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Jornal da Unicamp - Julho/agosto de 2000

Páginas 6-7

CIÊNCIA

Capa da "Nature" consagra
pesquisa brasileira

Artigo na prestigiosa revista, assinado por 116 pesquisadores paulistas, marca o início de uma nova era em nossa ciência

JOSÉ PEDRO MARTINS

A ciência brasileira iniciou uma nova era em 13 de julho de 2000, quinta-feira. Nessa data, a revista britânica Nature divulgou, como matéria de capa, o artigo com os resultados do esforço de 116 cientistas de instituições paulistas, a Unicamp entre elas, em obter o seqüenciamento dos genes da bactéria Xylella fastidiosa, responsável pela doença do "amarelinho", que devasta 30% da cultura de laranja do Estado. A publicação do paper, na revista que é considerada a bíblia da comunidade científica internacional, consagrou a liderança brasileira em pesquisas de seqüenciamento genético de patógenos vegetais e comprovou a viabilidade de adoção de novos paradigmas para o desenvolvimento científico no Brasil.

"Publicar um artigo na Nature é o sonho de todo o cientista", comemorou o bioquímico inglês Andrew Simpson, aqui radicado há dez anos e coordenador do grande trabalho coletivo. Tamanho destaque foi devidamente celebrado em uma conferência de imprensa na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o órgão que financiou a maior parte dos estudos sobre o "amarelinho". O presidente da instituição, Carlos Henrique de Brito Cruz, observou que esta é a primeira vez, nos 130 anos de existência da Nature, que ela dedica matéria de capa a um trabalho científico realizado no Brasil.

As inovações introduzidas pelas pesquisas que levaram ao seqüenciamento da Xylella fastidiosa foram enfatizadas pelo diretor-científico da Fapesp, José Fernando Perez. Ele destacou o enorme desafio que foi o desenvolvimento de uma pesquisa por um verdadeiro "instituto virtual", a expressão com que caracterizou a Rede Onsa (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos).

A rede, lembrou Perez, foi montada para coordenar a ação dos 35 núcleos de pesquisa escolhidos no Estado de São Paulo e participar do primeiro seqüenciamento genético de um patógeno vegetal no Hemisfério Sul. Na prática, o nome Onsa é uma pequena blague felina com TIGR, o poderoso The Institute for Genomic Research, sediado nos Estados Unidos e referência mundial em pesquisas genéticas.

O diretor explicou que a Onsa procurou, a partir dos instrumentais de comunicação possibilitados pelos avanços na teleinformática, agir como uma rede de pesquisas leve, flexível e eficiente, um "instituto virtual" sem paredes, descentralizado e fundado na idéia de rede de laboratórios já em curso em alguns grandes projetos de âmbito internacional. Foram observados, contudo, princípios inovadores, em termos de liderança e hierarquia, considerados decisivos para o sucesso das pesquisas.

Bioinformática - Um papel central no processo de coordenar as atividades de múltiplos pesquisadores e núcleos coube ao Laboratório de Bioinformática da Unicamp, como acentuou Andrew Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig. Foi este laboratório, coordenado pelos professores João Carlos Setúbal e João Meidanis e ligado ao Centro de Computação da Universidade, que organizou e processou todas as informações transmitidas pelos pesquisadores responsáveis por partes distintas do seqüenciamento da Xylella fastidiosa.

Os outros setores da Unicamp que participaram das pesquisas da rede ONSA foram o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), coordenado pelo professor Paulo Arruda; o Departamento de Genética e Evolução do Instituto de Biologia, coordenado pelo professor Gonçalo Guimarães Pereira; e o Hemocentro da Faculdade de Ciências Médicas, coordenado pelo professor Fernando Costa.

Eles estão dentre os 116 pesquisadores que assinam o artigo da Nature e atuam no Instituto Ludwig, USP, Univap, Unifesp, Unesp, Universidade de Ribeirão Preto, Universidade de Mogi das Cruzes, Instituto Biológico, Instituto Butantan e Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Esses cientistas já haviam sido entusiasticamente homenageados pelo governador de São Paulo, Mário Covas, e pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em cerimônias ocorridas, respectivamente, em 21 e 25 de fevereiro. Para o conjunto de pesquisadores paulistas, contudo, a capa na Nature foi sem dúvida o reconhecimento que faltava, desta vez da comunidade científica internacional.

A comemoração é mais do que justificada. Em seu editorial, a revista britânica foi enfática ao sustentar que, com a vitória da Rede Onsa no seqüenciamento da Xylella, o Brasil "entra na era pós-genoma de igual para igual com cientistas dos países ricos". Antes do Brasil, somente quatro países haviam desenvolvido um genoma completo, da obtenção do DNA à análise informática, em seu próprio território: Estados Unidos, Japão, Alemanha e Suécia.

Líder do Genoma de patógenos vegetais

O Projeto Xylella, chancelado pelo artigo publicado na Nature, coloca o Brasil na liderança das pesquisas de seqüenciamento genético de patógenos vegetais. Animados pelos resultados obtidos, os membros da Rede Onsa já se dedicam no momento a outros desafios, como o seqüenciamento completo do genoma da Xanthomonas citri, que causa o cancro cítrico, e ao seqüenciamento genético da cana-de-açúcar. Os pesquisadores brasileiros também estão envolvidos no Genoma do Câncer, com o seqüenciamento de tumores mais freqüentes no país.

Novos projetos estão sendo formulados ou prestes a começar. Caso do seqüenciamento do genoma da bactéria Clavibacter, responsável por raquitismo na cana-de-açúcar. O trabalho será coordenado por Luís Eduardo Aranha Camargo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz" (Esalq), de Piracicaba, e terá financiamento internacional, com recursos do Brasil, Estados Unidos, Austrália e África do Sul.

Outro projeto visa uma variante da Xylella, que ataca os vinhedos da Califórnia, e está sendo negociado com o Departamento da Agricultura norte-americano. De acordo com o diretor-científico José Fernando Perez, vários grupos têm proposto "parcerias ousadas" com a Fapesp.

Na lista de projetos em estudo, segundo Perez, estão o seqüenciamento de organismos que provocam doenças muito presentes no Brasil, como os agentes da esquistossomose e da leishmaniose e o fungo Paracoccidioides brasiliensis, causador de uma micose que ataca o pulmão e pode levar à morte se não for combatida a tempo. Ou seja, depois de chegar à liderança de pesquisas no genoma dos patógenos vegetais, os brasileiros caminham igualmente para o controle da tecnologia de seqüenciamento genético de organismos provocadores de algumas das doenças que mais afligem a humanidade e, em especial, os povos de países tropicais.

Efeitos no combate ao amarelinho

O seqüenciamento genético da Xylella fastidiosa foi obtido em menos de três anos, desde a reunião inicial na Fapesp, a 1o de maio de 1997. O prazo previsto para a conclusão dos trabalhos era junho de 2000, mas em janeiro as pesquisas estavam concluídas. O orçamento consumido, de US$ 13 milhões, foi reduzido em comparação com os padrões internacionais e considerando a dimensão do projeto, que na prática implicou no treinamento de muitos dos núcleos de pesquisa envolvidos.

Os resultados obtidos por essas pesquisas, realizadas em tempo e com orçamento incomuns, foram considerados impressionantes pelo comitê internacional que assessorou os trabalhos e que teve a participação, entre outros, do belga André Goffeau. Renomado pesquisador do Instituto Curie, de Paris, Goffeau foi o coordenador do projeto de seqüenciamento do genoma da levedura, executado por um conjunto de 100 laboratórios europeus e concluído em 1996.

Um dos efeitos diretos do seqüenciamento do genoma da Xylella é o encurtamento em dez anos do prazo para o controle da bactéria que provoca o "amarelinho", ou a Clorose Variegada de Citros (CVC). O controle desse patógeno é feito, atualmente, pela aplicação de agrotóxicos, visando à exterminação da cigarra que atua como vetor da praga. Naturalmente, esse método provoca grandes impactos ambientais.

A praga do "amarelinho" se manifesta quando a bactéria age sobre o xilema da laranjeira e prejudicando o fluxo de seiva na planta. Com isso o fruto não se desenvolve, fica com um aspecto que dificulta a comercialização. Não é por acaso que a Fundecitrus tenha participado do financiamento das pesquisas para o seqüenciamento da Xylella. A cultura da laranja em São Paulo emprega cerca de 400 mil pessoas em 200 municípios, gerando um faturamento anual de US$ 4 bilhões.

Segundo o bioquímico Andrew Simpson, coordenador do Projeto Xylella, uma das possibilidades de controle da praga abertas com o seqüenciamento está no fato de que, entre os genes identificados, 67 agem no chamado seqüestro de ferro - a bactéria depende de ferro para sobreviver. Como o solo do território paulista é rico em ferro, isso seria uma das causas da manifestação do "amarelinho" em São Paulo, o que não ocorre em outros países que também têm grandes plantações de laranja. Assim, modificações no solo paulista poderiam levar ao controle da bactéria, o que, obviamente, ainda exige muito esforço científico.

Outra possível linha de combate à praga, segundo Simpson, seria a modificação genética dos citros, inviabilizando a relação entre planta e bactéria. O coordenador do projeto ficou igualmente entusiasmado com outro dos subprodutos das pesquisas. Os cientistas paulistas descobriram uma família de moléculas, responsável pela fixação da Xylella no seu hospedeiro, semelhante às moléculas que viabilizam a ação de bactérias no organismo humano e que provocam infecções.

Outra descoberta foi a presença, entre o genoma da Xylella, de 7% de genes não naturais da bactéria e que seriam de vírus. Ou seja, a própria Xylella foi infectada e, com isso, trata-se de uma bactéria naturalmente transgênica.

Competência em bioinformática

Na concorrida conferência de imprensa na Fapesp, que teve a presença de jornalistas brasileiros e correspondentes de publicações estrangeiras, o coordenador do Projeto Xylella, Andrew Simpson, dedicou um agradecimento especial ao engenheiro mecânico João Carlos Setúbal, um dos coordenadores do Laboratório de Bioinformática da Unicamp.

"Não sendo biólogo, o João assumiu esse trabalho complexo com enorme responsabilidade e talento e foi fundamental para os resultados obtidos", acentuou. No Laboratório de Bioinformática, os dados obtidos e encaminhados pelos cientistas dos 34 núcleos de pesquisa eram reunidos, organizados e analisados.

O pesquisador vai mais longe. Ele considera que os avanços na bioinformática, pelos quais os cientistas da Unicamp têm grande responsabilidade, terão decisiva influência nos rumos das ciências biológicas no século 21. "Questões de enorme complexidade, que geram perguntas que vão além da capacidade do cérebro humano responder, sem dúvida não podem prescindir do computador. E isso será particularmente importante na área do genoma", completa Simpson.

Mas os cientistas da Rede Onsa, como o próprio João Carlos Setúbal, reconhecem: a falta de pessoal especializado em bioinformática no Brasil pode ser uma barreira para maiores avanços em pesquisas genéticas. O Laboratório da Unicamp e o Instituto Ludwig são os dois únicos núcleos em São Paulo, no momento, completamente habilitados em bioinformática.

Os especialistas da Onsa têm esperanças. O inevitável acirramento do mercado, a partir da multiplicação de pesquisas na área do genoma, vai contribuir para a formação de especialistas em bioinformática. Outros grupos já estão em formação, um deles em Ribeirão Preto.


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