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Mesmo aposentado em 2000, professor emérito e
pioneiro do IB mantém rotina de pesquisador iniciante

A profissão de fé de Benedicto Vidal


MANUEL ALVES FILHO



Benedicto Vidal participa, em 1964, de cerimônia após a obtenção do título de professor livre-docente: carreira brilhante (Fotos: Neldo Cantanti e Arquivo Central)Aos 10 anos, o menino Benedicto gostava de freqüentar o laboratório de prótese do tio, um experiente cirurgião dentista. Sua brincadeira preferida era colecionar insetos, que eram colocados em tubos de vidro descartados pelo parente adulto, após a aplicação de anestesia em seus pacientes. O garoto separava os animais de acordo com o tamanho e as características físicas. Depois, perguntava-se sobre as razões que determinavam as diferenças entre os bichos. A curiosidade demonstrada naquela época marcou toda a vida deste personagem.

Curiosidade marca a trajetória do pesquisador

Hoje, aos 75 anos, Benedicto de Campos Vidal é um renomado cientista. Também é uma autoridade reconhecida internacionalmente na área da Biologia Celular. Mesmo aposentado, continua dando expediente no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Como professor voluntário, segue orientando alunos de pós-graduação e desenvolvendo pesquisas que propõem abordagens originais em suas áreas de atuação. Dos tempos de infância, preserva a vivacidade e o interesse por novas descobertas.

O jovem cientista (esq) recebe microscópio de diplomata alemão: reconhecimento (Fotos: Neldo Cantanti e Arquivo Central)Entrevistar o professor Benedicto Vidal é uma tarefa ao mesmo tempo prazerosa e difícil. Prazerosa, por ser ele um homem inteligente e refinado. Seus argumentos fluem com uma naturalidade espantosa. Fala sobre biologia, odontologia, medicina, filosofia, história e comportamento humano com profundo conhecimento. Difícil, por ser impossível restringir suas considerações a um tema central, com poucas variações. Afinal, trata-se de um homem de idéias. Para além disso, também é um homem de ação. Formando em Odontologia pela Universidade de São Paulo (USP), o cientista dedicou-se, ainda, à bioquímica, patologia e engenharias química e de alimentos, entre outras áreas. Em 1958, foi contratado como docente e ajudou a organizar a Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), que mais tarde seria incorporada à Unicamp.

Na FOP, foi responsável pela organização dos departamentos de Patologia Oral, Periodontia e Endodontia. Em 1969, foi convidado pelo professor Zeferino Vaz para trabalhar na Unicamp, instituição que ainda estava sendo estruturada. Aceitou, mas antes passou dois anos na Alemanha aprofundando seus conhecimentos. “Cheguei de vez a Campinas em 1972. Naquela época, meu laboratório não tinha mais do que 20 metros quadrados. Meus equipamentos se resumiam basicamente a um microscópio comprado pelo Zeferino Vaz e um outro doado por uma instituição alemã. Conduzia minhas pesquisas com boa dose de improvisação”, recorda. No IB, Benedicto Vidal fundou o Departamento de Biologia Celular. Lá, desenvolveu inúmeras investigações, que vão da ciência básica à aplicada. Tem trabalhos importantes sobre colágeno e ordem molecular de biopolímeros, para citar apenas dois exemplos.

Vidal (segundo da esq. para a dir.) com colegas  (Fotos: Neldo Cantanti e Arquivo Central)O docente aposentou-se no ano 2000, ocasião em que recebeu o título de “Professor Emérico” da Unicamp. No discurso de agradecimento, Benedicto Vidal destacou a importância da academia na sociedade. “Aqui está o papel hercúleo, heurístico e sacerdotal da Universidade: pensar e ensinar a pensar”, afirmou. Esta é justamente a profissão de fé do docente. Trabalhando com seus alunos de pós-graduação, ele acaba de propor, em artigo científico, que os feixes de colágenos podem ser considerados nanoestruturas. “Esses feixes são compostos de moléculas que são, na verdade, nanoobjetos. Ou seja, isso está de acordo com o que existe de mais moderno na ciência atualmente”, explica, sem conseguir conter o entusiasmo.

Mas as proposições originais do veterano cientista não param aí. Ele também está convencido de que o tendão de um animal como o galo, por exemplo, pode ser transformado num cristal capaz de conduzir a luz, assim como faz a fibra óptica. “Eu já fiz esse experimento em laboratório. Depois de cristalizar o tendão, é possível fazer com que ele conduza a luz. Espero que novas pesquisas possam comprovar esse tipo de aplicação, que nasce a partir de um material considerado prosaico por muitas pessoas”, afirma. Extremamente respeitado pelos seus pares, Benedicto Vidal continua recebendo convites para participar de eventos científicos e até mesmo de projetos de pesquisa.

O docente da Unicamp em seu laboratório no Instituto de Biologia: entusiasmo por novas descobertas (Fotos: Neldo Cantanti e Arquivo Central)Durante a entrevista, por exemplo, ele recebeu telefonema de um pesquisador da Embrapa de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, pedindo seu auxílio. O interlocutor está montando um centro de estudos em couro e considera a colaboração do docente da Unicamp indispensável. Além disso, em outubro, Benedicto Vidal participará de um congresso no Chile, oportunidade em que ministrará um curso de microscopia de polarização para médicos. “Vou, com muito prazer”, assegura. Mas que não se pense que por ser gentil e fleumático, este pesquisador seja conformado. Ao contrário, aproveitou a conversa com o repórter para se queixar da falta de espaço em seu laboratório. “Do jeito que está, não consigo abrigar mais estudantes interessados em atuar na minha área”, lamentou.

Questionado sobre como ainda encontra disposição para desenvolver tantas atividades, Benedicto Vidal vai logo ao assunto. “Na Espanha, nenhum professor universitário se aposenta antes dos 70 anos. Ainda assim, se quiser, ele continua trabalhando. Venho à Unicamp todos os dias. Chego por volta das 8h30 e vou embora por volta das 17h30. Estou apenas dando o retorno do que a Universidade investiu em mim todos esses anos. E já vou avisando a todos, inclusive aos desafetos: só saio daqui morto!”. Vida longa ao velho menino colecionador de insetos.


‘Uma contribuição de invulgar importância para a ciência’

A vida acadêmica do professor Benedicto de Campos Vidal representa um paradigma de dedicação aos ideais universitários e inclui grande número de realizações nos vários campos de atuação da Universidade. É importante ressaltar sua expressiva produção científica, tanto em termos qualitativos como quantitativos. Reconhecida nacional e internacionalmente, ela se destaca por observações originais e pioneiras sobre, por exemplo, as orientações das proteoglicanas e outras estruturas, através de observações e medidas acuradas de anisotropias ópticas. Também, a atuação do professor Vidal na formação de numerosos profissionais sob sua orientação representa contribuição de invulgar importância para a ciência brasileira em várias áreas como: Patologia, Odontologia, Genética, Cirurgia e engenharias Química e de Alimentos. Merece destaque, além disso, a participação do professor Vidal na formação de várias unidades e núcleos de pesquisas da Unicamp, na qual foi o fundador do Departamento de Biologia Celular do Instituto de Biologia.

Fernando Ferreira Costa, vice-reitor e coordenador geral da Unicamp, em mensagem pelos 75 anos de Benedicto de Campos Vidal

FRASES

“A formação é melhor do que o conhecimento”

“Instrumentos e métodos se integram na personalidade para otimizar um rendimento de vida”

“A conscientização nasce quando se sabe do fenômeno e o evento é incorporado no assim chamado EU”

“A Universidade deve encarnar – e reencarnar – os ideais e os valores, para ser uma Elite e exercer o seu papel de liderança. Elite é, por definição, o melhor”

“É preciso ter honra, ter coragem, ter caráter e ter dignidade. É preciso ser”.

“Só saio daqui morto”

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