| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 404 - 11 a 17 de agosto de 2008
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Projeto temático da Fapesp promove ampla
pesquisa
sobre formas recentes de geração de emprego e renda

As novas configurações do trabalho

LUIZ SUGIMOTO

A professora Marcia de Paula Leite, da FE: “Empresas limitaram o foco no seu produto estratégico”  (Fotos: Antoninho Perri)Já está em andamento uma ampla pesquisa sobre as novas configurações trazidas pela atual crise do trabalho no Brasil, com ênfase sobre as formas recentes de precarização como o trabalho autônomo, a domicílio, sem contrato ou por tempo indeterminado. Também será dada especial atenção às cooperativas, em suas duas faces: aquelas em que os trabalhadores são associados por imposição das empresas, como forma de reduzir custos, com a conseqüente precarização do trabalho, e as incentivadas por movimentos sociais como alternativa de geração de trabalho e renda, associando trabalhadores em empreendimentos autogestionários.

O projeto temático Fapesp é coordenado pela professora Marcia de Paula Leite, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, com financiamento aprovado para o período de abril de 2007 a março de 2011. Angela Carneiro Araújo, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e Jacob Lima, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), são outros dois docentes à frente do projeto intitulado A crise no trabalho e as experiências de geração de emprego e renda. As distintas faces do trabalho associado e a questão de gênero.

Segundo Marcia Leite, a crise do trabalho, que atingiu os países centrais a partir dos anos 1970, chegou ao Brasil no início dos 80 e se acentuou nos 90 (veja histórico nesta página). Com a entrada do país no mercado globalizado, todos os setores da economia, notadamente o industrial, promoveram a mesma e profunda reorganização verificada lá fora, em busca de competitividade para conquistar mercado. Essa reorganização golpeou de forma importante o trabalho registrado e por tempo indeterminado.

Trabalhador em cooperativa de reciclagem em Campinas: setor cresceu muito nos últimos anos (Fotos: Antoninho Perri)“As empresas desistiram dos produtos de massa, estandartizados, para oferecer itens diferenciados. Além disso, reduziram o tamanho de suas plantas. Continua havendo concentração de capital, mas elas deixaram de manter uma enorme massa de trabalhadores e de maquinários, que representavam um capital imobilizado, quando o rendimento no setor financeiro é maior. As empresas limitaram o foco no seu produto estratégico, terceirizando todo o restante das atividades”, explica a coordenadora do projeto.

Foi assim, como ilustra a pesquisadora, que a Volks de São Bernardo do Campo reduziu seu quadro de mais de 30 mil para aproximadamente 10 mil trabalhadores. “Isto não significa que esteja produzindo menos. Apenas terceirizou parte importante da produção, ganhando em agilidade e se concentrando no projeto e na montagem do carro. Criou-se, então, uma cadeia de produção, onde as empresas do topo produzem peças fundamentais do processo e as da base fornecem produtos sem conteúdo tecnológico”.

Marcia Leite observa que, ao longo da cadeia, ocorre um processo de precarização do trabalho. O trabalho tende a diminuir nas grandes empresas, que estão no topo da cadeia – onde o empregado é mais bem pago, mais qualificado e mais estável – e a aumentar nas pequenas, onde prolifera a precarização. “Na fábrica de chicotes, por exemplo, que está nos últimos elos do encadeamento, os trabalhadores (geralmente trabalhadoras) são extremamente mal pagos, muitas vezes não têm registro em carteira e chegam a trabalhar em pé oito horas por dia”.

A docente da Unicamp também cita exemplos no setor terciário, como os call centers e fast foods. Em sua opinião, as centrais de atendimento se aproveitam de jovens com formação razoável, como universitários que precisam pagar seus estudos. “Oferecem emprego de seis horas, mas pagando baixíssimo, com grande controle da atividade – o atendente do call center não pode fugir do script, assim como os trabalhadores das cadeias de fast food não podem deixar de seguir a risca o trabalho prescrito”.

Por conta

É no contexto de enxugamento das empresas e de terceirização, em todos os setores da economia, que crescem as formas de trabalho como autônomo, temporário, sem contrato e a domicílio. Entretanto, Marcia Leite atenta para as nuances. “O trabalho autônomo pressupõe que se trata de uma opção do trabalhador, que paga os impostos e a contribuição social. Mas existe o autônomo não-regulamentado, que foi constrangido a trabalhar por conta própria, já que não encontrou outro meio de sobrevivência”.

Entre os autônomos não-regulamentados estão os ambulantes e os trabalhadores com alguma qualificação que oferecem serviços como de eletricista, encanador e pintor. Há os empregados temporários, que entram e saem do mercado formal; concluído o trabalho, voltam à informalidade até surgir nova oportunidade. “Outro tipo de terceirização é o chamado ‘PJ’: o funcionário é levado a abrir sua firma, mas continua trabalhando para a empresa anterior, num assalariamento disfarçado para evitar os direitos trabalhistas”.

Já o trabalho a domicílio, informa a coordenadora da pesquisa, é em grande maioria informal e pouco qualificado, e vem crescendo acentuadamente no ramo de confecção. “Sendo um setor sazonal, a empresa não se interessa em manter um empregado que vai ficar dois ou três meses produzindo pouco. Por isso, ela externaliza grande parte do processo produtivo, mantendo apenas as áreas de design e de corte. Nos domicílios, as mulheres recebem por peça produzida; não havendo encomenda de peças, nada recebem”.

Cooperativas

A professora Marcia Leite afirma que o trabalho cooperativado vem crescendo acentuadamente no país, nas suas duas formas. “Há trabalhadores que são induzidos a formar uma cooperativa, mas voltam a trabalhar na mesma empresa, em outra forma de assalariamento disfarçado e de precarização do trabalho. A outra proposta – vinda de trabalhadores, sindicatos, Igreja, ONGs e outras entidades civis – é da cooperativa autogestionária como alternativa de geração de trabalho, movimento chamado de ‘economia solidária’, que também tem crescido muito”.

Conforme adianta a docente, os pesquisadores estão realizando um levantamento das cooperativas existentes nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Ceará. A partir de um survey que será feito nessas cooperativas, a equipe destacará os perfis mais freqüentes, que merecerão estudos de caso. “Já está claro que o setor de reciclagem, por exemplo, possui uma percentagem significativa de cooperativas. Provavelmente, também aprofundaremos os estudos em associações ligadas ao artesanato e a alguns setores industriais, como de tecelagem e de vestuário”.

Os estudos de caso implicam a análise das características destas cooperativas, dos pontos da cadeia produtiva nos quais elas vêm se difundindo, do caráter de que se revestem e de como se imbricam com as desigualdades de gênero e raça. Para isso, a necessidade de saber quem são esses trabalhadores (idade, raça, sexo, escolaridade, trajetória profissional), suas condições de trabalho e de vida, e suas percepções sobre o trabalho.

Mudanças tiveram início nos anos 1970

A professora Marcia de Paula Leite, ao fazer um histórico sobre a atual crise do trabalho, explica que o termo vem sendo usado por especialistas para identificar a mudança na configuração do mundo do trabalho a partir dos anos 1970 – inicialmente nos países centrais e sobretudo na Europa. Até então, prevalecia um acordo societário entre sindicatos, empresas e Estado que garantia o pleno emprego, o repasse automático da produtividade aos salários e um conjunto de direitos trabalhistas e previdenciários, como férias, seguro-desemprego, aposentadoria etc.

O acordo, que permitia ao trabalhador viver com relativa tranqüilidade, foi tecido nos chamados “anos dourados do capitalismo”, no pós-guerra, um período de crescimento econômico acelerado. Com a Europa e o Japão destruídos, e a disposição dos Estados Unidos de reconstruir o mundo, abriu-se enorme possibilidade de investimento de capital, com mercado garantido para tudo o que as indústrias produziam.

No final dos 60, este quadro começou a se romper. Reconstruída a Europa, veio o acirramento da competição entre as empresas pela conquista de mercado e, nos anos 70, o quadro se agravou com a explosão da crise do petróleo. Esta crise também provocou um rearranjo no sistema financeiro, que passou a liderar a acumulação.

Concomitantemente, ocorriam a rápida substituição da tecnologia de base eletromecânica pela tecnologia microeletrônica, altamente poupadora de mão-de-obra; a expansão de novas formas de organização do trabalho mais afeitas à flexibilidade de produção; e a adoção de novas formas de organização industrial, baseadas no enxugamento e terceirização das empresas. Essas transformações tiveram profundo impacto no trabalho, com o aumento do desemprego e a precarização do trabalho.

Esta busca de saída pelos países capitalistas veio implicar um retorno ao liberalismo – o que se convencionou chamar de neoliberalismo. No grande arranjo anterior, o Estado colocava-se como mediador fundamental nas atividades econômicas e nas relações entre capital e trabalho, o que fez surgir o conceito do Estado do Bem-Estar Social. Já o neoliberalismo renega a intervenção do Estado, atribuindo ao mercado o papel regulador.

Daí, outras mudanças significativas: a privatização de importantes setores da economia antes concentrados nas mãos do Estado; a abertura dos mercados nacionais ao grande capital internacional; o fim das políticas de emprego; o ataque às políticas de proteção aos trabalhadores. É todo este conjunto de transformações que produziu os efeitos devastadores que levaram à atual crise do trabalho.

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