Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 277 - 14 a 27 de fevereiro de 2005
Leia nessa edição
Capa
Ciência nas férias
Sucessão de Brito Cruz
Ciência & cotidiano
Identificação de microtoxina
Matemática que simplifica
Matemática brasileira
Velhice saudável versus
  rejuvenescimento
Europa social
Painel da semana
Teses da semana
Valor nutricional dos cogumelos
Arquitetura goiana
 

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Revoada auto-organizada – Parte I



Marcelo Knobel

Qual é a semelhança entre um grupo de pássaros (voando na incrível formação em V), o fluxo dos líquidos, a transferência de calor e o alinhamento dos ímãs? E mais, o que tudo isso tem a ver com o controle de tráfego de veículos em estradas movimentadas? Parece piada, mas não é! Todos esses fenômenos têm íntimas analogias entre si, e na visão dos cientistas, o entendimento de um dos problemas pode ajudar a desvendar o outro, e assim por diante. Ou seja, grupos de físicos teóricos aplicaram modelos conhecidos em magnetismo, aliados a teorias de fluxo de fluidos e transferência de calor para tentar desvendar o mistério de por que os pássaros normalmente conseguem manter uma formação em V para voar. Em princípio, a mesma teoria poderá ser usada para outros animais que andam em grupo, como grandes manadas de búfalos, ou grandes cardumes de peixes e, além disso, como perspectiva de aplicação, podemos pensar na compreensão da formação de enormes engarrafamentos no trânsito que às vezes surgem sem motivo aparente.

Pode-se imaginar que quando um pássaro move as suas asas para baixo, aparece uma corrente de ar para cima na sua vizinhança, que em princípio pode ser aproveitada por um pássaro ao lado para economizar energia, usando parcialmente a força já feita pelo colega da frente. Utilizando a formação em V todos os pássaros (menos o da frente), podem se beneficiar um pouco do esforço dos companheiros, e o grupo como um todo economiza uma quantidade de energia razoável (realizando revezamentos freqüentes para não sobrecarregar o coitado do líder). Do ponto de vista social, a formação em grupo pode ajudar a espantar possíveis predadores e também facilitar a ação para um eventual ataque. O problema neste caso é entender como eles conseguem manter essa formação de forma dinâmica, realizando piruetas, e atuando como se possuíssem uma única mente. Das teorias existentes para explicar o fenômeno, podemos destacar uma desenvolvida pelo grupo do Físico húngaro Tamas Vicsek a partir de 1993. Para tentar descrever esse fenômeno, eles utilizaram um modelo matemático análogo ao que já era conhecido há muitos anos para explicar o magnetismo de materiais ferromagnéticos (dos quais os conhecidos ímãs são um ótimo exemplo). Esses materiais dependem essencialmente das interações somente entre átomos vizinhos, que permanecem fixos, e as informações e eventuais erros são transmitidos por um processo de tipo difusivo, ou seja, de modo lento, de vizinho a vizinho até que seja transmitido ao material como um todo (algo parecido com o jogo do telefone-sem-fio). Eles simularam computacionalmente a situação de um grupo de pássaros, considerando que cada pássaro seria afetado somente por seus vizinhos mais próximos, e a cada passo do programa cada pássaro olharia para os seus vizinhos e se moveria no sentido médio definido por eles. Eles até introduziram fatores do mundo real, como imperfeições no julgamento e na ação, o que provoca erros, que são espalhados lentamente por todo o grupo. Entretanto, havia ainda problemas com relação a esse modelo, pois uma formação bidimensional estável não poderia se formar utilizando apenas a analogia magnética (conhecido como modelo de Ising).

Outros grupos de pesquisa ampliaram a idéia inicial, considerando que o grupo de pássaros se move como um fluido (adicionando a famosa equação de Navier-Stokes). Ou seja, eles começaram a pensar no bando de pássaros como um líquido, deixando para um segundo plano as interações individuais entre os pássaros vizinhos. Desse modo, foi possível descrever como a densidade do grupo muda com o tempo, ou melhor, como varia a distância média entre as aves. Além disso, entendeu-se finalmente como um grupo específico de pássaros consegue se manter junto, mesmo na presença de erros e mudanças bruscas de direção por parte de cada um deles. Do ponto de vista matemático, o bando de pássaros tornou-se um fluido fora do equilíbrio, um sistema com uma complexa equação que inclui um termo de ruído aleatório (que descreve os imprevisíveis erros de julgamento dos pássaros), extremamente difícil de resolver para encontrar o movimento do grupo em geral. Apesar de difícil, conseguiu-se mostrar que a própria forma das equações faz com que os erros aleatórios individuais sejam rapidamente diluídos através de todo o grupo, ao contrário do que acontecia no caso do “modelo magnético” anterior. Além disso, a solução dessas equações revelou que o grupo de pássaros pode ter enormes flutuações em densidade, isto é, de um momento ao outro os pássaros podem estar muito próximos ou bem separados, e mudando de posição continuamente, mas ainda formando um grupo.


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