição da revista quadrimestral Pro-Posições (dezembro de 2006), da Faculdade de Educação. Os artigos reunidos no dossiê oferecem instrumentos de análise e reflexão sobre a circulação transnacional de conhecimentos produzidos pelo teatro e pela literatura.

O foco do Focus

Criado em 1994, o Focus – Grupo de Estudos sobre Instituição Escolar e Organizações Familiares foi idealizado pelas professoras Letícia Canêdo e Agueda Bittencout. Começou pequeno, centrado num seminário desenvolvido anualmente, “O caso e o exemplo numa metodologia de pesquisa em ciências sociais”.

Do encontro participavam pesquisadores nacionais e internacionais, enfocando, como sugere o título, o problema da passagem do caso, da evidência fácil, a uma reflexão científica que incentivasse os jovens pesquisadores a construírem bem os seus projetos de pesquisa. Tornou-se, assim, um local de formação. Nestes 12 anos de vida, entre dissertações e teses, já foram defendidos 48 trabalhos de estudantes.

Em um encontro das professoras com o pesquisador Afrânio Garcia, que dirige o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo (CBRC), na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da França, idealizou-se o projeto temático sobre a circulação internacional. Esse tema havia se tornado central nos intercâmbios científicos do CBRC com pesquisadores brasileiros em programas de pós-doutorado, egressos de centros de pesquisa das principais universidades brasileiras (Unicamp, UFMG, UFRGS, UERJ, Cpdoc, dentre outras) e atividades de ensino junto a doutorandos, freqüentemente bolsistas das principais agências de fomento brasileiras (Capes, CNPq, Fapesp).

A motivação foi o grande número de brasileiros que por lá passaram, como a professora Letícia Canêde, e participaram de trabalhos no Centro de Sociologia Européia, dirigido por Pierre Bourdieu. O Focus, hoje, transformou-se em uma grande rede temática, agregando estudiosos também dos Estados Unidos, Argentina, Chile, México, Portugal, Hungria e Romênia.

O grupo organizou vários colóquios no Brasil e na França, deles resultando publicações de referência sobre a escola e família, no âmbito da antropologia, sociologia, história, direito e política. O próximo colóquio internacional, “Saber e Poder”, acontecerá na Faculdade de Educação da Unicamp entre os dias 20 e 22 de outubro, com trabalhos envolvendo três eixos: o patronato, a atuação dos intelectuais e os dirigentes políticos.

Mais informações:

http://www.fe.unicamp.br/focus/

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