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Pesquisa do Hemocentro faz mapeamento genético
dos grupos sangüíneos da população brasileira

Uma questão de
SANGUE

PAULO CÉSAR NASCIMENTO

A bióloga e pesquisadora em imunoematologia Lilian Maria de Castilho: poderoso método de auxílio no processo de identificação de anticorpos (Foto: Antoninho Perri)Pesquisa pioneira do Laboratório de Biologia Molecular do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp (Hemocentro) permitirá pela primeira vez mapear geneticamente os grupos sangüíneos da população brasileira e contribuirá para a constituição, a longo prazo, de um banco nacional de doadores de sangue. Semelhante a um censo demográfico, a identificação dos diferentes tipos de sangue por meio de avançadas técnicas de tipagem por DNA ajudará a desenvolver procedimentos mais seguros para transfusão, a cadastrar portadores de sangues raros e a prevenir doenças hemolíticas em recém-nascidos causadas por incompatibilidade sanguínea dos pais.

Objetivo é construir
banco nacional de doadores

Coordenado pela bióloga e pesquisadora em imunohematologia Lilian Maria de Castilho, o trabalho envolve técnicas de genotipagem em que a caracterização dos diferentes tipos de sangue ocorre a partir da identificação do código genético das células sangüíneas. No sistema convencional de fenotipagem, rotineiramente empregado pelos hemocentros para identificar receptores e doadores, são utilizados procedimentos sorológicos de hemaglutinação que demonstram o produto do gene nas hemácias.

Esse método, contudo, apresenta limitações, explica a especialista: depende da disponibilidade de antisoros raros, o que, associada a outros fatores de ordem técnica, dificulta a sua utilização, tornando-o algumas vezes até mesmo inviável na rotina transfusional. Por exemplo, ainda é difícil fenotipar corretamente um paciente recentemente transfundido devido a presença de hemácias do doador na sua circulação.

“Entre os meios mais seguros para evitar as reações transfusionais em pacientes politransfundidos, como os portadores de talassemia e anemia falciforme, submetidos a transfusões constantes, os procedimentos de genotipagem molecular destacam-se como um valioso complemento dos testes de hemaglutinação e um poderoso método de auxílio no processo de identificação de anticorpos”, afirma Lilian.

Técnicas – Por enquanto, a genotipagem no Hemocamp é realizada por meio de um procedimento manual denominado reação enzimática em cadeia da polimerase (PCR). A técnica amplifica as seqüências de DNA extraídas do sangue ou de secreções do paciente e informa a presença ou a ausência do gene que se deseja identificar.

O método já permitiu genotipar cerca de 500 doadores da região de Campinas cadastrados no serviço de hemoterapia da Unicamp, com a identificação de 15 genes alelos (genes de grupos sangüíneos herdados dos pais). Apesar da eficácia, a metodologia é bastante demorada e trabalhosa, observa a bióloga: a pesquisa de cada gene exige uma reação de PCR, em um processo que dura em média 8 horas.

Recentemente, o Hemocamp iniciou experimentos com uma técnica automatizada que possibilita identificar de forma mais rápida e completa um número aproximadamente três vezes e meia maior de genes.

Na técnica de microarray, ou tecnologia chip, amostras genéticas de sangue ou secreções são rastreadas por microscópicas sondas de DNA contidas em minúsculos sensores dispostos em uma lâmina com diferentes genes de grupos sangüíneos previamente seqüenciados. Um equipamento e um software específicos monitoram o processo e quando os genes procurados nas amostras são localizados os chips emitem um sinal de fluorescência, captado por um sistema de imagem e digitalizado na forma de um resultado para leitura dos pesquisadores.

O sofisticado método fará parte dos processos rotineiros do Hemocamp a partir de novembro – quando chegarão os equipamentos importados necessários aos exames – e permitirá identificar simultaneamente e em uma única reação enzimática os 50 genes alelos com maior importância clínica em problemas transfusional e materno fetal, adianta Lilian.

“A rapidez e a confiabilidade de resultados proporcionados pela tecnologia aumentarão a exatidão da compatibilidade entre doador e receptor, bem como a segurança das transfusões. Também ampliarão significativamente o conhecimento dos grupos sangüíneos da população”, argumenta a imunoematologista.

Os grupos sangüíneos são os que definem o tipo de sangue das pessoas e estão classificados em 29 sistemas. De acordo com Lilian, o Hemocamp consegue caracterizar geneticamente a população para os cinco principais sistemas, que são ABO, RH, Kell, Duffy e Kidd.

“Queremos, contudo, avançar para os outros 24, o que constitui uma tarefa árdua, considerando a origem étnica heterogênea da população brasileira, devido ao intenso processo de miscigenação”, salienta Lilian.

Referência - Laboratórios de dois hospitais paulistas (Albert Einstein e Sírio Libanês) utilizam atualmente a biologia molecular de grupos sangüíneos para casos clínicos de seus pacientes. No campo acadêmico, entretanto, a primazia de pesquisas na área é do Hemocamp, com investigações iniciadas em 1996 e 1997 pela médica Maria de Lourdes Barjas Castro e por Lilian Castilho. Os trabalhos ganharam impulso graças ao estímulo dos professores Fernando Ferreira Costa e Sara Teresinha Olalla Saad e aos inúmeros estudos de pós-graduação em imunohematologia desenvolvidos por alunos da Faculdade de Ciências Médicas (FCM).

O Hemocamp é instituição de referência na América Latina na investigação e tratamento de diversas doenças hematológicas hereditárias e adquiridas. Publicadas em periódicos científicos nacionais e internacionais e premiadas em quatro congressos brasileiros, as pesquisas em imunohematologia já permitiram identificar quatro novos genes sangüíneos na população. Os estudos são financiados pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e contam com a colaboração de outros hemocentros do país e latino-americanos, que enviam ao Hemocamp amostras para genotipagem de doadores.

A atuação do órgão fez com que passasse a integrar recentemente um consórcio internacional formado por três institutos norte-americanos e um canadense para a determinação de grupos sanguíneos das populações das Américas.

Conheça os riscos das
transfusões incompatíveis

O efeito indesejável mais grave diretamente associado às transfusões é aquele que resulta em hemólise (alteração, dissolução ou destruição dos glóbulos vermelhos) do sangue transfundido, devido a anticorpos pré-formados no plasma do receptor. A transfusão de sangue incompatível, que causa reação hemolítica imediata com destruição das hemácias transfundidas, pode levar à morte. Saiba mais sobre o papel dos anticorpos no processo:

- Existem 250 antígenos (partículas ou moléculas capazes de deflagrar a produção de anticorpos específicos) nos glóbulos vermelhos, distribuídos nos 29 sistemas de grupos sanguíneos, de acordo com a Nomenclatura da Sociedade Internacional de Transfusão Sangüínea (ISBT).

- Os antígenos de grupos sanguíneos também desempenham papel importante nas anemias autoimunes e nos transplantes de orgãos, e têm sido utilizados ainda em medicina forense e em investigações antropológicas. A presença ou a ausência de alguns antígenos implicam em susceptibilidade ou resistência a certas doenças.

- Pacientes que recebem transfusão de sangue e componentes sanguíneos podem desenvolver anticorpos para uma centena de antígenos das células e apresentar reações transfusionais hemolíticas meses ou até mesmo anos após as transfusões, com destruição das hemácias, devido a anticorpos não detectados em testes pré-transfusionais.

Tipagem por DNA antecipa diagnóstico

Uma das principais aplicações clínicas da genotipagem molecular de grupos sangüíneos é na identificação de um feto de risco, na Doença Hemolítica Peri-Natal (DHPN). Testes de hemaglutinação dão apenas uma indicação indireta da possibilidade de ocorrência do problema, mas a tipagem sangüínea por DNA permite conhecer antecipadamente e com exatidão o tipo sangüíneo fetal, e possibilita intervenções clínicas preventivas ou para minimizar as conseqüências da doença no recém-nascido.

São os casos de gestantes com sangue RH negativo fecundadas por homens com sangue RH positivo. Se tiver o mesmo tipo sangüíneo do pai, o feto poderá ser prejudicado por anticorpos desenvolvidos pelo organismo materno, capazes até mesmo de atravessar a barreira protetora da placenta. A coleta de líquido amniótico, um procedimento invasivo de alto risco, era até então a única técnica capaz de identificar o tipo sangüíneo fetal antes do parto.

Pelas técnicas biomoleculares é possível obter essa informação apenas coletando o sangue da mãe e tipando o DNA do feto que se encontra livremente na circulação sanguínea materna durante a gravidez. Se o Rh for positivo, a gestante recebe medicação para prevenir a formação do anticorpo. Caso esse mecanismo de defesa já tenha se desenvolvido, a gestação receberá um monitoramento mais cuidadoso para preservar a saúde do bebê.

Um anticorpo produzido pela mãe destrói a hemácia do feto e provoca anemia no recém-nascido. Em casos graves causa a doença cerebral kernicterus, que é irreversível e pode matar a criança.

A troca de todo o sangue do recém-nascido é uma técnica adotada em situações de alto risco de morte, quando a doença hemolítica é identificada apenas no parto. Mas nem sempre é possível salvar a vida do neonato. Para evitar que o problema evolua para um quadro irreversível, uma transfusão intraútero pode ser realizada após a constatação da positividade do RH fetal e de outros exames indicativos do grau de comprometimento do feto.

A incompatibilidade fetal por Rh ainda é considerada comum na gravidez. Estatísticas demonstram que 17% das gestante têm Rh negativo e 25% dos fetos dessas parturientes desenvolvem anemia severa devido ao fenômeno.

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