Leia nesta edição
Capa
Opinião
Luta pela terra
Software
Nascimento da imprensa
Sons da natureza
Plantas ornamentais
Grande Desafio
Moléculas
Painel da semana
Livro da semana
Teses
Unicamp na mídia
Portal da Unicamp
Empresa jovem
Jongo
 


5

Obra é fruto de pesquisa desenvolvida por
historiadora no IFCH e premiada em concurso internacional

Livro retrata o
nascimento da imprensa no país

ÁLVARO KASSAB

A historiadora e jornalista Juliana Gesuelli Meirelles: "Ao chegar ao grande público, o livro abre um novo campo de discussão sobre o nascimento da imprensa no Brasil" (Foto: Antoninho Perri)A imprensa brasileira completa neste mês 200 anos. Efemérides à parte, o livro Imprensa e poder na corte joanina, da historiadora e jornalista Juliana Gesuelli Meirelles, é leitura obrigatória para a compreensão dos primórdios do jornalismo no país. Não por acaso, a dissertação que originou a obra conquistou no ano passado o primeiro lugar no Prêmio Dom João VI de Pesquisa. A pesquisa, intitulada “A Gazeta do Rio de Janeiro e o impacto na circulação de idéias no Império luso-brasileiro (1808-1821)”, foi desenvolvida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH), sob orientação da professora Leila Mezan Algranti.

“Quis compreender a estruturação, o enraizamento, o nascimento e as implicações da imprensa no Brasil, assim como a sua dimensão política nas transformações do espaço público”, afirma Juliana. A pesquisadora transcendeu em muito a proposta inicial. No livro, cujo lançamento será no próximo dia 18 (veja serviço), Juliana, a partir – mas não apenas – do jornal Gazeta do Rio de Janeiro, primeira folha impressa no país [1808-1821], mostra como a corte joanina imprimiu sua marca, promovendo transformações profundas na sociedade brasileira. Para tanto, a historiadora, por meio de um impressionante trabalho de investigação, não deixou que sua pesquisa ficasse circunscrita a limites geográficos e ao período retratado – Juliana navegou nos dois lados do Atlântico e foi buscar as raízes das mutações que deixaram seu legado na constituição da sociedade brasileira.

D. João VI, em óleo de José Inácio de S. Paio: "salvador e protetor" do Novo e do Velho Mundo Jornal da Unicamp – Como transcorreu seu trabalho de prospecção do material usado na pesquisa?
Juliana Gesuelli Meirelles – Minha pesquisa começou em 2003. De início, pesquisei a coleção microfilmada da Gazeta do Rio de Janeiro presente no Arquivo Edgard Leuenroth [AEL] do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp [IFCH]. Neste arquivo, também tive contato com outros jornais do período joanino que muito me auxiliaram a enxergar uma nova dimensão do nascimento da imprensa no Brasil.

Em 2004, fui contemplada com uma bolsa da Cátedra Jaime Cortesão (FFLCH-USP) que me permitiu pesquisar em Portugal, durante dois meses – entre maio e julho de 2005. Nesse período, encontrei fontes documentais importantíssimas. Elas me deram uma nova dimensão da importância da Gazeta do Rio Janeiro, agora sob uma perspectiva transatlântica, uma vez que o jornal circulava em Portugal e era editado pelos jornais portugueses entre os anos de 1808 e 1821. Enfrentei muitas dificuldades na análise do material, sobretudo diante das duas coleções de A Gazeta na Biblioteca Nacional de Lisboa e na Biblioteca D’ajuda, que tinham marcas e escritos a bico de pena de leitores ou colecionadores. Tive que estudar muito teoria da história, ter muito método e sensibilidade para chegar a algumas conclusões.

JU – Em que medida o livro amplia o espectro da investigação feita durante sua dissertação?
Juliana Gesuelli Meirelles – Na medida em que o livro chega ao grande público, abre um novo campo de discussão sobre o nascimento da imprensa no Brasil e coloca a Gazeta do Rio no centro deste debate, sobretudo entre os jornalistas e historiadores. 

O fato de a imprensa brasileira completar 200 anos, em 2008, também é  fundamental. O fato de a Gazeta ser oficial não a diminui como marco inaugural do jornalismo brasileiro. Ao contrário, mostra como a produção e circulação de uma folha governamental podem extrapolar questões restritas ao interesse político do governo joanino.

Festa no Rio de Janeiro, em ilustração da Fundação da Biblioteca Nacional: novos ares com a corte joanina  JU – Você preocupou-se em situar historicamente a importância da imprensa no período anterior à sua implantação no Brasil, inclusive mencionando suas ramificações em outros países da Europa – além, é obvio, de Portugal – no século XVIII. Em que medida a imprensa colaborou no âmbito dos hábitos e costumes e dos debates políticos – e, em última instância, para a história?
Juliana Gesuelli Meirelles – A introdução da imprensa transforma, de forma decisiva, a relação da sociedade com o poder instituído. Mesmo censurada nas informações políticas. Pelos avisos da Gazeta, é possível conhecer muitos dos novos hábitos e costumes que surgiam, da alimentação à venda de escravos. Vemos, a partir daí, como as pessoas publicavam coisas de seus interesses no jornal e o utilizavam como meio privilegiado de interação coletiva em sociedade. O cotidiano da população passava por transformações profundas.

Quanto aos debates políticos, foi possível visualizar fatos de suma importância para a monarquia portuguesa nas páginas da Gazeta, mesmo que sob uma ótica parcial. Além disso, há a discussão desses eventos políticos no espaço público. É possível fazer a crítica dos fatos e, ao final do período, com o nascimento de outros jornais, ter visões diferentes sobre a mesma questão coletiva.

Todas essas mudanças já apontam o quanto a dimensão da imprensa foi fundamental nas transformações históricas que começam no período joanino e aparecem com mais força no período que antecedeu a Independência, quando a imprensa já se torna palco de um debate público sobre os rumos da nação.

JU – A Impressão Régia já nasceu sob censura prévia. Quais foram as conseqüências disso para as publicações que viriam em seguida? E para a formação da imprensa no Brasil?
Juliana Gesuelli Meirelles – O ranço da censura é muito forte no Brasil. Essa tradição aparece na vida política e cultural do país, invariavelmente. Logo após a suspensão da censura prévia, vem a explosão de escritos, debates, nascimentos de jornais e circulação de obras antes proibidas. No entanto, logo no Primeiro Reinado as perseguições a jornalistas, entre os quais Luis Augusto May ou Frei Caneca, acontecem de forma violenta... Ou seja, durante as primeiras quatro décadas do século XIX, a  prática da liberdade de imprensa estava sendo construída numa relação muito tensa com o poder institucionalizado. 

Hoje, depois de tantas experiências traumáticas de censura, sobretudo no período Vargas e na ditadura militar, vemos uma imprensa atuante, investigativa e opinativa. Mas, em muitos momentos, ainda subserviente ao poder... Sempre haverá uma tensão muito forte entre o poder da imprensa e as suas conseqüências políticas. O atual governo não lida de forma amistosa com essa relação, e nossos jornalistas lutam por uma imprensa mais crítica... Porém, há ainda um longo caminho a trilhar. Talvez, devamos aprofundar ou mudar os olhares e as óticas pelas quais enxergamos a realidade política. Pode ser que ainda falte ao cidadão brasileiro uma compreensão mais ampla entre o limite e as diferenças que permeiam o universo público e privado. 

JU – Em que medida os “produtos” derivados da Impressão Régia introduziram novos paradigmas em diferentes áreas do conhecimento?
Juliana Gesuelli Meirelles – Foi possível conhecer diversas temáticas em profundidade a partir da prática da leitura de livros impressos que passaram a circular em várias áreas, entre as quais Teologia, História, Economia e Literatura. As pessoas podiam conhecer obras há muito proibidas e refletir sobre as múltiplas implicações para a realidade cotidiana da corte ou imperial, do império português. 

JU – Quais eram as diferenças mais visíveis entre a Gazeta do Rio de Janeiro e o Correio Braziliense?
Juliana Gesuelli Meirelles – O Correio era um jornal de crítica ao governo e à política joanina. Em primeiro lugar, defendia a liberdade de imprensa, e também era favorável a uma monarquia constitucional aos moldes ingleses. Para mim, essas são diferenças centrais.

JU – Como era a relação da Gazeta com o público leitor? Qual foi sua importância na promoção do diálogo com Portugal?
Juliana Gesuelli Meirelles –
As relações eram muito complexas. Em primeiro lugar, o discurso era escrito sob um perspectiva transatlântica, o que pensa o diálogo com o público pelas duas margens do oceano. Isto é, o público são os súditos do império.... E o jornal dialoga com esse público ao tentar passar uma imagem mitificada de D. João como o salvador e protetor do Novo e do Velho Mundo, sobretudo por meio do discurso da imprensa. Mesmo distante dos portugueses, tem o objetivo de não mostrar abandono, pelo contrário. É a figura do monarca zeloso para com os seus vassalos que era sempre exaltada.

JU – Nesse contexto, o jornal teve algum papel na transição política que se ensaiava à época?
Juliana Gesuelli Meirelles – Teve, sim. Durante todo o período joanino, a Gazeta foi uma fonte de informação importantíssima sobre os “feitos” do monarca e da realeza. Para além disso, a lógica e as controvérsias discursivas da Gazeta contribuem e em todos os “tempos” políticos que, de formas diferentes, repensavam a estrutura do Império Português. Das guerras napoleônicas ao diálogo travado com os revolucionários do Porto, ao final do período, em 1820, ou mesmo – e principalmente – as conseqüências adversas decorrentes desse processo, em 1821, com a volta de D. João para Lisboa.

JU – Em que medida, na sua opinião, a Gazeta refletia a sociedade da época? É possível “reconstituí-la” por meio de sua leitura?
Juliana Gesuelli Meirelles – Não entendo a Gazeta como um reflexo da sociedade da época, mas sim como um espaço indispensável para que os sujeitos históricos fossem agentes da sua própria história e do seu próprio tempo, fossem eles os produtores ou os leitores do jornal.  Nessa relação tão complexa é que enxergamos vieses da sociedade joanina pelas páginas do jornal.

JU – Como historiadora, que avaliação você faz da atuação da corte joanina?
Juliana Gesuelli Meirelles – Para além do absolutismo e da censura, que foram fatores políticos nocivos à constituição de uma sociedade mais livre e plural, houve o nascimento de espaços de sociabilidade e cultura, com a valorização do ensino, da educação e da leitura, que muito transformaram e dignificaram a cultura e a sociedade brasileira.

JU – Na condição de jornalista, como você vê a imprensa brasileira hoje?
Juliana Gesuelli Meirelles – Um tanto sensacionalista e ainda elitista. Mas caminhando para um espaço de maior democratização seja quanto à informação de qualidade, seja com espaço para um debate de idéias mais equilibrado. Os blogs fazem esse papel e o leitor conquista cada vez mais seu espaço.

SERVIÇO

Obra: Imprensa e poder

na corte joanina

Autora: Juliana Gesuelli Meirelles

Editora: Arquivo Nacional

Preço: R$30,00 (por meio do Arquivo Nacional)

Lançamento: Dia 18, às 19h00, na Fnac (Shopping D. Pedro)

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2008 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP