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Pesquisa investiga participação da
sociedade em políticas de segurança

Reuniões de Conseg revelam que preconceito
ainda perdura em determinados setores

JEVERSON BARBIERI

A socióloga Ana Paula Galdeano Cruz, autora da tese de doutorado: “Falar é uma coisa, executar políticas é outra completamente diferente” (Foto: Antoninho Perri) Tese defendida pela socióloga Ana Paula Galdeano Cruz, que investigou a participação da sociedade civil na discussão das políticas de segurança e prevenção da violência na cidade de São Paulo, concluiu que o quadro atual é de mudanças e paradoxos no campo dos direitos humanos. A pesquisa, eminentemente etnográfica, revelou que grupos particulares usam a linguagem do direito para fazer suas reivindicações. Ao fazerem isso de maneira individual, tendem a negligenciar os direitos de outros grupos, em geral os segmentos mais estigmatizados da sociedade, como as prostitutas, os favelados, os travestis e os jovens infratores.

Configura-se aí uma ambiguidade, afirma Ana Paula, que fez um trabalho comparativo nos territórios de Sapopemba (zona leste) e Campo Belo (zona sul), na capital paulista, orientada pela professora Maria Filomena Gregori, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. A pesquisadora participou dos encontros e debates dos Conselhos Comunitários de Segurança (Conseg) desses locais e, a partir de suas anotações, verificou que as reivindicações estão no direito à cidade, no direito ao respeito à lei de zoneamento urbano, no direito a um trânsito menos caótico e, ainda, no direito dos jovens pobres. No entanto, ficou bastante perceptível para a autora que as pessoas ainda pensam em grupo e não como uma coletividade. Ao reivindicarem as suas necessidades, esses grupos automaticamente segregam partes da sociedade, excluindo-os dos conselhos e das discussões, gerando um novo impasse: a circulação de preconceitos e estereótipos.

Criados em 1985, pelo ex-governador Franco Montoro, os Conseg tem entre os seus objetivos a aproximação entre os vários setores da sociedade. A socióloga lembra que Montoro tinha essa idéia de participação muito viva, tanto que o Conseg foi implementado em São Paulo durante o período da ditadura militar. Quem implementou esses conselhos há vinte anos foram delegados de polícia, muitos dos quais contrários às mudanças que sinalizavam a formação de uma nova polícia. Eles foram responsáveis por chamar e mobilizar pessoas da comunidade que enxergavam os direitos humanos como “privilégio de bandidos”. Em contrapartida, as entidades locais de direitos humanos viram esses espaços como retrógrados, o que acabou por impedir a aproximação entre esses representantes.

Durante sua pesquisa, em 2005 e 2008, Ana Paula percebeu uma nova aproximação das entidades de direitos humanos dos conselhos, muito em razão das mudanças ocorridas na própria sociedade. “Representantes das entidades de direitos humanos trabalhavam com jovens dentro daquele espaço”, observou. Mesmo assim, as disputas entre as entidades ainda se configuram. Ela citou como exemplo a diretora de uma escola que vivenciava no cotidiano a violência dos jovens e, como forma de atenuar a situação, solicitou a presença da polícia no local com um aumento das rondas e legitimando inclusive algumas ações mais truculentas por parte da polícia. Por outro lado, a conselheira tutelar, que pertencia a um grupo da Teologia da Libertação, solicitava a punição dos policiais que agem com arbitrariedade na relação cotidiana com os moradores mais pobres.

“Tramas”
Ana Paula utiliza o termo “tramas institucionais” para mostrar como disputas de ordem pessoal, institucional e simbólica comprometem a resolução dos problemas no âmbito desses encontros. Disputas do tipo diretora da escola versus entidades de direitos humanos, e entidades de direitos humanos versus polícia mostram que existe de fato uma aproximação. Para a socióloga, mesmo com todas as dificuldades, os conselhos são fundamentais porque é o espaço aonde as pessoas vão publicizar suas demandas e reivindicações. A existência dos conselhos como espaço participativo capaz de congregar estado e sociedade é fundamental.

No que diz respeito às tramas institucionais das políticas de prevenção à violência no Estado de São Paulo, mais especificamente na cidade de São Paulo, elas revelam que o grande problema transcende os conselhos. Os Conseg são simplesmente espaços nos quais as pessoas fazem as demandas e tentam chegar até instituições como a secretaria de educação e a secretaria de infraestrutura. Segundo Ana Paula, a secretaria de segurança pública deveria ter um projeto sistêmico, porém, o que existe na verdade é uma falta de propostas políticas para prevenção da violência. Ela alega que existe um discurso institucional que valoriza a prevenção da violência, mas ainda não existe uma instituição que possa acolher as demandas e transformar isso em políticas concretas. “Falar é uma coisa, executar políticas é outra completamente diferente”, afirmou.

A pesquisadora ressaltou também que ainda existe uma limitação de entidades representativas nesse espaço, sobretudo em regiões mais centrais, muito dominadas por associações de bairro e que articulam pouco a participação de entidades mais ligadas ao movimento de direitos humanos, que são aquelas que abrangem os direitos na área da infância e da adolescência. Claramente nesses encontros é possível perceber que quando essas entidades estão diante das associações de bairro, por exemplo, disparam mecanismos que ela intitula de “surdos” e ao mesmo tempo explícitos, que levam a segregação política desses grupos. Mas ao mesmo tempo, esses grupos estão acostumados a reivindicar, são grupos mobilizados politicamente e também se retiram desses espaços quando percebem que suas demandas mais ligadas aos pobres não são acolhidas.

Esse é o quadro geral, é o quadro onde algumas instituições que dominam os Consegs tendem a segregar os grupos mais estigmatizados e, por outro lado, entidades muito mobilizadas politicamente se retiram muito rapidamente desses encontros. Acho que tem esses dois lados. “No fundo o Conseg é um espaço onde você vê claramente a ausência de reciprocidade entre os grupos. Um espaço onde as intolerâncias afloram de uma maneira muito clara”.

Operação policial
A atuação da pesquisadora não se limitou à participação nos encontros e debates realizados nos Conseg. Ana Paula acompanhou duas operações policiais denominadas Saturação, que foram realizadas em 2005 e 2008, nas zonas leste e centro-sul. Ela contou que presenciou um verdadeiro cenário de guerra, aonde uma série de tropas policiais seguiu até as favelas para ficar, no mínimo, um período de quarentena, com o discurso oficial de dissuadir o tráfico de drogas e aproximar a polícia da comunidade.

Esse objetivo oficial, pelo menos no que diz respeito à aproximação entre polícia e comunidade, tem efeito contrário ao desejado. A população, conta a pesquisadora, sente na verdade muita humilhação, porque os policiais são truculentos. Existe, inclusive, uma série de reclamações contra policiais que entram com o pé na porta dos barracos, de pessoas que são espancadas, enfim, atitudes acompanhadas de muita arbitrariedade.

Ao mesmo tempo, o que o Estado diz é que o objetivo primeiro da operação Saturação é promover um clima de calmaria nas comunidades. A partir daí, ele entra com o programa Virada Social, criado pelo governo estadual para enfrentar a complexidade das regiões do Estado com registros de altos índices de criminalidade e que no discurso social está relacionado com a operação Saturação.

Em seu trabalho, a pesquisadora identificou uma completa ausência de link entre essas atividades nas duas comunidades aonde foi feita a etnografia (Sapopemba e Campo Belo).

A operação Saturação nesses dois lugares é apenas performática. Existe uma performance da polícia para mostrar que trabalha, que está combatendo o tráfico, mas essa ação é muito tímida no seu objetivo de eliminar o tráfico, garantir segurança à população e melhorar as relações com a polícia. “A população quer isso, eles demandam direito à segurança. O problema é quando isso é completamente desconectado da proteção social desses públicos vulneráveis”.

Avaliação
Ana Paula contou que, a partir de seu trabalho no Ministério da Justiça, ela teve oportunidade de avaliar programas de prevenção à violência. Começou fazendo etnografias em favelas de Belo Horizonte, quando conheceu o programa Fica Vivo – Controle de Homicídios, do governo mineiro. Ela atesta que, apesar de serem governados pelo mesmo partido, o PSDB, as experiências de São Paulo e Minas Gerais são muito diferentes. Segundo a autora da tese, eles pensam muito diferente em termos de prevenção de violência. Embora nos últimos cinco anos as taxas de homicídio em São Paulo tenham baixado significativamente, ela considera o programa mineiro mais entusiasta.

No seu entendimento, Ana Paula considera que é preciso fazer outros tipos de avaliação. “Não é só a diminuição das taxas que importa”, disse. Para ela, uma série de fatores pode estar contribuindo para esse decréscimo, entre eles o encarceramento, a participação da sociedade civil através do trabalho de assistência e o aumento de escolaridade da população. Porém, ela cita outras dimensões que devem ser investigadas como a vulnerabilidade preferencial dos jovens pobres do sexo masculino, que são os principais afetados como vítimas e perpetradores da violência. “É preciso avaliar se o Estado tem conseguido garantir os direitos desse público.

 

 

 
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