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Geógrafo mostra os riscos de morar na
metrópole mapeando o espaço de vida de entrevistados


A casa urbana está
deixando
de ser
símbolo de proteção

LUIZ SUGIMOTO

O geógrafo Eduardo José Marandola Júnior, autor da tese de doutorado: a violência é o perigo mais presente no urbano contemporâneo (Foto: Antoninho Perri)Ao longo do tempo, a casa tem sido um símbolo de proteção construído sobre as idéias liberais da modernidade: individualidade, igualdade e liberdade. É ela que possibilita o resguardo dos bens e garante a intimidade. Não admitimos que seja violada. Mas, mesmo antes disso, ela expressa a ligação do homem com a Terra no seu sentido mais primitivo, remontando ao útero e ao pertencimento telúrico, e por isso se refere diretamente à proteção e à segurança.

Autor fez entrevistas
e mapeou itinerários

No entanto, o geógrafo Eduardo José Marandola Jr., em tese de doutorado defendida no Instituto de Geociências, mostra que a casa na metrópole contemporânea já não oferece toda a segurança e está se tornando, tanto quanto outros lugares, um lugar de risco. A tese Habitar em risco – Mobilidade e vulnerabilidade na experiência metropolitana, orientada pelo professor Daniel Joseph Hogan, foi desenvolvida no âmbito do Projeto Vulnerabilidade, no Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp.

“Trato dos riscos provenientes do habitar urbano nos tempos atuais, quando a incerteza e a insegurança refletem em todas as facetas da vida social, inclusive na forma de a pessoa se relacionar com a cidade”, afirma o autor.

Marandola Jr. realizou entrevistas biográficas e mapeou o espaço de vida (lugares e itinerários) de moradores da microrregião noroeste da Região Metropolitana de Campinas (RMC), composta por Americana, Santa Bárbara D’Oeste, Nova Odessa e Sumaré. “Hoje a vida cotidiana é organizada por deslocamentos cada vez mais intensos para trabalhar, estudar, fazer compras e uma série de outros motivos”.

É este aumento da mobilidade, segundo o geógrafo, que vem fazendo com que fiquemos menos tempo dentro de casa, afetando as relações de vizinhança e a identidade comunitária. “Com isso, os laços de proteção ficam fragilizados e estar em casa não é mais estar sempre seguro. Vemos um espaço de vida esgarçado, com os recursos para proteção dispersos no espaço metropolitano. O convívio de bairro, aquele da padaria, do passeio no fim de tarde, é cada vez mais raro e produz conseqüências para a segurança das pessoas”.

Na primeira parte do trabalho, o pesquisador promove uma discussão teórica sobre os riscos contemporâneos, como os ambientais (estiagem, enchentes), os tecnológicos (contaminação do solo e dos alimentos, poluição) e os sociais (violência, fome, epidemias). “Cada especialista tende a ressaltar os riscos na sua área, mas todos possuem uma liga comum, que é a questão da incerteza e da insegurança”.

Nesse sentido, o autor considera a vulnerabilidade como um conceito-chave, pois contribui para colocar em perspectiva os vários fenômenos que tornam a vida incerta e insegura. Esse conceito, entendido a partir da fenomenologia, permite pensar os riscos contemporâneos de uma perspectiva integrada, levando-se em conta os diferentes fatores que produzem perigos e que permitem lugares, pessoas, grupos demográficos ou cidades proteger-se.

Espaço de vida – Eduardo Marandola Jr. focou a microrregião noroeste da RMC por causa da densidade da conurbação, das trocas diárias e da própria contigüidade dos espaços de vida entre os municípios. “Apesar das singularidades e da centralidade de Americana, as quatro cidades funcionam como um organismo urbano único. Por exemplo: todas elas são consideradas como alternativas por quem precisa alugar um imóvel; morar em Santa Bárbara e trabalhar em Americana não significa transtorno”.

O geógrafo explica que, no censo demográfico, o dado coletado é apenas o do movimento pendular da casa para o trabalho ou para estudo. Porém, quando se analisa o espaço de vida das pessoas, como elas organizam seu dia-a-dia, vê-se que a multiplicidade das conexões e interações espaciais entre os municípios é muito maior.

Na opinião do autor, o fato de se morar numa cidade, mas tendo como referência também o seu entorno, é uma característica bastante metropolitana. “Santa Bárbara talvez seja o município com menos serviços, mas uma entrevistada acha que mora na melhor região do país, onde se tem tudo ao alcance. A mobilidade para as outras cidades é encarada como grande diferencial”.

O pesquisador reuniu uma dezena de entrevistas (embora tenha feito mais) com histórias migratórias e de vida. Por meio de questões referentes a lugares do passado, residência atual, local de trabalho, pontos de lazer e de compras, endereços de parentes, ele traçou mapas dos territórios onde as pessoas se sentem seguras. “Este espaço de normalidade é geralmente ao redor da casa. Ali, mesmo havendo um traficante, ele conhece e não perturba o morador”.

Marandola Jr. observou que o espaço de vida é restrito para quem vem de fora e grande para quem reside há muito tempo na região. “Um entrevistado nascido e criado em Americana é o exemplo de quem está integrado à região. Ele trabalha em Artur Nogueira, freqüenta bares em Holambra, Itatiba e Vinhedo, vai a Campinas para trabalho, serviços médicos e compras em geral, e ainda tinha uma namorada em Indaiatuba”.

O ciclo vital, acrescenta o autor, também influencia na constituição deste território: na infância, ele é bastante limitado, já que a criança sai apenas com os pais; na juventude, quando o indivíduo passa a escolher seus lugares por si, o espaço se amplia; na idade adulta, chega-se ao ápice, com o trabalho, a casa dos filhos, dos parentes; e, na velhice, vem a retração, por dificuldade de mobilidade, por cansaço, morte de amigos etc.

Conduta – A forma de se relacionar com as pessoas e os lugares, assim como os mecanismos utilizados para lidar com a vulnerabilidade, são muito diferentes entre um migrante e um morador antigo da região. “O habitante local prefere continuar freqüentando o mercadinho do lugar, pois confia no dono. Já o migrante não reluta em se deslocar até um shopping de Campinas, que possui uma linguagem visual e de convívio com a qual é mais afeito. Nos dois casos, vemos mecanismos de proteção”.

O pesquisador atenta que as pessoas da região não tendem a morar em Campinas, ao contrário do que acontece na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, cuja sede sempre exerceu forte atração migratória. “A migração para Campinas, mais recente, é muito mais externa à região. A pessoa não precisa deixar de morar em Americana, onde teceu sua rede social, para trabalhar ou estudar na sede”.

Os processos de mobilidade e de organização da metrópole, na opinião de Eduardo Marandola Jr., são muito mais complexos em regiões pós-70 como a de Campinas. De um lado, existem municípios em que a elite ainda controla a expansão. “Jaguariúna permanece com menos de 40 mil habitantes, graças à existência de um pedágio, que a prefeitura faz questão de manter como forma de regular o nível social de quem vai morar ou trabalhar na cidade”.

Outras cidades, porém, sofreram grandes acréscimos populacionais, como a própria Campinas, que tinha 375 mil habitantes em 1970 e hoje possui 1 milhão. “Também em 1970, bem antes da emancipação de Hortolândia, a população de Sumaré era de 23 mil pessoas; hoje, os dois municípios somam 420 mil. Os migrantes ainda estão se estabelecendo e dando a cara da região. O processo de metropolização não está completo, está em curso”.

Paisagens de defesa

O geógrafo Eduardo Marandola Jr. enxerga a violência como o perigo mais presente no urbano contemporâneo, fazendo da busca por segurança uma obsessão para os moradores das metrópoles. “As chamadas paisagens de defesa (landscapes of defense), a princípio criadas em áreas de refugiados, limites entre estados em guerra e outras situações extremas, tornaram-se constantes nas cidades”.

Se escolher onde morar já implica equacionar infra-estrutura do bairro, local de trabalho, escola dos filhos e casas de parentes, a violência torna este momento ainda mais crucial. “Na verdade, é o rico que tem menos opções. Se ele for morar em um bairro periférico, sua insegurança vai chegar a níveis muito mais elevados que do humilde morador do lado”.

O autor da tese observa que a excessiva busca por segurança nos condomínios horizontais ou verticais, que têm aumentado seus mecanismos de segurança com implantação de gaiolas e câmeras por todos os lados, representa um paradoxo, em que a busca por segurança gera mais insegurança. “O rico está indo para condomínios distantes dos bairros centrais, optando por mover-se muito, até para comprar pão. Caso seja assaltado dentro do condomínio, que julga inviolável, não terá mais como se sentir seguro”.

Eduardo Marandola Jr. ressalta, contudo, que sua tese não faz este recorte entre ricos e pobres, abordando um estrato médio da população. “São pessoas com salário razoável e certo nível de escolha, mas ao mesmo tempo limitado, sem todo o dinheiro para escolher o que quiser. Além disso, mais da metade dos habitantes das metrópoles não tem condições de exercer a mobilidade necessária nos dias de hoje. A grande classe média, geralmente deixada de lado nos estudos sobre segregação urbana e vulnerabilidade, é o foco do trabalho”.

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