Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 277 - 14 a 27 de fevereiro de 2004
Leia nessa edição
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Ciência nas férias
Sucessão de Brito Cruz
Ciência & cotidiano
Identificação de microtoxina
Matemática que simplifica
Matemática brasileira
Velhice saudável versus
  rejuvenescimento
Europa social
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Teses da semana
Valor nutricional dos cogumelos
Arquitetura goiana
 

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Grupo de Biomatemática do Imecc completa 20 anos
de estudos sobre propagação e controle de doenças infecciosas


A matemática que
simplifica mundos complexos




LUIZ SUGIMOTO

O professor Hyun Mo Yang, do Imecc, Cláudia Pio Ferreira e Lourdes Esteva: aplicações na epidemiologia, imunologia, fisiologia, ecologia e agricultura (Foto: Antoninho Perri)Uma pessoa contraiu esquistossomose. Qual a probabilidade de um ovo do verme transmissor ser depositado na corrente de água através das fezes da pessoa doente? Qual a probabilidade de o ovo eclodir e gerar miracídios (primeira forma de larva)? Qual a probabilidade de um miracídio encontrar o caramujo hospedeiro? Qual a probabilidade deste caramujo não morrer antes que o miracídio cresça dentro dele e comece a liberar cercárias (última forma larvar)? Qual a probabilidade de uma cercária, em seu curto período de vida, penetrar na pele ou mucosas do homem? E qual a probabilidade de a cercária, tendo infectado uma pessoa, encontrar dentro do organismo as condições de sobrevivência para se transformar no verme adulto que também vai pôr seus ovos?

Cinco pesquisas estão em andamento

A aplicação de métodos matemáticos probabilísticos para auxiliar no controle de doenças remonta ao começo do século 20. Durante a década de 1920, o epidemiologista Ronald Ross, que ganhou o Nobel por identificar um mosquito como o transmissor da malária, recorreu a modelagens matemáticas para explicar a dinâmica da transmissão desta doença. Aqueles métodos probabilísticos evoluíram e hoje existe uma especialidade chamada biomatemática, que tem o computador como ferramenta essencial para realizar modelagens bem mais sofisticadas, enriquecendo pesquisas em todos campos do conhecimento.

“A aplicação dessas teorias na epidemiologia, por exemplo, é facilitada porque podemos subdividir a complexidade de um fenômeno em partes mais ou menos constantes. Em epidemias de transmissão direta como sarampo, rubéola ou coqueluche, em que vírus e bactérias passam de pessoa para pessoa, a população é enquadrada, conforme a evolução da infecção, em três tipos de classes: os suscetíveis à doença, que nunca tiveram contato com microorganismos; os infectantes, que tiveram contato e cujo sistema imunológico ainda não conseguiu debelar o micro-parasita; e os imunes, que já sofreram da doença e adquiriram imunidade. Torna-se possível, assim, simplificar a relação entre homem e microorganismo. A matemática oferece a possibilidade de simplificar mundos complexos”, explica o professor Hyun Mo Yang, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp.

Mestre e doutor em física, Hyun Yang coordena um grupo interdisciplinar de pesquisa em biomatemática (Epidemiologia e Fisiologia Matemáticas – Epifisma) com aplicações na epidemiologia, imunologia, fisiologia (imunologia e neurociência), ecologia e agricultura. O grupo reúne professores, graduandos e pós-graduandos do Imecc e de outras universidades. Há cinco pesquisas em andamento, três delas relacionadas à dengue, uma sobre tuberculose e um projeto temático da Fapesp em imuno-epidemiologia de doenças infecciosas. Criado em 1995, o Grupo de Biomatemática-Epifisma já concluiu 13 projetos, abrangendo um leque de doenças como HIV, rubéola, esquistossomose, tuberculose e dengue, além de avaliar a cobertura oferecida por campanhas de vacinação em massa.

Com um modelo sobre a transmissão de esquistossomose, por exemplo, considerando variáveis como níveis de reprodução de ovos, fatores ambientais e condições imunológicas da população, foi possível propor o tratamento de todas as pessoas com sorologia positiva como melhor estratégia de controle. Já um modelo compartimental baseado em curvas sorológicas populacionais, em pesquisa de campo medindo concentração de anticorpos em diversas faixas etárias, pode fornecer subsídios para esquemas de vacinação, tendo sido aplicado contra rubéola. Outra pesquisa teve como objetivo estudar os mecanismos de produção de anticorpos pelas células B, diante da inoculação de antígenos no organismo, cujos resultados podem ser aplicados para combater a ação das células cancerígenas.

Dengue – Está vigorando um importante projeto de cooperação com a Sucen (Superintendência de Controle de Endemias) para o controle da dengue. O professor do Imecc explica que o ciclo de vida do Aedes aegypti possui quatro fases: ovo, larva, pupa e mosquito adulto. “O raio de vôo do mosquito ao redor dos criadouros é reduzido, não passando de 300 metros. Ele só coloniza regiões distantes porque é levado pelo vento ou veículos de transporte como caminhões, especialmente ovos. Se nos preocuparmos apenas com os movimentos próprios do mosquito, voando de lugar em lugar para pôr ovos, podemos calcular o tempo que levaria para chegar a outro extremo do território. Através da modelagem matemática, mostramos a velocidade da invasão e da colonização”, ilustra Hyun Yang.

Na parceria com a Sucen, estudou-se em laboratório como a variação da temperatura (inverno-verão) influi na vida média das fêmeas, na quantidade de ovos depositados ao longo dos dias, mortalidade de fêmeas e machos, e o tempo do ciclo na fase aquática, que varia de três a dez dias. “Marília e São José do Rio Preto, onde as pesquisas foram realizadas, são cidades parecidas em termos de população e condições climáticas, mas apresentam características epidemiológicas bem diferentes. Uma suposição é a idade das fêmeas, pois o vírus precisa de cinco a sete dias para se multiplicar dentro do inseto e passar a doença ao homem através da picada. Se a concentração não for elevada, não existe a dengue. Então, quanto mais velha é a população de insetos, mais perigosa ela pode se tornar epidemiologicamente”, explica Hyun Yang.

A onda – O pesquisador afirma que, pelo menos em teoria, é possível quebrar uma onda de invasão de Aedes aegypti vinda do Mato Grosso para São Paulo, por exemplo, com a pulverização por inseticida de determinada faixa territorial no percurso. “É como no combate a incêndio em mata, quando se cava uma grande vala mais à frente, impedindo que o fogo se propague”, compara. O estudo de campo em Marília e Rio Preto também mediu a eficácia do controle por inseticida, sendo que a pulverização por máquinas pesadas eliminou entre 60% e 70% dos insetos, índice muito baixo em relação à pulverização manual, que chegou a mais de 90%. “A matemática permite mensurar qual a quantidade de insetos que precisam ser eliminados para que a onda de doença seja barrada”, acrescenta o professor.

A remoção de criadouros, diminuindo a capacidade de oviposição das fêmeas, é sabidamente mais eficaz, mas o grupo não pôde efetivar o levantamento devido a problemas operacionais. A professora Lourdes Esteva, da Universidade Nacional do México, estuda a possibilidade de aplicação de uma técnica bem sucedida no combate à mosca-varejeira (Cochliomya omnivorax) – praga que atingiu o gado dos Estados Unidos e México: é introdução de machos estéreis na população de Aedes aegypti, a fim de diminuir sua capacidade de reprodução. “A alternativa funcionou com o gado e algumas pragas de plantas naqueles países, mas não com outras. Além disso, custou muito tempo e dinheiro”, pondera a cientista mexicana.

Aids – O Grupo de Biomatemática também realizou trabalhos relativos ao HIV, tempos atrás, diante da especial preocupação com a disseminação entre usuários de drogas. Hyun Yang recorda a questão: era melhor priorizar a distribuição de seringas descartáveis ou orientar sobre a transmissão pelo contato sexual? Corroborando resultados alcançados por outros estudos, os pesquisadores do Imecc desenvolveram modelos matemáticos demonstrando que a prevalência de HIV, normalmente de 60% a 70% entre os usuários de drogas injetáveis, cairia para 5% a 10% com a mera distribuição de seringas limpas. O índice restante refletia a transmissão por outros meios, requerendo medidas adicionais de prevenção. “A Holanda, que viabilizou a oferta de seringas, constatou na prática aqueles percentuais de queda na contaminação”, informa Yang.

Interação é o que importa
Cláudia Pio Ferreira, que acaba de concluir seu pós-doutorado pelo Departamento de Matemática Aplicada do Imecc produzindo modelos para descrever como o vetor da dengue se espalha, está ingressando no quadro de professores da Unesp de Botucatu, onde continuará realizando pesquisas em biomatemática. “O mais importante nesta área é a colaboração, que vem permitindo modelos cada vez melhores. Antes, matemáticos tentavam entender de biologia para idealizar modelos de doenças. No trabalho com a Sucen, meu contato foi com biólogos sem noção de matemática, mas que possuem o conhecimento para julgar se os resultados que alcancei são coerentes”, afirma.

Para o professor Hyun Mo Yang, teoricamente, a universidade valoriza esta interação, mas na prática ainda vê muitos obstáculos para que um graduando de medicina, por exemplo, possa freqüentar disciplinas de matemática e vice-versa. “Esta abertura é necessária para que se comece a criar uma mentalidade interdisciplinar. Na matemática, especialistas de outras áreas perceberiam que os fenômenos não são simplesmente empíricos, que sempre existem leis básicas que os direcionam. A modelagem quantitativa talvez lhes ofereça a vantagem de, ao invés de elaborar muitos experimentos, se concentrar nos essenciais”, sugere o professor.

Hyun Yang informa que está sendo montado, nas dependências do Imecc e com recursos concedidos pela Fapesp, um laboratório de informática para agregar pesquisadores de diversas áreas de conhecimento. “A biomatemática não pretende, nem de longe, apresentar soluções para a área médica, mas sim oferecer parâmetros importantes visando à prevenção e o controle de doenças. É bom frisar, ainda, que a epidemiologia e a imunologia integram uma pequeníssima parte do mundo da biomatemática, que hoje está presente em áreas tão diversas como as de agricultura e de sociologia”, ressalva.


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