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ITA finalmente diploma alunos (dois deles
da Unicamp) expulsos a mando da ditadura militar

30 anos depois,
o rito de passagem




LUIZ SUGIMOTO



O professor Osvair Trevisan, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp: soldados simularam fuzilamento (Foto: Antoninho Perri)Não será uma simples formatura, os diplomas chegam tarde para modificar nossas vidas. Mas, sua entrega tardia nos lembra que escolas valem não apenas pelo conhecimento que transmitem, mas, principalmente, pelos princípios éticos e de cidadania que impregnam a convivência entre seus alunos e professores. São estes os princípios que foram violados por atentados contra a liberdade de consciência e precisam ser agora reverenciados como nossa contribuição à consolidação do Estado de Direito. Esta é a razão da cerimônia. Está é a razão de sua presença.

Expulsão acabou com ‘disciplina consciente’

É assim que um grupo de seis formandos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) conclama colegas, amigos e familiares a participarem de uma cerimônia de diplomação “completamente inusitada”, que ocorrerá décadas depois de eles terem completado o curso. Há pouco mais de um ano, o Jornal da Unicamp contou a história dos “meninos do ITA” – Clovis Goldemberg, Marcelo Moreira Ganzarolli, Osvair Vidal Trevisan, Sergio Salazar e Waldir Luiz Ribeiro Gallo –, que encontraram na Unicamp uma “ilha de tolerância” onde puderem reconstruir sua vida acadêmica. Eles estavam dentre os 21 alunos que, juntamente com dois professores, foram presos e expulsos da instituição de São José dos Campos, nos anos de 1964, 1965 e 1975, durante o regime militar.

Os seis ex-alunos que já haviam completado o curso quando foram desligados sãoNa época da prisão: em pé, da esquerda para a direita, Gallo, Salazar e Trevisan; agachados, Goldemberg (esq.) e Ganzarolli (Foto: Divulgação) Antonio Oliveira Farias, Ezequiel Pinto Dias, Luiz Maria Guimarães Esmanhoto e Mario Tokoro, expulsos em 1965; e Osvair Vidal Trevisan e Sergio Salazar, expulsos em 1975, sendo que ambos viriam a se graduar e se tornar professores na Unicamp. A cerimônia de entrega dos diplomas, que os formandos preferem chamar de “ritos de passagem”, acontece neste sábado, 25 de junho, às 15 horas, no campus do Centro Técnico Aeroespacial (CTA). “A formatura será um rito de passagem para a escola e não para os alunos que se formam!”, diz a mensagem no blog sobre o evento, aludindo à importância, para o futuro da instituição, deste primeiro ato de reparação às punições impostas a membros da comunidade 40 anos atrás.

A prisão e expulsão de alunos e professores significaram a quebra de um dos maiores valores históricos do ITA, a “disciplina consciente”, conceito em que as regras de convivência dentro da instituição e as punições de suas transgressões eram administradas pelos próprios alunos. “Que maior satisfação pode ter o professor que concentra sua atuação na melhor forma de transmitir conhecimentos, sem se preocupar com a fiscalização de seus alunos? (...) De tê-los como amigos e aliados em todas as situações?”, escreveu o professor Marco Antonio Guglielmo Cecchini, reitor do ITA quando os militares deram o golpe em março de 1964 e que se demitiu no ano seguinte. As punições durante a ditadura tiveram um efeito devastador sobre este ambiente, criando um clima de animosidade entre civis e militares.

Histórico – Em 1964, patrulhas da Aeronáutica retiraram alunos do ITA das salas de aula para submetê-los a Inquérito Policial Militar (IPM), no intuito de confirmar e criminalizar suas atividades na política estudantil. Doze deles ficaram presos por quase seis meses, sendo libertados por habeas corpus, mas ainda assim acabaram expulsos. Os professores Jakob Szmul Goldberg e Arp Procópio de Carvalho (ambos falecidos) também foram detidos, interrogados e destituídos em outubro, acusados de oposição ao regime. A turma de formandos de 1965, além de homenagear os colegas e professores desligados no ano anterior, decidiu escolher como paraninfo o professor Alceu Amoroso Lima, líder católico e crítico contumaz dos militares. A ousadia resultou em mais quatro estudantes expulsos.

Em 1974, o governo apresentou projeto de lei tornando obrigatório que alunos formados no ITA servissem à Aeronáutica ou reembolsassem o período escolar desfrutado como civil. Seria a militarização definitiva da instituição. Graças à mobilização do Centro Acadêmico Santos Dumond (Casd), pela primeira vez um projeto do Executivo militar foi derrubado no Congresso Nacional. No que pareceu um revide, em outubro de 1975, estudantes que articularam votos junto a senadores do MDB e Arena acabaram presos, sob alegação de participarem de reuniões do proscrito Partido Comunista, e também foram desligados: eram os cinco alunos que, aceitos na Unicamp, ficariam conhecidos como os “os meninos do ITA”.

Em depoimento sobre sua prisão no DOI-Codi, Osvair Trevisan descreve um ambiente repleto de presos e o rádio ligado no último volume para encobrir o som das pancadas e os gritos nas salas de interrogatório. A penúria durou até a manhã do dia 25. “De repente, por volta do meio dia daquele sábado, fomos transferidos para o Ninho das Águias, na Base Aérea de Cumbica. No caminho, os soldados ainda simularam nosso fuzilamento. Soubemos depois que a retirada apressada dos presos foi motivada pela morte, ali no DOI-Codi, do jornalista Wladimir Herzog”, afirma Trevisan. Ele, Salazar, Gallo e Ganzarolli foram soltos em janeiro para aguardar a decisão judicial em liberdade; Goldemberg permaneceu em prisão preventiva. Consumada a expulsão do ITA, bateram à porta de várias instituições a fim de prosseguir em seus estudos. Encontraram apenas a porta da Unicamp aberta.

Reconciliação – Em julho de 2003, treze ex-alunos do ITA, civis e militares, se reuniram para pensar formas de reconciliação, passando a intermediar atos de reparação aos colegas injustiçados durante a ditadura. Um ano depois, o chamado Grupo dos Sábados anunciava que a Congregação aprovara moção convidando seis dos estudantes expulsos para que voltassem a se matricular na instituição e, cumprindo os devidos trâmites, recebessem seus diplomas de engenheiro. O professor Hermano Tavares, ex-reitor da Unicamp e integrante do grupo, afirmava na ocasião que o objetivo era “tirar esqueletos do armário”. “Durante um bom pedaço de sua existência, o ITA sempre enfrentou dificuldades por ser uma instituição com cabeça militar e com corpo de atuação civil. Este relacionamento civil-militar nunca foi fácil. Quem acredita viver num país democrático, espera que a democracia apare as asperezas nesse contato”, disse.

O Grupo dos Sábados propôs, também, que os outros quinze alunos desligados fossem igualmente convidados para que se reinscrevessem no ITA, juntando créditos acadêmicos obtidos em outras instituições para obtenção do diploma. Independentemente disso, seus nomes estarão numa placa afixada no campus, juntamente com os nomes e fotos dos dois professores falecidos. A cerimônia de formatura deste sábado será presidida pelo tenente brigadeiro Sergio Bambini, diretor do Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento, e, além do reitor Michal Gartenkraut, contará com a presença do ministro da Defesa, vice-presidente José Alencar. O homenageado será o professor Marco Antonio Guglielmo Cecchini, reitor do ITA durante os tumultuados anos de 1964 e 65.




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