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Software mapeia funções cerebrais

Ferramenta desenvolvida no IC analisa experimentalmente
imagens de ressonância magnética

ISABEL GARDENAL

O professor Alexandre Xavier Falcão (à esquerda), orientador da pesquisa, e Paulo André Vechiatto de Miranda, autor da tese: “desmembrando” o cérebro (Foto: Antoninho Perri) Graças à tecnologia do diagnóstico por imagem, o mapeamento das funções cerebrais pode ser realizado hoje com maior precisão e com a vantagem de não requerer procedimentos invasivos. Um novo software denominado Bia (Brain Image Analyzer) – desenvolvido na Unicamp por Paulo André Vechiatto de Miranda, doutor pelo Instituto de Computação (IC), e pelo grupo do Laboratório de Informação Visual (LIV) – está analisando experimentalmente imagens de ressonância magnética em que se extraem medidas de estruturas do cérebro, tais como do cerebelo e dos hemisférios, buscando identificar a sua correlação com determinadas doenças. Essas imagens são tridimensionais (3D) e contam com um mínimo de intervenção do usuário, devendo se estender, em breve, para as estruturas subcorticais (localizadas abaixo do córtex). “Para que o software chegue à versão final, no entanto, será preciso estender a atual base de treinamentos, que é de 45 imagens, para cerca de 200 imagens”, relata Miranda. A primeira versão do software está prevista para fevereiro de 2010.

O software resulta da tese de doutorado de Miranda, recém-defendida no IC, cuja abordagem foi o reconhecimento e delineamento sinérgicos de objetos em imagens com aplicações na medicina. A tese foi orientada pelo professor Alexandre Xavier Falcão. A criação do software aconteceu no âmbito do projeto temático “Identificação e caracterização das etiologias, mecanismos de lesão, disfunção neuronal e defeitos moleculares na epilepsia de lobo temporal mesial e sua relação com a resposta ao tratamento”, coordenado pela professora Íscia Lopes Cendes, do Departamento de Genética da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). Também teve a participação do programa Cinapce (Cooperação In­terinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cére­bro), coordenado pelo neurologista da FCM Fernando Cendes, que visa promover pesquisas em neurociências e formar uma rede de cooperação entre instituições do Estado de São Paulo. Ambas as iniciativas contaram com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

É sob este contexto que trabalha Miranda, como “segmentador das imagens”, fazendo suas explorações para desvendar achados cerebrais que possam levar à localização de doenças. Em visão computacional, segmentação refere-se ao processo de dividir uma imagem digital em múltiplas regiões ou objetos, com a finalidade de simplificar a sua representação e facilitar a sua análise. Com esta imagem é possível fazer a definição espacial precisa de uma dada estrutura e, como Miranda trabalha com imagens 3D, sua intervenção consiste mais em analisar uma sequência de fatias integralmente.

Ele não está sozinho nos estudos das imagens. No IC, Miranda divide esta tarefa com vários pós-graduandos que trabalham para a resolução de outros tipos de problemas, como realizar análise de assimetrias e de alterações na anatomia do cérebro. O seu trabalho, comenta, é visto como pré-requisito para outros. Mas o grupo do LIV já tinha experiências anteriores com os softwares IBS e IVS, que segmentavam o cérebro interativamente, e foi a partir deles que foi concebido o Bia. Esta automação tem sido alcançada mediante um modelo dos objetos, construído por um aprendizado supervisionado pelo médico, o qual depende de uma base de treinamento com imagens pré-segmentadas. Esse modelo é chamado Clouds, ou modelo de nuvens, por ter esta aparência.

Imagens geradas pelo programa Bia (Brain Image Analyzer), que realiza dissecações virtuais: primeira versão do software está prevista para fevereiro de 2010 (Foto: Antoninho Perri) Normalmente, as ressonâncias atuais trabalham com imagens ponderadas de T1. Com o Bia, a este processamento também se somarão as imagens em T2 e em PD (proton density), nomenclaturas que exemplificam modalidades de aquisição de imagens. A técnica da ressonância magnética é usada principalmente para visibilizar a estrutura cerebral.

Todas as imagens do software desenvolvido por Miranda, explica ele, são observadas como se fossem volumes do cérebro humano. A cabeça está contida nestes volumes, cabendo ao software ler esta imagem e apresentá-la na tela em três cortes: o axial, o sagital e o coronal, que denotam diferentes posições anatômicas, plotadas em três janelas do computador. Uma quarta janela, à medida que é dissecado virtualmente o cérebro, permite a visibilização da sua superfície.

A alimentação computacional da estrutura do cérebro, que inclui o hemisfério esquerdo, o direito e o cerebelo, futuramente será adaptada para as estruturas subcorticais, estendendo-se ao núcleo caudado (localizado nos núcleos da base, com um importante papel no controle motor) e ao hipocampo (estrutura localizada nos lobos temporais, considerada a principal sede da memória). “Nesta pesquisa pretendemos que o processamento ocorra de maneira automática. Apesar disso, reconhecemos que nem sempre podemos contar com tal recurso, já que o processo pode estar sujeito a falhas. Neste caso, a interpretação do médico será indispensável para fazer as correções interativas.”

Miranda ainda descreve que nesta atual fase de desenvolvimento do software, a de simulações, um conjunto de imagens foram adquiridas pelo scanner da FCM, que roda as abordagens da ferramenta em desktops convencionais (computador de mesa). Mas fato é que elas também poderiam ser utilizadas através de cluster (conjunto de computadores que executam um determinado número de tarefas), a fim de obter resultados mais rapidamente. O resultado automático do Bia é comparado com o resultado do gabarito, decorrente da segmentação interativa do especialista, de modo a avaliar a acurácia do processo automático, verificando o quanto se aproxima do resultado do especialista.

Neste caso, o Clouds define para cada objeto uma imagem fuzzy, isto é, uma imagem de pertinência. A diferença deste em relação a outros métodos empregados na literatura, como o atlas (mapa probabilístico), é que a nova abordagem evita o uso de registro não-rígido. Segundo Miranda, o problema do registro é que ele tem de definir uma imagem de referência, gerando um viés em relação à anatomia particular. “Nosso método não precisa disso. A gente simplesmente separa as imagens por grupos de alta similaridade e o ponto forte do método é que ele explora a sinergia entre um modelo e um algoritmo de delineamento, obtendo um resultado mais preciso.” Este método do IC é inédito no mundo e a pesquisa sobre ele trouxe várias contribuições na área, com divulgação em vários periódicos internacionais, como no Journal of Matematical Image Vision (JMIV), publicado em outubro deste ano.

Dissecação
Com a adoção desse modelo matemático do cérebro, o geométrico, é possível fazer uma espécie de dissecação virtual. “Ao estudar o cérebro, é preciso desmembrá-lo’, esclarece Falcão. Ele deve, porém, atuar em conjunto com outro método, já em desenvolvimento no IC, que separa os tecidos. As substâncias cinza e branca do cérebro fazem parte dessas estruturas dissecadas.

Uma vez efetuada a dissecação, a próxima parte inclui uma análise das assimetrias e das medidas extraídas destes tecidos para criar uma base, que poderá ser utilizada depois para fins de novas descobertas. Na vigência de uma enfermidade, na tela do computador é apresentada tanto a imagem de indivíduos normais quanto de indivíduos com alguma patologia cerebral. A ideia é que o sistema consulte a base de dados e descubra quais medidas conseguem discriminar melhor as imagens daquela doença em relação às imagens normais, o que pode ser usado para extrapolação.

A quantidade de dados, tanto de imagens quanto de dados biológicos que poderão ser explorados para esta finalidade, ninguém sabe “quem são” e “quais são”. “Num primeiro momento armazenamos o máximo de informações. As medidas, quando calculadas e transpostas para o sistema, apontarão a probabilidade que aquele indivíduo tem para apresentar determinada doença”. E o sistema automático pode dar este indicativo, sugere Falcão. “Isso poderia auxiliar o diagnóstico e dar suporte ao desenvolvimento de outras pesquisas em Neurologia”, salienta.

No futuro poderão ser incorporados a essa base de dados também a ressonância funcional, outros tipos de modalidade de ressonância e até outras modalidades de baixa resolução como as da medicina nuclear. A proposta é registrar estas informações, que hoje estão disponíveis, e os dados biológicos e de imagem. Isso, num segundo momento, poderá ser usado para efetuar as inferências.

Processo
Todo o sistema é analisado através da tela do computador. Como as imagens já são obtidas na forma digital, já que a ressonância é digital, elas são armazenadas na base de dados do projeto Cinapce. O papel do Bia, reforça Miranda, é ler as imagens, processá-las e criar novas formas de enxergá-las. Em outro trabalho, por exemplo, desenvolvido no ano passado, a visibilização identificou regiões onde havia displasia (anomalia no desenvolvimento de um órgão) cortical no cérebro, para tentar confirmar o diagnóstico antes da cirurgia. Sem ela, seria improvável identificar onde estaria a displasia, porque a forma com que a imagem é adquirida na ressonância não permite enxergá-la com nitidez.
As doenças que poderiam ser contempladas pelo uso desta ferramenta seriam as epilepsias, que são o foco do Cinapce, e outras doenças como o Alzheimer, a esquizofrenia e o Parkinson. “Contudo ainda não sabemos definitivamente quais as patologias que serão detectadas. Esta será uma etapa posterior. Mesmo assim, o que queremos é ir um pouco além, não somente medir o volume cerebral, mas ainda a diferença de forma e textura”, diz Falcão. O grupo de Neuroimagem da Unicamp tem buscado conhecer a origem dessas doenças, quais são as características que levam à ela e saber a sua evolução.

Falcão revela que, se um paciente com epilepsia não responde a um medicamento, então é removida cirurgicamente a região do cérebro que está provocando este distúrbio. Às vezes o procedimento é bem-sucedido e o paciente é curado. Outras vezes não. Por quê? Há como saber anteriormente se a cirurgia será eficaz? Não se sabe ao certo se o software vai prever isso, todavia com certeza fornecerá um fundamental suporte a esta pesquisa. “Particularmente, acredito que uma vez sendo utilizado pelo grupo da Neurologia, a tendência é que ele responda a estas perguntas. Infelizmente, com o procedimento cirúrgico, alguns pacientes passam a ter certas assimetrias, com ganho e perda de massa cinza (presente nos neurônios) ou branca (axônios) em determinadas regiões, fatos que podem estar associados à volta da crise.”

De acordo com Falcão, a confirmação de uma doença pode ser até invasiva porém, quando não se sabe localizar onde está o problema, como realizar a biópsia? O primeiro passo então é a localização e o segundo a biópsia. A pergunta hoje é: uma análise do cérebro através do computador, mesmo não resolvendo o problema, pode indicar probabilidades da existência de alguma doença? Muitos pacientes que se submetem a um exame de rotina não são investigados de forma a detectar o que está acontecendo dentro do seu cérebro. “Como os especialistas não dispõem de softwares tridimensionais, o que os impede de fazer uso de imagens processadas, simplesmente fazem a aquisição das imagens em alguns cortes e os analisam visualmente, imprimindo em filmes para poder respaldar o diagnóstico.”

No caso de displasia, se o médico faz apenas cortes paralelos – os cortes tradicionais da máquina –, ele pode não enxergá-la. O novo método proporciona fazer o corte curvilinear, que acompanha a curvatura do cérebro. Ali são mostradas informações relevantes que podem indicar uma possível displasia. Esses novos processamentos aumentam a sensibilidade diagnóstica, podem alertar para que o atendimento seja mais cuidadoso e também ajudam o pesquisador a entender melhor o cérebro.

 

 

 
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