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Demógrafa apresenta pesquisa que se diferencia
por reunir depoimentos de casais de baixa renda


O homem recasado frente ao dilema
de ter mais filhos com a nova mulher

LUIZ SUGIMOTO

A antropóloga e demógrafa Glaucia dos Santos Marcondes, autora da tese de doutorado: “demografia sem números”  (Foto: Antoninho Perri)Dez homens descasados, recasados, idades entre 38 e 47 anos, pelo menos dois filhos com a primeira mulher e um dilema: ter ou não ter mais filhos com a nova companheira? Como se dá esta negociação? Quem coloca a questão é uma pesquisadora que há dez anos estuda a família e os vínculos parentais, e numa perspectiva incomum, que é a dos homens. Mais original ainda quando se trata da história de vida de homens de baixa renda, o que não costuma interessar à mídia.

Estudo reconstitui trajetória familiar

A antropóloga e demógrafa Glaucia dos Santos Marcondes, que tem toda a sua formação na Unicamp, já havia abordado em seu mestrado o vínculo dos homens de classe média com os filhos depois da separação e quando se casam novamente. “O fato de encontrar tantos recasados inspirou o projeto de doutorado, pois percebi o conflito entre o desejo do homem que já tinha filhos e o da segunda esposa, que era solteira ou desejava outros”.

Refazendo famílias: trajetórias familiares de homens recasados é o título da tese apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), sob orientação da professora Maria Coleta Ferreira Albino de Oliveira. “Trata-se de uma pesquisa robusta, competente e extremamente criativa. Como disse um membro da banca, Glaucia Marcondes faz demografia sem números”, afirma a orientadora.

Esta tese foi desenvolvida no âmbito do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, onde a professora Maria Coleta vem recompondo o grupo de pesquisa sobre família, gênero e demografia. No ano passado, outra de suas orientadas, a uruguaia Wanda Maria Cabella, recebeu o Prêmio Capes de Teses tratando de separações e recasamentos no Uruguai, primeiro país a legalizar o divórcio na América Latina.

Glaucia Marcondes optou pela pesquisa qualitativa, por meio de depoimentos, devido à escassez de números sobre a reorganização familiar no Brasil. “Sabemos que os casamentos estão durando menos tempo e que a taxa de separações e divórcios aumentou. Mas as bases de dados nacionais não permitem informar sobre quantas famílias são reconstituídas pela nova união desses homens e mulheres”.

A partir dos dados do Registro Civil, a autora chegou a estimativas como as existentes para o Estado de São Paulo, que em 1984 registrava 51,9 divórcios para cada 1.000 casamentos; em 2006 foram 241,4 por 1.000. “A taxa de divórcios no Brasil não é tão alta como nos Estados Unidos, mas tem crescido gradativamente”.

A pesquisadora atenta para a defasagem dos números, já que muitos casais oficializam a separação apenas quando é absolutamente necessário, como em processos para divisão de bens ou quando o parceiro quer se casar de novo. “Hoje, com a implantação da lei do divórcio nos cartórios, talvez o processo seja barateado, permitindo uma vazão da demanda reprimida e oferecendo índices mais reais”.

Segundo Glaucia Marcondes, em 1984, cerca de 4% dos registros de casamento envolviam homens e mulheres divorciados. No último levantamento de 2006, esta proporção foi de 15%. “Vemos que o número de recasamentos também cresce, mas é impossível mensurar as separações e uniões daqueles que vivem em união consensual, sem oficializá-la”.

Trajetórias – A demógrafa escolheu dez casais – as mulheres também foram ouvidas – da região do São Marcos e Santa Mônica, uma das mais pobres de Campinas. Os homens estavam na segunda ou terceira união. Todos tiveram filhos no primeiro casamento – geralmente dois – e também com as novas companheiras. Entre as atuais companheiras desses homens, seis estavam na segunda união e quatro, na primeira.

A pesquisadora realizou entrevistas aprofundadas, captando a trajetória de vida familiar do indivíduo desde o namoro, o primeiro casamento e o nascimento dos filhos, até a separação, o recasamento e a decisão de ter outros filhos. “Não se trata apenas do relato de experiências anteriores, mas de avaliar o papel de cada um quando se organiza uma família com pais e padrastos, mães e madrastas, filhos e enteados”.

Glaucia Marcondes informa que existem poucos estudos sobre este tipo de arranjo dentro das famílias de classes populares, fazendo parecer que o problema está circunscrito à classe média. “A escolha deste grupo trouxe ricas informações sobre trajetórias de vida e a construção de vínculos com parentes, vizinhos e amigos”.

De acordo com a autora, os casais contam sempre com uma rede de apoio para cuidar das crianças e para o enfrentamento de dificuldades financeiras. “O desemprego principalmente do pai, provedor da família, causa uma série de conflitos e, em vários casos, acabou levando à separação no primeiro casamento”.

Neste grupo de recasados, todos os homens estavam em empregos estáveis – três autônomos e sete com carteira assinada –, sendo que as mulheres também trabalham. “A estabilidade financeira e a maior maturidade foram os fatores enaltecidos para uma vida familiar mais estável e de melhor qualidade, em comparação com o primeiro casamento”.

Negociação – Embora alguns entrevistados afirmem que “hoje em dia não dá para ter um monte de filhos”, a questão financeira não é diretamente associada à decisão de aumentar a prole na nova união, na opinião de Glaucia Marcondes. “A negociação gira mais em torno de um número considerado ‘ideal’: três filhos, contando os anteriores. Todas as mulheres que chegaram ao terceiro filho fizeram laqueadura, é automático”.

Para a demógrafa, o grupo tem claro que o casamento envolve um filho. “A concepção é de que a criança une o casal e formaliza a família. Portanto, gerar um filho com a nova parceira é natural. Mas vi três casos de negociação mais complicada, com homens que já possuem filhos e se casaram com mulheres solteiras que querem ter os seus dois”.

Um caso sintomático mencionado pela pesquisadora é de um senhor que queria apenas dois filhos no primeiro casamento e acabou vindo o terceiro. Teve o quarto numa relação casual, que reconheceu mediante teste de DNA. Recasado, aceitou um filho com a segunda mulher, que insiste em outro. “Ele já parece conformado em ser pai pela sexta vez”.

Os papéis – Quando entrevistou homens recasados da classe média para o mestrado, Glaucia Marcondes percebeu a preocupação em manter fortes os vínculos com os filhos do primeiro casamento, continuando a cuidar deles. “No grupo atual, a maioria cortou relações com a mulher e os filhos da união anterior. Eles se preocupam mais com quem mora na casa e tendem a transferir para enteados os cuidados que tinham com os filhos”.

Segundo a autora, esta decisão, sim, tem a ver com a questão financeira. A maior parte desses homens não paga pensão e mantém alguma ajuda, como uma cesta básica, no primeiro ano de separação ou até arranjar outra esposa. “Recasado, ele não pode mais ajudar aquela que ‘já foi sua mulher’. Além disso, concentrar recursos no novo núcleo familiar e manter distância da primeira mulher é a melhor maneira de evitar outra separação”.

As exceções, conforme a pesquisadora, são os recasados que continuaram morando perto de seus filhos, que freqüentam os mesmos espaços dos filhos do segundo casamento. “São casos em que inclusive se aumenta a rede de parentesco, com a inclusão dos meio-irmãos”.

A pressa de conseguir outra companheira

Impressionou a demógrafa Glaucia Marcondes a rapidez com que os homens descasados de classe baixa amarram-se a outra mulher, em comparação aos de classe média, que demoram a assumir uma segunda união. “Um componente importante no grupo que estudei é a imagem de homem que predomina em seu círculo social. Homem de valor é o trabalhador que tem mulher e filhos para cuidar”.

Homem separado, por sua vez, é aquele que está solto na vida, sem responsabilidades, de volta ao futebol, sendo encontrado mais comumente no bar, que é seu espaço social. “A solidão masculina na separação foi algo que afetou profundamente os meus entrevistados. Sem os cuidados de cama, mesa e banho, excluídos dos churrascos familiares e sem o reconhecimento social, sentiam-se largados no mundo”.

Segundo a pesquisadora, esses homens preferem a vida em família, mesmo diante de todos os conflitos, e por isso partem logo em busca de uma nova companheira. “Geralmente, ela é apresentada por pessoas da própria família ou da vizinhança, o que cria um laço de segurança, pois quem indica conhece os antecedentes da moça e sabe se o casal combina. Eles encontraram outras parceiras no prazo de um a dois anos”.

Os homens classificam as mulheres entre aquelas “para casar” – candidatas a boa mãe e boa companheira – e as outras “para curtir”. O que leva a demógrafa de volta ao senhor do teste de DNA, que rejeita este filho, embora ele seja biológico como os outros quatro. “Na sua concepção, filho é aquele nascido da mãe com a qual ele quis se unir para constituir família”.

Glaucia Marcondes afirma que, nas mulheres, as perspectivas em relação ao segundo casamento são diferentes. “Elas escolhem o companheiro sempre pensando no bem-estar dos filhos – se ele não vai rejeitá-los ou maltratá-los. Também vão se assegurar de que seja trabalhador e que não fique perambulando pelos bares, experiências pelas quais já passaram. ‘Antes só do que mal acompanhada’, é o que dizem”.

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