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Especialista considera legítimos os movimentos
que reivindicam novos parâmetros para a LRF

Economista defende aperfeiçoamento da Lei de Responsabilidade Fiscal




MANUEL ALVES FILHO


O professor Gustavo Zimmermann, do Instituto de Economia: "Parece-me que o que está falhando é o mecanismo de controle" (Fotos Antoninho Perri)Em agosto de 2002, a Unicamp promoveu um encontro com prefeitos do Estado de São Paulo, no qual foram discutidos diversos temas de interesse dos municípios. Naquela oportunidade, o assunto que mais preocupava os gestores públicos era a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), promulgada dois anos antes. A legislação surgiu para impor condutas mais rigorosas no trato com o dinheiro público. Mais do que estabelecer limites, ela criou mecanismos para o controle dos gastos permanentes. Em outras palavras, determinou que um administrador só pode iniciar uma obra ou contratar servidores, por exemplo, se conseguir comprovar de onde virão os recursos. Passados cinco anos da sua criação, a LRF vive atualmente um período crucial, na opinião do professor Gustavo Zimmermann, do Núcleo de Economia Social, Urbana e Regional (Nesur) do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

De acordo com ele, é a partir de agora que a sociedade terá a chance de descobrir se a LRF de fato pegou, visto que as contas dos prefeitos que encerraram os mandatos em dezembro de 2004 ainda estão sendo analisadas. “Para sabermos se a lei pegou efetivamente, é preciso saber se a responsabilização vai de fato acontecer. É a partir de agora que os prefeitos que eventualmente descumpriram os preceitos da legislação poderão ser punidos. Estes estarão sujeitos à cassação dos seus direitos políticos, ao passo que as administrações municipais poderão ter seqüestradas suas transferências” afirma. O professor da Unicamp diz, porém, ter dúvidas se isso de fato acontecerá. Ele explica a sua posição, baseando-se na burocracia que envolve a análise dos orçamentos públicos.

O especialista lembra que a LRF impõe uma pena máxima de três anos de prisão para o gestor público que descumprir suas normas. Ocorre, porém, que o conjunto das leis brasileiras determina que o período para a prescrição de um crime, seja ele fiscal ou não, é proporcional ao da maior penalidade a ser aplicada. Ou seja, até que todos os trâmites sejam cumpridos, o que envolve o julgamento por parte do Tribunal de Contas, o encaminhamento das possíveis irregularidades ao Ministério Público e o eventual oferecimento de denúncia à Justiça, é muito provável que o prazo legal para a proceder à responsabilização já tenha sido superado. Na entrevista que segue, Zimmermann faz uma avaliação dos cinco anos da LRF, aponta suas virtudes e falhas e defende um aperfeiçoamento de alguns itens da legislação.

Jornal da Unicamp – A Lei de Responsabilidade Fiscal acaba de completar cinco anos. Que avaliação é possível fazer desse instrumento? Ele pegou?

Gustavo Zimmermann – Primeiramente, vamos olhar para o lado supralegal da questão. Nesse período, a sociedade brasileira aceitou os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou seja, a necessidade de uma disciplina fiscal foi incorporada pelos cidadãos, pelos partidos políticos, pelos agentes políticos e passou a fazer parte das campanhas eleitorais. Nesse sentido, a limitação à dinâmica fiscal é um avanço. É bom lembrar que, em 2000, isso ainda era muito criticado. Na realidade, até a sucessão presidencial nós tínhamos correntes divididas em relação à lei. Hoje, as restrições à disciplina fiscal são bem menores. Olhando especificamente para dentro da lei, agora que se completou o primeiro ciclo de prefeitos cujos mandatos foram cumpridos sob a sua vigência, é que vamos ver se ela de fato pegou.

JU – Mas já é possível notar algum tipo de mudança em relação ao trato da coisa pública em função do advento da lei?

Gustavo Zimmermann – Não tenha dúvida. A lei foi extremamente eficaz em relação à administração do crédito, por exemplo. Existe um dispositivo que torna juridicamente nula qualquer operação de crédito feita em desacordo com os critérios da legislação. Então, se um agente financeiro empresta dinheiro a uma Prefeitura que não estaria apta a obter esse empréstimo, conforme as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, a operação torna-se nula juridicamente. Ou seja, o agente financeiro não tem direito a multas e juros, mas simplesmente à devolução do dinheiro que ele emprestou. Isso foi extremamente efetivo. Alguns dos controles gerais da lei também são bem-sucedidos. Atualmente, poucos são os estados – dois, se não estou enganado – que não estão cumprindo o limite de gasto com pessoal, que é da ordem de 60% da receita corrente líquida. Muitos municípios também cumpriram essa determinação, sendo que vários deles estão bem abaixo do teto estabelecido.

JU – A lei causou algum efeito deletério?

Gustavo Zimmermann – O efeito desastroso foi que, ao estabelecer um padrão de gasto para os legislativos das unidades federadas, a Lei de Responsabilidade Fiscal usou um patamar extremamente alto. Conforme a legislação, o Legislativo poderia gastar até 6% do orçamento municipal para a sua manutenção. Isso é muito elevado para os padrões do Estado São Paulo, por exemplo. O que temos visto: os legislativos municipais estão forçando a ampliação dos seus orçamentos. Os municípios paulistas, que consumiam, em média, entre 2 ou 2,5% dos orçamentos municipais, hoje abocanham 3%. Há municípios que estão batendo nos 5%. Existe uma pressão muito grande sobre os executivos para atingir os 6%. Na minha visão, a sociedade é que tem que brecar isso. Sei de vários municípios em que a percentagem do orçamento dos legislativos aumentou, em que pese ter diminuído o número de vereadores. Isso é um absoluto descalabro.

JU – O senhor disse que a partir de agora é que será possível verificar se a lei pegou. Por que este momento é tão crucial?

Gustavo Zimmermann – Para sabermos se a lei pegou efetivamente, é preciso saber se a responsabilização vai de fato acontecer. É a partir de agora que os prefeitos que encerram seus mandados no final do ano passado e que eventualmente descumpriram os preceitos da legislação poderão ser punidos. Estes estarão sujeitos à cassação dos seus direitos políticos, ao passo que as administrações municipais poderão ter seqüestradas suas transferências. Agora é que vamos ver se a coisa toda pegou. Isso também será uma sinalização para os atuais prefeitos. Eu tenho algumas dúvidas se isso vai acontecer.

JU – Que dúvidas são essas?

Gustavo Zimmermann – A pena máxima de prisão prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal é de três anos. Ocorre que, segundo o conjunto das demais leis brasileiras, o período de prescrição de um crime, seja ele qual for, é proporcional ao da penalidade máxima. A dinâmica do setor público é a seguinte: orçamento é fechado num ano, indo até março do ano seguinte. O Tribunal de Contas, por sua vez, tem um ano e meio para julgar as contas dos estados e municípios. Como o Tribunal de Contas não tem poder de polícia, se houver alguma irregularidade o órgão tem que comunicar o fato ao Ministério Público, que precisará de um tempo para analisar o caso e decidir se oferece ou não denúncia à Justiça. Ou seja, temo que até que se cumpra todo esse trâmite, o eventual crime já tenha sido prescrito. Nesse caso, é como a fiscalização por radar na cidade. Se o radar é fixo, todo mundo diminui a velocidade nas proximidades do equipamento. Se o radar é móvel, não tem o efeito da expectativa. Então, se ninguém for responsabilizado, isso servirá para dizer para todo mundo que o radar móvel não funciona. Nesse caso, vamos ter uma lei que não terá pegado, pois não haverá a expectativa da punição.

JU – O senhor tem notícia se algum administrador público foi punido com base na Lei de Responsabilidade Fiscal?

Gustavo Zimmermann – Os prefeitos cujos mandatos terminaram recentemente sempre reclamaram que não podiam investigar e não podiam contratar porque a lei não permitia. Isso não é verdade. Um prefeito que assuma a gestão de uma cidade com esse discurso é porque ele está avalizando toda a estrutura de pessoal e todos os gastos do governo anterior. Quer dizer, ele não tem nenhuma reformulação a fazer. Parece que ele perdeu o tempo de ajuste da máquina fiscal, por meio do qual ele pode comprimir gastos e dispensar pessoas que não contribuam para os seus objetivos. Os prefeitos se escoraram muito nisso, numa tentativa de dizer que não seriam tão eficientes em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal. Esse argumento tem diminuído muito. No entanto, já se passaram quatro anos, período no qual os balanços anuais deveriam ter sido analisados. E não houve nenhum problema sério, como se todos os prefeitos e governadores brasileiros tivessem cumprido à risca as exigências da legislação. Pela unanimidade, parece-me que o que está falhando é o mecanismo de controle. Ou seja, os radares fixos também não estão funcionando. A maior parte das prefeituras não cumpriu sequer o preceito de dar publicidade aos balancetes e balanços municipais. Nós temos um atraso muito grande.

JU – Como o senhor mesmo disse, os prefeitos cujos mandatos se encerraram em 31 de dezembro de 2004 reclamaram muito da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda existem queixas? A lei precisa ser aperfeiçoada?

Gustavo Zimmermann – Sim, ainda existem reclamações. E uma delas é procedente, a meu ver. O limite de endividamento dos municípios é muito menor do que o limite de endividamento dos estados. Há uma pressão em relação à redução dessa diferença, principalmente por parte dos municípios que recebem um fluxo migratório grande. Antes mesmo de contribuir para o crescimento da receita local, essa massa de migrantes exerce uma pressão sobre a demanda social. Ou seja, essa gente precisa de saúde, educação, moradia etc. São essas cidades que passam por uma dificuldade grande. Não por acaso, são os mesmo municípios cujos indicadores sociais registram uma piora significativa. Esse problema é real e me parece que os reclamos são legítimos.

JU – Diante desta sua avaliação, que perspectivas a sociedade pode ter em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal?

Gustavo Zimmermann – Os municípios brasileiros, no seu conjunto, têm uma expressão muito pequena. Na realidade, eles administram cerca de 16% da renda pública brasileira. O esforço municipal nem é decisivo para se obter o superávit fiscal e nem é representativo no que toca ao déficit fiscal. Acho que é justificável repensar a situação. A atuação dos municípios é diferente da atuação do governo federal, que atualmente concentra recursos superiores ao da época da ditadura, até então responsável pelo pico da concentração tributária governamental. Além disso, há uma agravante nisso tudo. O governo federal não cumpre os mesmos papéis sociais que cumpria antes. Do meu ponto de vista, isso tem que ser equacionado. Até porque os cidadãos, como é sabido, moram nos municípios. A qualidade de vida de uma pessoa tem a ver com a água, o esgoto e o padrão da residência. Eu considero legítimos os movimentos para reequacionar esses parâmetros da lei. A lei ainda está armando o sistema imunológico para uma reação. E essa reação tem a ver com o efetivo controle, acompanhamento e responsabilização.

JU – Quando teremos uma visão mais realista sobre os reflexos da Lei de Responsabilidade Fiscal?

Gustavo Zimmermann – Tenho a impressão que nos próximos dois anos nós vamos saber se a vacina foi ou não eficaz, pois o tempo de maturação dela está se esgotando. Estamos vivendo agora um momento crucial.




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