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Enxugamento de quadros, terceirização e remuneração
por desempenho pulverizam negociação em atividades coletivas

Estudo mostra tendência
ao 'cada um por si'
no mercado de trabalho

LUIZ SUGIMOTO

Ricardo Uchima: avaliando a evolução da remuneração dos trabalhadores no período de 1998 a 2003 (Foto: Antoninho Perri)O professor José Dari Krein: mudanças exigiram ajustes na composição da base de representação dos sindicatos (Foto: Antoninho Perri)

Desde que se concretizou a privatização do Sistema Telebrás, em 1998, uma empresa do setor de telecomunicações do Estado de São Paulo enxugou seu quadro de 23 mil para 7 mil funcionários, ao mesmo tempo em que houve crescimento da demanda de serviços para cumprimento das metas estabelecidas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e se optou pela contratação de empresas terceirizadas. Essas informações compõem um estudo de Ricardo Uchima, elaborado inicialmente como monografia de conclusão de curso no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, mas que acabou aprofundado para integrar uma ampla pesquisa sobre o impacto das inovações tecnológicas no setor de serviços a partir da década de 1990. O projeto Mercado de trabalho e modernização no setor terciário brasileiro, realizado em conjunto pelo Cesit/IE (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos), conta com financiamento do CNPq.

Pesquisa avalia impacto de tecnologias

“O projeto envolve três linhas de pesquisa. A primeira procura caracterizar o setor terciário, cujos serviços se tornaram ainda mais heterogêneos; a segunda mostra como ficou o mercado de trabalho com as alterações econômicas e tecnológicas ocorridas na década de 1990; e a terceira, coordenada por mim e o professor José Ricardo Gonçalves , trata do impacto das inovações nas relações de emprego, no sindicalismo e na negociação coletiva. O estudo de Ricardo Uchima é emblemático do que estamos verificando de maneira geral no país”, afirma o professor José Dari Krein, do Cesit. A respeito desta tendência nas relações de trabalho, José Ricardo Gonçalves acrescenta: “O setor de telecomunicações é um dos primeiros que se apropriam dos avanços tecnológicos e, por isso, se configura como referência para um conjunto de atividades que logo estarão incorporando as inovações”.

Ricardo Uchima avaliou a evolução da remuneração dos trabalhadores da empresa telefônica, como a perda de rendimento diante da adoção do programa de participação nos lucros e resultados (PLR) em detrimento dos reajustes no salário fixo, o corte de benefícios como adicionais por tempo de serviço e gratificação de férias, a intensificação e ampliação da jornada de trabalho, e o fim do pagamento de horas extras e redefinição do pagamento do sobreaviso por meio da introdução do chamado “banco de horas”. “A terceirização integrou a última parte da transição. Trabalhadores considerados velhos para o mercado acabaram aceitando a transferência para as empresas contratadas, com salários muito inferiores”, informa.

Novo perfil – Segundo Dari Krein, esta pesquisa mostra que o processo de privatização trouxe uma mudança no perfil dos trabalhadores e na relação de emprego no setor de telecomunicações, o que exigiu um ajuste na composição da base de representação dos sindicatos. “Chama a atenção, por exemplo, a queda drástica do número de trabalhadores com mais tempo de empresa, em troca de uma força de trabalho mais jovem e que ganha menos apesar da maior escolaridade. O gráfico [veja nesta pagina] mostra bem esse contraponto: em 1995, 53% dos empregados tinham mais de dez anos de empresa; em 2003, eram apenas 12,3%. É uma renovação absoluta”, observa.

Outro indicador que impressiona, ressaltado pelo professor, é a eliminação de 2/3 dos postos de trabalho, um corte drástico que veio acompanhado da precarização das condições de trabalho, intensificação do ritmo de trabalho e redução do padrão de benefícios e da remuneração. Ao mesmo tempo, cresceu substancialmente a quantidade de terceirizados – empresas que prestam serviços para a empresa-mãe, com condições de trabalho e remuneração ainda mais inferiorizados. “Combinado com tudo isso, registrou-se no período uma grande elevação das tarifas públicas, em função dos contratos para viabilizar o processo de privatização. A tarifa das linhas telefônicas fixas subiu 509% entre 1995 e 2002, muito acima de outros preços administrados, como gasolina (261%) e eletricidade (262%)”, compara.

Para Krein, é clara a tendência de redução real dos benefícios, aumento da insegurança decorrente da maior flexibilidade na forma de contratação e de precariedade na relação de emprego. “O padrão de remuneração, que antes era negociado coletivamente, foi sofrendo grandes alterações. Em lugar da remuneração fixa, a empresa introduziu o programa de participação nos lucros e resultados, que compõe uma remuneração cada vez mais variável e que vai crescendo em importância na remuneração total do trabalhador, ao mesmo tempo em que ocorre uma perda significativa de rendimentos”, afirma. “A remuneração pela PLR não compensou a redução de outros benefícios e da remuneração fixa ao longo desses anos”, endossa Ricardo Uchima.

Jornada – Mais um aspecto evidenciado na pesquisa é a intensificação e aumento da jornada de trabalho, o que também não se limita ao setor de telecomunicações. Uchima lembra que antes havia um padrão: jornada de 8 horas por dia ou 40 horas semanais, numa separação clara entre tempo de trabalho e tempo livre. “O trabalhador sabia exatamente quanto tempo trabalhava a mais e era devidamente pago pelas horas extras: 50% adicionais por hora em dias úteis, 100% por hora aos sábados e domingos. Era lei para todos. A partir de 2000, a empresa introduziu o chamado banco de horas”, conta.

Segundo o professor Dari Krein, o banco de horas praticamente não possui regulamentação e, na prática, permite à empresa organizar a jornada conforme suas necessidades, enquanto o empregado deve compensar as horas adicionais trabalhadas com folgas ao longo do ano, mesmo quando não lhe convier. “Existe um efeito mais perverso, que é o chamado ‘sobreaviso’, quando alguns técnicos ficam à disposição da empresa mesmo quando estão em casa. Com isso, acontecem duas coisas: a intensificação do ritmo de trabalho e a confusão entre tempo livre e tempo de trabalho, que começam a se cruzar”.

Mudanças já atingem outros segmentos

O professor José Ricardo Barbosa Gonçalves: "O mundo do trabalhador está ficando mais fluído, inseguro e precário" (Foto: Antoninho Perri)“A pesquisa de Ricardo Uchima no setor de telecomunicações revela com nitidez as novas tendências das relações de trabalho em tempos de globalização, sob a hegemonia do neoliberalismo e reorganização produtiva. Isso porque essas mudanças aparecem em diversos outros setores econômicos, tais como o sistema financeiro e segmentos do comércio, telemarketing e vigilância”, afirma o professor José Ricardo Gonçalves, do Cesit. Ele se refere às tendências abordadas no texto anterior, sobre a remuneração que tende a ser mais variável e individualizada, com a introdução da PLR e o fim da política salarial; à flexibilização da jornada de trabalho de acordo com a demanda e as necessidades da empresa, procurando eliminar ou diminuir o pagamento de horas extraordinárias; e à adoção de novas formas de contratação, que passa pela introdução de contratos de pessoas jurídicas em funções mais qualificadas e, fundamentalmente, pela subcontratação (terceirização) da grande maioria das atividades do segmento.

Gonçalves observa que a categoria dos telefônicos ficou muito mais heterogênea e segmentada, visto que os trabalhadores estão pulverizados em diversas empresas, com as negociações separadas e descentralizadas. A conseqüência é o menor poder de organização e de mobilização na defesa de melhores condições de trabalho e de vida. “Enfim, a empresa adquire maior poder na determinação das condições de uso e remuneração do trabalho, e o mundo do trabalho do trabalhador fica mais inseguro, fluído e precário em todos os seus aspectos, como em relação à renda, à perspectiva de manter-se no emprego, à jornada, à intensificação do ritmo de trabalho e à representação sindical”, critica o pesquisador.

Em termos de representação, o professor José Dari Krein lembra que os telefônicos, no âmbito nacional, diferentemente do Estado de São Paulo, tinham uma grande tradição de organização, lutas e conquistas. Mas que, depois da privatização, com grande parte da base de representação sindical se localizando nas empresas terceirizadas, o enfraquecimento fica evidente na ausência de mobilizações e greves no período recente. “A pulverização da base está dificultando a criação de uma identidade comum que impulsione a luta do conjunto da categoria na mesma perspectiva. Apesar disso, o sindicato representa tanto os terceirizados como os da empresa principal. Hoje, dos 46 mil existentes no segmento, quase 40 mil são terceirizados”, informa.

Segundo o autor Ricardo Uchima, o sindicato, que antes fazia acordos envolvendo a totalidade da categoria, agora os faz com grupos de quinhentos ou mil empregados. “Os trabalhadores da empresa estudada, em termos de reajustes salariais, perderam para a inflação em todos os anos após o Plano Real”, afirma.

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