| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 404 - 11 a 17 de agosto de 2008
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Um instante, maestro

LUIZ SUGIMOTO

Os professores José Roberto Zan, Rita Morelli e Rafael dos Santos: embrião de projeto temático (Foto: Antoninho Perri)Músicos e músicas na televisão pioneira”, mais precisamente no período de 1954 a 1969, é o tema de um primeiro projeto que está unindo dois grupos de pesquisa da Unicamp: “Mídia, música e contemporaneidade”, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), e “Música popular, história, produção e linguagens”, do Instituto de Artes (IA). O projeto enviado ao CNPq e à Fapesp é de responsabilidade da professora Rita de Cássia Lahoz Morelli, coordenadora do grupo do IFCH. Entretanto, servirá como embrião de um projeto temático, em parceria com o IA, visando amenizar a escassez de informações sobre produção e consumo de música popular no Brasil.

Rita Morelli, do Departamento de Antropologia, idealizou esta primeira pesquisa inspirada no relatório “Audiência da TV brasileira”, produzido pelo Centro de Pesquisa de Opinião Pública (Cesop), onde ela é pesquisadora. São três volumes contendo dados sistematizados de audiência em São Paulo e no Rio de Janeiro, além da listagem dos programas exibidos desde 1954 até os anos 80, compilados do acervo que o Ibope doou ao Arquivo Edgard Leuenroth (AEL).

“Fiquei encantada com o trabalho do Cesop, que ainda cuidou de classificar os tipos de programas, chamando minha atenção para a enorme quantidade de musicais na televisão pioneira. Percebe-se que havia tanto música erudita como popular, mas a maior parte dos títulos não permite a identificação de gêneros. Um objetivo da nossa pesquisa é justamente de refinar a classificação”, explica a docente.

O maestro Cyro Pereira: arranjos escritos durante os programasRita Morelli justifica a escolha do período de 1954 a 1969 por ser do interregno democrático, do fim do Estado Novo até 1964 e os primeiros anos do regime ditatorial militar. “Como a literatura acusa certo refluxo da intervenção do Estado na área cultural, será interessante investigar o investimento que a televisão fez na música: se a programação era mais erudita ou popular e se surgia uma hierarquia entre os gêneros populares; ou quais identidades – regionais, étnicas, etárias – foram produzidas em torno desses gêneros”.

A professora informa que, além das listagens, o projeto vai recorrer a fontes vivas, como profissionais pioneiros que hoje militam na Associação Pró-TV, criada pela atriz Vida Alves com o propósito de viabilizar o Museu da Televisão Brasileira – cuja inauguração acaba de ser cancelada por desavenças entre as emissoras. “Já obtive os contatos de vários músicos da época, como de George Henri, o primeiro maestro de orquestra de TV, no programa ‘Antarctica no Mundo dos Sons’, que foi ao ar em 1954".

O testemunho dos pioneiros, acrescenta a pesquisadora, será fundamental também para verificar o vínculo trabalhista entre músicos e emissoras. “Poderemos avaliar o impacto da televisão no mercado de trabalho e também em termos de direito autoral. A Sicam [Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais], primeira entidade paulistana, ganhou força com a adesão dos músicos dos festivais da Record. E, em 1978, Elis Regina criou a Assim [Associação de Intérpretes e Músicos]”.

Elis Regina: novo gestual na televisãoAcervo pobre

Foi no final de 2006 que Rita Morelli, carregando os volumes do Cesop, propôs utilizá-los como roteiro de um projeto conjunto a José Roberto Zan, então diretor do IA e que ali criou o grupo de pesquisa em música popular com o professor Rafael dos Santos. “A junção de duas grandes linhas de pesquisa, com a incorporação dos alunos de pós-graduação, vem contribuir para enriquecer um acervo ainda incipiente sobre produção e audição de música brasileira”, afirma Zan.

De fato, causou surpresa à própria Rita Morelli que seus dois livros, apesar do viés antropológico, fossem recomendados aos alunos e frequentemente citados em trabalhos do Departamento de Música. Ela é autora de Indústria fonográfica: um estudo antropológico (Editora da Unicamp, 1991) e de Arrogantes, anônimos, subversivos: interpretando o acordo e a discórdia na tradição autoral brasileira (Mercado de Letras, 2000), frutos de suas pesquisas de mestrado e doutorado.

Segundo José Roberto Zan, ao mesmo tempo em que a abordagem antropológica desperta grande interesse para os pesquisadores da área de música, seu grupo pode retribuir com um item a mais, que é a análise da linguagem musical. “Também estamos preocupados com aspectos rítmicos, melódicos e harmônicos muitas vezes associados com o próprio desenvolvimento da técnica”.

Zan observa que a televisão promoveu uma grande inovação na relação entre produção e linguagem, fazendo com que o intérprete passou a também encenar a canção. “Nos primeiros momentos da TV no país, notamos os cantores estáticos, controlando a distância do microfone, o que era prioridade no rádio. O lado cênico é desenvolvido a partir da década de 60, tendo Elis Regina e Wilson Simonal como precursores”.

Neste trabalho, o professor destaca a atuação do dançarino americano Lennie Dale, que se integrou ao grupo da bossa nova organizando a montagem de musicais. “Ele trouxe sua experiência na Broadway para orientar a postura e a gestualidade dos artistas, que se escondiam atrás do piano e do violão. Depois de Elis e Simonal, veio o gestual da Jovem Guarda e em seguida o tropicalismo, que radicalizou: ‘Divino Maravilhoso’, na Tupi, era teatral”.

Orquestras de TV

As orquestras, por sua vez, levaram habilidades desenvolvidas em função das necessidades no rádio para a televisão. José Roberto Zan lembra que arranjadores da Rádio Nacional iam ao cinema para tirar de ouvido os arranjos de filmes musicais. “Anotavam sobre o joelho e depois montavam as grades para a orquestra tocar. Numa época em que as trilhas sequer chegavam ao mercado, elas iam ao ar pela Nacional logo após o lançamento do filme. Era um sucesso tremendo”.

O professor Rafael dos Santos, que é pianista, observa que o projeto envolvendo os grupos do IFCH e do IA permitirá investigar inúmeros procedimentos musicais das orquestras que nunca foram registrados. “Ciro Pereira, último maestro da famosa Orquestra da Record, conta que arranjos eram escritos no decorrer do próprio programa. De repente, ele tinha de mudar o andamento da orquestra para que se fizesse uma propaganda, entrando depois com uma nova música”.

De acordo com Rafael dos Santos, com a extinção da orquestra que acompanhava os festivais, Ciro Pereira foi obrigado a produzir jingles em estúdios, mas não suportou mais que três anos. “Para ele, era muito frustrante ficar criando pequenas e repetitivas frases musicais. Em suas palavras, foi salvo com a criação da Sinfônica de Campinas e o convite de Benito Juarez para que viesse fazer os arranjos. Ciro, que também foi professor do IA, certamente terá muitas informações a nos oferecer”.

1º seminário trata de arte, cultura e políticas públicas

Outra atividade importante dos grupos de pesquisa “Mídia, música e contemporaneidade”, do IFCH, e “Música Popular, história, produção e linguagens, do IA, será a organização de seminários mensais. O primeiro, “Arte, cultura e políticas públicas”, terá duas mesas-redondas sobre este tema, às 14 horas dos dias 18 e 19 de agosto, no auditório do IFCH. No dia de abertura, às 12h30, serão exibidos os documentários “Microfone, senhora”, “Prelúdio” e “Pulso”.

“Este seminário de agosto traz convidados com experiência suficiente para oferecer avaliações de perspectivas diferentes sobre o impacto da política cultura brasileira, hoje, nas várias modalidades do campo artístico”, informa o professor José Roberto Zan, coordenador do grupo de pesquisa do IA.

Da primeira mesa-redonda participam os professores Antonio Albino Canelas Rubim (UFBA) e Rose Satiko Gitirana Hikigi (USP), e Liliana Rolfsen Petrilli Segnini (Unicamp) como debatedora e Rita de Cássia Lahoz Morelli (Unicamp) como coordenadora. A mesa do dia 19 será formada pelos professores Cassia Navas Alves de Castro (Unicamp) e Célio Roberto Turino de Miranda (MinC), tendo como debatedores os docentes da Unicamp Antonio Augusto Arantes Neto e José Roberto Zan (coordenador).

A professora Rita Morelli observa que a discussão da política cultural torna-se mais interessante com as presenças de Célio Turino e Antonio Arantes, que foram secretários de Cultura de Campinas, e de Albino Rubim, professor da UFBA e presidente do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. “Arantes criou os pontos de cultura na cidade, projeto que Turino ampliou e adotou ao ir para o MinC e que está sendo inclusive exportado. Quanto a Rubim, é autor de um livro bastante adotado em que faz um histórico das políticas públicas para a cultura no Brasil”.

A docente do IFCH ressalta, ainda, o trabalho da professora Liliana Segnini, da Faculdade de Educação, que coordenou um grande projeto de pesquisa sobre as relações de trabalho no campo da cultura, incluindo músicos e bailarinos. Cássia Navas, professora do IA que participa da segunda mesa, é especialista em gestão e políticas da cultura e, entre outras atividades, atua como consultora da Secretaria do Estado da Cultura.

Os três documentários que abrem o seminário são da antropóloga Rose Satiko Hikiji. “Pulso”, de 2006, mostra a violonista Alessandra Raimundo, que por cinco anos foi spalla da orquestra do Projeto Guri. Em “Prelúdio”, de 2003, jovens estudantes de música falam dos sentidos deste aprendizado em suas vidas. E “Microfone, senhora”, também de 2003, traz internos da Febem que, participando da gravação de um CD de rap, apropriam-se do microfone, atuando ora como repórter, ora como entrevistado.

Os próximos

A música na TV é o tema já escolhido para o seminário de setembro, que tem como prováveis participantes Fátima Pacheco Jordão, Fernando Faro e Júlio Medaglia, todos da TV Cultura, que acaba de incluir muitos programas musicais na grade; e, para lembrar os tempos da Record, Adilson Godoy, Solano Ribeiro, Walter Silva e Zuza Homem de Mello.

O encontro de outubro vai tratar de experiências de vanguardas musicais, reunindo compositores como Arrigo Barnabé e Gilberto Mendes. Para novembro, está confirmada a presença do antropólogo americano Anthony Seeger para falar sobre etnomusicologia, acompanhado dos brasileiros Samuel Araujo e Carlos Sandroni; ainda são sondados Ney Lopes e Kabenguele Monanga, estudiosos das culturas musicais africanas.

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