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Abolição da escravidão das mulheres

O confinamento de prostitutas, no Pará e no resto do mundo, foi inserido na pauta dos direitos humanos assim como a abolição da escravatura. Houve muitos advogados entrando com pedido de habeas corpus em favor de mulheres que, apenas por sentarem na calçada, eram confundidas com prostitutas e acabavam ganhando uma carteirinha.

Este movimento de resistência teve início em 1870, na Inglaterra, onde ganhou o nome de “abolicionismo”, o mesmo adotado nos Estados Unidos por grupos ligados aos protestantes. “Eles diziam que, depois de abolir a escravidão dos homens, aboliriam a das mulheres”, conta o professor Sérgio Carrara.

Mas, ao mesmo tempo em que defendiam o fim dos confinamentos, os abolicionistas também exigiam o fim da prostituição, pois acreditavam que o homem também podia abster-se de sexo até o casamento, tal como as mulheres. “A campanha envolveu protestantes, católicos e feministas e obteve vitória na Inglaterra, que começou a criar uma lei contra a prostituição”, lembra o pesquisador.

Atualmente, nos EUA, só o estado de Nevada considera livre a prostituição; no restante do país, quem se vende e quem paga podem pegar cadeia. No Brasil nunca houve regulamentação da profissão, apesar do movimento feito pelos médicos no século 19. Já no período republicano, grupos de médicos abolicionistas, antenados com o movimento inglês, barraram a legalização no país e partiram para campanhas educativas. “Em vez de tratar, educar: uma idéia cara até hoje”, observa Carrara.

Aqueles médicos, porém, não superaram a idéia de que o sexo era uma necessidade primária para o homem e, portanto, que a educação deveria ser direcionada para o ato sexual com preservativos de contato. Muitos deles aconselhavam o uso de pomadas desinfetantes.

Retórica – Na década de 20, o inspetor geral de profilaxia de doenças venéreas defendeu que a orientação primordial deveria ser de o cidadão privar-se de sexo até o casamento. Pura retórica: “Nós precisamos pregar isso, senão a igreja não deixa a campanha ir para a rua”, cochichava a autoridade sanitária junto aos seus pares. “Mas, o mais importante, é que caso você não consiga evitar o sexo, use isso, use aquilo...”, acrescentava ele no discurso ao público.

Só havia homens nas imagens apresentadas em conferências e nos cartazes. O assunto não podia ser comentado diante de mulheres. Um dos maiores patrocinadores de cartazes na década de 30 foi o Círculo Brasileiro de Educação Social, uma organização não-governamental comandada pelo médico José de Albuquerque. “A ação do Estado foi muito menor do que na década anterior. Desta forma, as ONGs roubaram a cena”, afirma Carrara.

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O dia do sexo

Naquela década de 30, e sob o comando do Círculo Brasileiro de Educação Social, o Rio de Janeiro comemorou por cinco anos seguidos o Dia do Sexo, festa que se realizava em 20 de novembro. “As emissoras de rádio convocavam a população com slogans do tipo “sexo para a reprodução, para a nação, para a raça”. Não tinha nada a ver com o prazer”, conta o pesquisador.

Para o Círculo, o prazer no sexo era secundário. Mais importante era o efeito calmante produzido pela descarga do sistema nervoso. Por isso, defendia-se o uso do preservativo de contato, já que a camisinha impediria o prazer. Mas haviam as pomadas desinfetantes. Um anúncio da época mostrava uma mão feminina, um relógio e a latinha com a marca do produto. “O relógio porque a pomada tinha de ser passada rapidamente após o coito”, explica Carrara.

Mas nem tudo foi festa para os homens. Na década de 20, quando o poder público decidiu atacar mais incisivamente o problema, montou-se uma rede de dispensários para cura e prevenção de doenças venéreas. “Eram locais onde os homens iam lavar a genitália depois da relação, chamados de postos de desinfecção mantidos pelo Estado”.

Desta forma, a política estatal de combate às doenças ocorria na base da persuasão, educação, sem autoritarismo. Já o Exército brasileiro possuía a sua própria tática: distribuía camisinhas e mantinha postos de desinfecção em suas bases; o soldado que aparecesse infectado e não tivesse um certificado comprovando que passou por um posto, perdia o soldo e ainda era hospitalizado compulsoriamente.

A tática era condenada pelos sanitaristas, pois para eles os homens infectados iriam fugir do tratamento e disseminar a doença. E tratar a doença já era sacrifício demasiado para o padrão moral dos pacientes na época, que eram obrigados a ficar em posição ginecológica, às vezes diante de três médicos, que o examinavam como se fosse um objeto.

O embate – “Existe um jogo muito complexo entre o estado brasileiro (através dos médicos) e o poder masculino. Ao poder masculino interessa o exercício autônomo da sexualidade, o acesso às mulheres. Era sobre isso que tais políticas precisavam incidir para controlar a doença”, argumenta Carrara. O professor lembra que a prostituição era criticada – menos pela Igreja Católica, que evitava polemizar – e o Estado precisava interferir.

“Os homens têm que incorporar princípios transcendentais para orientar sua prática sexual não apenas pelo prazer, ou para ter uma linguagem entre seus pares. Têm que pensar na espécie, na raça, na nação, nos novos valores nacionais”. Ou seja, até hoje, com o advento da Aids, o homem continua no embate com os médicos e o poder estatal, submetido a valores que transcendem o universo da masculinidade.

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