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SMA contempla recomendações e adota mapa
feitos por cientistas que integram projeto da Fapesp


Biota gera lei que estabelece critérios para desmatamento de vegetação nativa

MANUEL ALVES FILHO

Cientistas durante coleta de dados na Mata Atlântica (Foto: Divulgação/ Antoninho Perri)No último dia 14 de março, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA) baixou resolução estabelecendo novos critérios para a concessão de autorização para o desmatamento de vegetação nativa no âmbito do Estado. O advento da legislação, por si só, já seria uma excelente notícia do ponto de vista ambiental. Entretanto, ela traz outro dado igualmente auspicioso, este para o campo da ciência. É que o documento foi elaborado com base nos estudos desenvolvidos pelo Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo, mais conhecido como Biota, iniciativa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Ver o nosso esforço transformado em instrumento legal é altamente gratificante”, afirma o principal mentor do programa, o professor Carlos Alfredo Joly, chefe do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

Dados foram apresentados à Secretaria em outubro de 2007

De acordo com Joly, a resolução da SMA contemplou quase que integralmente as recomendações feitas pelos estudos do Biota. Tanto é assim, que a legislação adotou como norteador das novas normas o mapa denominado Áreas Prioritárias, gerado pelos pesquisadores para orientar o incremento de zonas de conectividade e criação de unidades de conservação. Dito de maneira simplificada, o mapa revela os pontos mais importantes para a execução de medidas que permitam não apenas preservar a vegetação nativa remanescente, mas também recuperar trechos já desmatados, de modo a fazer a conexão entre áreas fragmentadas, ampliando conseqüentemente a mancha verde no Estado. “De modo geral, eu diria que se trata de um instrumento legal bastante restritivo, que veio para contribuir com a conservação da biodiversidade do Estado”, analisa o docente do IB.

mapa da biodiversidade paulista

Joly revela que a comunidade científica ficou gratamente surpresa com a rapidez com que as propostas foram incorporadas pela SMA. A rigor, explica, os dados foram totalmente refinados e apresentados à Secretaria em outubro de 2007. “Transformar um esforço de pesquisa em legislação, sobretudo nesse espaço de tempo, é algo muito raro”, acrescenta. Conforme a resolução da SMA, para que seja concedida autorização de desmatamento em área de floresta considerada prioritária para a biodiversidade, o solicitante precisa assumir o compromisso de recompor outra que tenha o mesmo valor ambiental e que seja de duas a seis vezes maior do que a que pretende desmatar.

Outra exigência imposta pela resolução, expressa no artigo 2º, estabelece que “para solicitação de supressão de vegetação nativa dentro dos limites de áreas demarcadas como prioritárias para incremento da conectividade, no mapa Projeto Biota-Fapesp, deverá ser apresentado pelo solicitante estudo de fauna e flora, independente do estágio de regeneração em que se encontrar a vegetação a ser suprimida”. O artigo 3º, por seu turno, determina que “Respeitadas as limitações legais, a supressão de vegetação nativa ou sua exploração nestas áreas é passível de autorização desde que: I) A vegetação comprovadamente não abrigue espécies da fauna e flora silvestres ameaçadas de extinção, assim declaradas pela União ou pelos estados, e a intervenção solicitada não ponha em risco a sobrevivência destas espécies; II) Inexista alternativa técnica e locacional à obra ou empreendimento proposto”.

De acordo com Joly, o Biota já nasceu com a proposta de gerar informações científicas que pudessem embasar políticas públicas na área ambiental. “Felizmente, isso está ocorrendo na prática. Nossa expectativa é que não apenas São Paulo, mas outros estados, que também estão implantando seus projetos Biota, possam replicar esse tipo de experiência”. Atualmente, completa o docente do IB, São Paulo conserva apenas 13% da sua cobertura verde original, sendo que somente 5% são representados pela vegetação primária.

Professor Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia: embasando políticas públicas (Foto: Antoninho Perri)

Bioprospecção – Um aspecto igualmente importante no âmbito do Biota é o segmento de bioprospecção, que está sob o comando da professora Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química da Unesp de Araraquara. O trabalho coordenado por ela consiste em tentar identificar moléculas de plantas e animais que tenham potencial para ser transformadas em produtos comerciais, como fármacos e cosméticos. Esse esforço procura cobrir todas as etapas da pesquisa científica. As atividades compreendem desde a caracterização do material biológico até a síntese de substâncias em laboratório. Os dados a respeito desses estudos são evidentemente sigilosos, pois envolvem a preservação da propriedade intelectual. “O que posso dizer é que temos vários projetos em andamento nessa área de bioprospecção. Alguns são promissores, mas ainda não é possível afirmar se um ou outro gerará algum produto. Sobre esse tipo de atividade, eu gosto de plagiar uma explicação bem-humorada da professora Vanderlan. Ela diz que fazer bioprospecção é como beijar sapos: em algum momento, um deles se transformará em príncipe”, conta, entre risos, o professor Joly.

Na opinião do docente do IB, depois de acumular uma massa imensa de dados e gerar valiosos conhecimentos acerca da biodiversidade paulista, o Biota chegou a uma fase de transição. De acordo com ele, os participantes do programa devem se voltar agora para o refinamento das ferramentas e das informações. “Penso que chegou o momento de termos dados mais sofisticados. Não adianta apenas saber que uma determinada espécie de planta, por exemplo, ocorre num dado lugar. Também precisamos saber se essa mesma espécie está florescendo e frutificando”, argumenta. Outro avanço, prossegue Joly, diz respeito ao uso do que é conhecido popularmente como código de barras genético. Ou seja, passar a identificar os organismos por meio de uma parte específica do seu DNA, o que resolveria alguns problemas taxonômicos. “A biologia molecular se desenvolveu muito, e agora precisamos usar isso. Fizemos genomas de várias espécies, mas não fizemos até agora o genoma de uma só planta nativa. Precisamos trazer essa área para dentro do Biota”, considera.

Além disso, defende o cientista, os integrantes do programa também devem voltar suas atenções para os acontecimentos do passado remoto, algo como 10, 30, 100 mil anos atrás. Um dos desafios é tentar descobrir como era e como se distribuía a vegetação paulista naquela época. “Atualmente, com os recursos da paleopalinologia, isso é perfeitamente possível. Ao conhecermos o que ocorreu no passado, quando o planeta passou por diversas variações climáticas, nós teremos elementos para projetar o futuro. Embora a realidade atual seja outra, penso que essas pistas são importantes para a continuidade das nossas pesquisas”. Joly destaca que todo o esforço científico já realizado e o que está por vir, dado que o Biota está previsto para durar mais sete anos, deve-se fundamentalmente ao financiamento da Fapesp. “Graças ao apoio da agência, cuja atividade independe das mudanças de governos e governantes, os recursos têm sido suficientes para dar seguimento a um trabalho dessa envergadura”. Em apenas oito anos, o Biota somou 75 projetos de pesquisas, 500 artigos publicados em revistas indexadas, 150 mestrados e 90 doutorados.

Gênese – A idéia de criar um programa de pesquisa, caracterização, conservação e uso sustentável da biodiversidade paulista começou a tomar forma no final de 1994. Na época, graças ao envolvimento da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA), foi desenvolvida uma série de projetos transversais, que culminou com a utilização de estudos científicos para a formulação de legislações na área ambiental. Entretanto, alguns pesquisadores, entre eles o professor Carlos Alfredo Joly, sentiam a necessidade de ampliar a ação e envolver um número maior de cientistas na empreitada. À época membro da Coordenação de Ciências Biológicas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Joly resolveu levar a proposta à apreciação dos seus pares.

Naquele instante, lembra o docente do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, a intenção já era produzir pesquisas que tivessem valor científico, mas que também pudessem contribuir para a definição de medidas de conservação da biodiversidade. Depois de várias discussões e de consultas à comunidade científica, foi constituído um grupo responsável pela formatação do projeto que mais tarde seria formalmente apresentado ao Conselho Superior da Fapesp. Em 1997, após workshop realizado na cidade paulista de Serra Negra, finalmente nasceu a estrutura do que viria a ser o Biota. Por orientação do então diretor científico da agência de fomento, José Fernando Perez, o programa foi estruturado de modo a integrar projetos temáticos. “De início, formulamos 18 propostas. Ao final de 1998, os primeiros projetos começaram a ser aprovados. Em fevereiro de 1999, nós já tínhamos sete projetos aprovados. Em março, o Biota estava oficialmente criado”, lembra Joly.

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