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Pesquisadores da FEEC desenvolvem a antena
do equipamento, dispositivo fundamental para o seu funcionamento


Parceria com indústria resulta
no primeiro radar brasileiro

LUIZ SUGIMOTO

O professor Hugo Figueroa (em pé, ao centro), João Roberto Moreira Neto (agachado, à esq.) e os pesquisadores: projeto da antena  já teve desdobramentos (Foto: Antoninho Perri)O primeiro radar genuinamente nacional, o Saber M60, feito para proteger o espaço aéreo em um raio de 60 quilômetros e altitude até 5.000 metros, foi testado nos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro e está em uso pelo Exército Brasileiro. Os pesquisadores que desenvolveram a antena, dispositivo complexo e fundamental do radar, são do grupo do professor Hugo Enrique Hernández Figueroa, do Departamento de Microondas e Óptica (DMO) da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC).

O Saber M60 é apenas o primeiro de uma família de radares nacionais. O Exército, também parceiro de desenvolvimento e que busca aumentar sua capacidade operacional, encomendou equipamento semelhante com 200 km de alcance, que exige antena bem maior. Já a empresa fabricante, a Orbisat da Amazônia, também tem planos de produzir radares mais específicos para o controle de tráfego aéreo, com alcance de 450 km e altitude até 14.000 metros.

Apenas 8 países detêm a tecnologia de radares

“É difícil estabelecer uma parceria entre o meio acadêmico e a indústria, mas esta tem sido bastante interessante e produtiva para ambas as partes. Atingimos uma sintonia e uma ressonância em termos de colaboração”, afirma Hugo Figueroa. O professor credita boa parte do sucesso do projeto à formação dos dirigentes da Orbisat, que possuem doutorado e conhecem o ritmo e os entraves na pesquisa acadêmica.

Projeto da antena (Foto: Antoninho Perri)

João Roberto Moreira Neto, sócio-diretor da Orbisat e engenheiro eletrônico pelo ITA, com doutorado pela Universidade Técnica de Munique, informa que a empresa tem sede em Manaus e dois centros de P&D: o de radares em Campinas e o de engenharia de eletrônica de consumo em São José dos Campos. “No final de 2005, diante da possibilidade deste contrato com o Exército, procurei o professor Hugo, que havia orientado um funcionário nosso no mestrado, para desenvolver a antena”.

Segundo João Moreira, pouquíssimas instituições dominam esta tecnologia no país. “Estive em vários centros de pesquisa, consultei indústrias de radiofreqüência e o grupo que me deu mais segurança, com grande vantagem em relação aos demais, foi o da Unicamp. Estamos trabalhando juntos há dois anos, sendo que este primeiro projeto teve desdobramentos, havendo outros em andamento”.

O engenheiro considera um marco o desenvolvimento de um sistema totalmente brasileiro, já que apenas oito países detêm a tecnologia de radares, a maioria na Europa, além dos Estados Unidos. “O mercado no Brasil é promissor. O Exército necessita de 40 unidades do Saber M60 e, considerando as demandas da Marinha e da Aeronáutica, esta quantidade pode dobrar”.

João Moreira revela que o preço deste primeiro radar gira em torno de R$ 3 milhões. O convênio com o DMÓ, via Funcamp, envolve perto de R$ 200 mil por ano. “Há outro grupo da FEEC, liderado pelos professores Rafael Santos Mendes e João Bosco do Val, que cuidou da parte de rastreamento. Isso tornou a parceria economicamente viável, pois não tivemos que investir em laboratórios. A Unicamp foi um agente catalisador do projeto”.

Uma das aplicações do Saber M60 está na proteção do espaço aéreo de baixa altitude, que é mal controlado no país – os grandes radares monitoram o tráfego de aeronaves apenas acima dos 5.000 metros. Assim como foi utilizado no Pan do Rio, o radar pode auxiliar na proteção de chefes de Estado ou em qualquer grande evento que exija medidas adicionais de segurança.

A segunda aplicação está na vigilância das fronteiras, principalmente com a Colômbia, Bolívia e Venezuela. “Os pequenos aviões do narcotráfico voam a baixa altura e não são detectados pelos grandes radares, enquanto os equipamentos para esse tipo de vigilância ficaram obsoletos e a maioria está fora de uso. A extensão das nossas fronteiras é um motivo para que o país incremente esta tecnologia”, observa Moreira.

Tolerância – O professor Hugo Figueroa comemora o bom retorno da parceria em termos de formação de recursos humanos. “Os alunos passam a entender como funciona a empresa, trabalhando sob pressão para o cumprimento de prazos. E a Orbisat, que é dirigida por quem já fez pesquisa acadêmica, teve muita tolerância, interpretando nossas dificuldades iniciais como uma situação temporária. Outra empresa, provavelmente, teria desfeito o contrato”.

De acordo com Figueroa, uma vez identificados os problemas, eles foram superados e o projeto progrediu de forma exponencial. “A tolerância valeu a pena, pois passamos inclusive a inovar. Sabíamos que existiam produtos análogos no mercado, mas melhoramos o desempenho dessas antenas e chegamos a novos modelos. Tanto que já existe uma patente e vamos depositar outra”.

O professor acrescenta que o projeto da Orbisat já envolve grupos de pesquisa de outras instituições, como na fabricação de filtros com o uso de materiais desenvolvidos pelo grupo do professor Sérgio Sombra, da Universidade Federal do Ceará. “São cerâmicas de alta permissividade e baixas perdas que permitem a miniaturização de alguns dispositivos, além de serem materiais extremamente estratégicos em termos comerciais e com várias vantagens tecnológicas”.

Salvação – O engenheiro João Moreira afirma que filtros produzidos com esta cerâmica representam uma solução de vida ou morte para a empresa. “Nós compramos filtros dos Estados Unidos, mas eles proíbem sua utilização para fins de defesa. Concordaram em nos fornecer para fins experimentais, mas deverão suspender a autorização para exportação no futuro próximo, quando nossos radares forem produzidos em escala”.

A cerâmica do Ceará, acrescenta Moreira, apresenta uma perda de 15% a 20% no sinal, quando na americana ela chega a 50%, o que implica diretamente na potência do transmissor. “Vamos conseguir um filtro leve, muito melhor e duas ordens de grandeza mais barato: a caixa de filtros importados custa 30 mil reais e podemos obtê-la por 300 ou 400 reais”.

O professor Hugo Figueroa adianta que o seu departamento e a Orbisat mantêm conversações para que a parceria se estenda à divisão de engenharia de eletrônica de consumo. “Podemos encontrar soluções nacionais também para este setor”.

Professor aposta em empresas locais e incentiva alunos a ingressar na área

O grupo de pesquisa do professor Hugo Figueroa é um dos maiores da FEEC, com mais de vinte alunos de pós-graduação. Doze deles estão envolvidos no projeto da Orbisat e alguns já foram ou serão contratatados pela empresa. “Temos outros projetos com a iniciativa privada e também participamos ativamente de um centro de excelência em pesquisa com aplicações em fotônica, o CePOF, financiado pela Fapesp”.

O docente considera que a formação de recursos humanos precisa estar fortemente vinculada à indústria e, nos últimos anos, vem se empenhando em parcerias com empresas nacionais. “Essas empresas, quando buscam a universidade, estão realmente interessadas na inovação, que para elas é uma questão de sobrevivência. Já as multinacionais, que mantêm seus centros de P&D distantes, não dependem do resultado dos investimentos em tecnologia que fazem aqui”.

Na opinião de Figueroa, um aluno do projeto Orbisat vai tirar bom proveito desta experiência no futuro, já que estará capacitado a fazer pesquisa e inovação, conhecendo a realidade e o caminho das pedras. “Quando desvinculamos o aluno da realidade nacional, criamos o pesquisador dependente, que nada faz sem obter uma bolsa. Ou, então, o doutor com a visão deformada de que só é possível produzir tecnologia no primeiro mundo”.

Figueroa atenta que as oportunidades no Brasil são inúmeras, especialmente na área de microondas e óptica/fotônica, que foi abandonado na década de 1990 e sofre com a grande carência de profissionais. “Um dos fatores do abandono foi a concentração do desenvolvimento de produtos (hardware) nas multinacionais. Como nos restou praticamente o software, as escolas priorizaram a formação de engenheiros nesta especialidade”.

A mudança de cenário, segundo o professor, deve-se ao próprio desenvolvimento tecnológico, com a sofisticação dos produtos. “Os testes com um telefone celular, por exemplo, hoje exigem um conhecimento avançado e a contratação de engenheiros para realizá-los, quando antes poderiam ser feitos por um técnico”.

O crescimento da comunicação sem fio (wireless) também cria oportunidades para o desenvolvimento de dispositivos no país. “São dispositivos que possuem muito conhecimento embutido, mas cuja fabricação não é tão complexa. Trata-se de investir mais neste conhecimento, pois está nele o valor agregado. Deixamos de faturar alguns bilhões de dólares, até por falta de formação de recursos humanos”.

O conhecimento básico do setor de microondas e óptica/fotônica é o eletromagnetismo, que demanda muita matemática e física, o que pode ser um fator desestimulador para muitos alunos da FEEC. Ainda assim, o professor Hugo Figueroa procura atraí-los, chamando atenção para a vastidão do mercado. “Há oportunidades inclusive de empreendedorismo, como a exploração das aplicações em radares, comunicações sem fio, sensores etc. Os jovens podem fazer uma bela engenharia incursionando nessas áreas”.

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