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Estudo inédito resgata trilhas sonoras dos filmes produzidos pela Vera Cruz

Ensaio de orquestra
(e outros ensaios)

JEVERSON BARBIERI

Cíntia Campolina de Onofre, autora do estudo: abordagem inédita (Foto: Antoninho Perri)Dissertação de mestrado apresentada ao curso de Multimeios, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, revela um estudo inédito sobre a utilização da música em filmes. Intitulado O Zoom nas trilhas da Vera Cruz – A trilha musical da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, o trabalho explora, segundo Cintia Campolina de Onofre, autora do estudo, uma lacuna na teoria do cinema, que trata da utilização e da pouca discussão no Brasil sob o aspecto musical do filme. Musicista de formação, Cíntia explica que praticamente não existem trabalhos sobre trilhas sonoras cinematográficas, principalmente no cinema brasileiro. “Ao contrário do que foi feito sobre outros aspectos do cinema como montagem, fotografia e roteiro, as trilhas sonoras não tiveram a mesma atenção. A maior contribuição do trabalho é preencher essa lacuna”, afirma.

Partitura do filme Candinho, encontrada no  Museu da  Imagem e do Som, depois de muita garimpagem: raridadeCintia faz questão de frisar que a trilha sonora é um componente importante da obra, porém não o único. “Não é possível estudar a música inserida no cinema, independentemente do filme. Ela é mais uma ferramenta como a iluminação, a fotografia, o roteiro e outros, para a composição da narrativa cinematográfica. Há uma composição de recursos visuais e sonoros para formar o todo”.

A idéia de desenvolver esse projeto teve início ainda na graduação com um estágio supervisionado, em 2000, sobre música de cinema brasileiro. Cintia realizou um mapeamento musical de alguns filmes, leu muita coisa e estudou suas trilhas sonoras. Porém, a mola propulsora de todo o projeto foi a leitura de Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz, de Maria Rita Galvão. “Devorei o livro em dois dias. Ele tem vários depoimentos de pessoas que trabalharam na Vera Cruz durante seus quatro anos de existência, de 1949 a 1954. As histórias eram ricas e nunca haviam sido exploradas, além de constatar que não tinha nenhum depoimento sobre música”, revela a pesquisadora.

Ao descobrir que as trilhas sonoras da Vera Cruz foram compostas por Radamés Gnattali, Francisco Mignone, Gabriel Migliori, Guerra Peixe e Enrico Simonetti, maestros muito importantes nesse período e que foram os principais orquestradores da época, Cintia invadiu de vez esse universo. A principal questão envolvendo a criação da Vera Cruz, e muito criticada na época, é com relação à influência do cinema produzido em Hollywood no cinema brasileiro.

Cintia constatou que realmente houve essa influência. Porém, a pesquisadora afirma que o diferencial está no material musical que foi inserido. Além de orquestrações melodiosas e utilização do naipe de metais com acordes incisivos, muito comuns no cinema americano, é possível detectar, nos arranjos, elementos da cultura musical brasileira. Instrumentos de percussão como o zabumba, pandeiro, ganzá e o triângulo estão presentes nas músicas executadas pelas orquestras. É notória também a adequação de arranjos para orquestra com a inclusão de instrumentos como violão, acordeão e cavaquinho, além da incorporação de ritmos brasileiros, principalmente o samba e o baião.

Cintia acrescenta que os locais de inserção musical são os mesmos dos filmes estrangeiros, entretanto o conteúdo é o diferencial. Essa inserção de elementos nacionais nas trilhas cinematográficas deve-se ao fato de os compositores, principalmente Radamés Gnattali, Guerra Peixe e Mignone, terem participado do movimento nacionalista, que aliava a música erudita orquestral à cultura folclórica. O nacionalismo musical consistia na expressão do patriotismo através de elementos musicais, como ritmo e melodias populares do país. Portanto, segundo Cintia, quem afirma que a Vera Cruz só teve influência hollywoodiana está muito enganado.

Por conta disso, vários trabalhos sobre os anos 50 estão revisitando a história da Vera Cruz. “Houve um equívoco, a mão-de-obra era praticamente italiana, então muita coisa do cinema europeu estava ali. A maneira de orquestração e de estudos de música tinha influência européia, e é possível enxergar elementos de música brasileira nos filmes”, esclarece ela. Cíntia também ressalta que os filmes foram duramente criticados. A alegação de que a Vera Cruz era cópia fiel de Hollywood acabou afetando a imagem da companhia.

A pesquisa mostra que se existem elementos da cultura e do folclore brasileiro – como o fandango, congada, caiapó e rodas de samba –, é porque tudo isso foi resgatado para ser exibido na tela. Esses elementos, segundo Cintia, fizeram com que o filme tivesse um outro tipo de representação e que fosse visto de uma outra maneira. “Achamos que a música contribui para que a representação da imagem do Brasil seja de um país voltado para modernidade, mas que se preocupa com seu passado. Há características de modernidade, porque o país vivia um momento, os anos 50, no qual as manifestações de nacionalismo, modernização e industrialização estavam latentes. Contudo, caminhando junto com a modernidade, há nos filmes da Vera Cruz uma significativa amostra do folclore nacional”, comenta.

Documentos históricos – Cintia conta que logo no início do trabalho procurou por partituras originais que pudessem recompor esse rico período histórico do cinema brasileiro. Apesar das dificuldades naturais encontradas pelo caminho, quase no final da pesquisa encontrou, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, uma partitura do filme Ângela, catalogada apenas como sendo de Francisco Mignone, e não como partitura de música de filme. Outras duas partituras, dos filmes Candinho e Cangaceiro, foram encontradas no MIS, em São Paulo, após várias tentativas.

Essas partituras foram doadas pela viúva de Migliori a Maximo Barro, professor de história do cinema da FAAP e participante do movimento Vera Cruz. Ele fez a doação das partituras ao MIS, no início da década de 1970. Barro foi um dos entrevistados de Cintia.

Bastante conhecida dos funcionários do MIS, a pesquisadora fez nova tentativa na busca das partituras. Apesar de uma bibliotecária afirmar que não havia nada catalogado, a profissional lembrou-se de um móvel localizado na parte inferior do MIS. Fizeram uma busca e acabaram por localizar as partituras, raríssimas. “Para mim isso foi muito representativo na pesquisa. Nesse momento pude observar exatamente como os compositores pensavam a trilha, a influência da música americana e a inserção dos elementos e instrumentos nacionais juntamente com a orquestração”, comemora.

Ela lamenta que a maioria das partituras não possa mais ser localizada. Do período estudado, muita coisa se perdeu, porque os maestros, além do cinema, trabalhavam nas rádios. Muito desse material perdeu-se ao longo do tempo. A relação do cinema com o rádio nessa época foi estreita, já que os compositores atuavam nos dois meios de entretenimento e comunicação. A exemplo disto, Radamés experimentava no rádio uma nova concepção de arranjo orquestral para o samba, conferindo aos instrumentos de sopro uma função sincopada e rítmica semelhante à percussão. Tudo isso foi incorporado ao cinema.

Apesar do interesse comercial no mercado externo, com a exportação dos filmes brasileiros, a contribuição da Vera Cruz principalmente na parte técnica, de acordo com a pesquisadora, foi “fantástica”. Quando a Vera Cruz encerrou suas atividades, alguns técnicos voltaram aos seus países de origem, porém, muitos ficaram e acabaram formando novos profissionais. Hoje, por exemplo, a Álamo, que faz sonorização de cinema no Brasil, é de propriedade de Michael Stoll, que trabalhou na Vera Cruz como técnico de som e acabou formando técnicos e engenheiros de som.

A dissertação de mestrado foi orientada pelo professor Claudiney Rodrigues Carrasco, do Instituto de Artes, e o projeto foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Cintia revela que a banca indicou a publicação da dissertação e seu próximo passo é buscar uma editora interessada. “O objetivo é divulgar o máximo possível. Quase ninguém estuda trilha sonora e, quando o faz, muitas vezes não tem o domínio da teoria do cinema”, finaliza. Além do trabalho escrito, Cintia produziu um CD Rom que contém informações sobre a Vera Cruz, as trilhas sonoras, textos e entrevistas realizadas no decorrer da pesquisa.

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