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Aplicada experimentalmente em alguns produtos,
novidade deve substituir os mostradores de LCD e plasma


Pesquisador amplia
eficiência de luz e de
corrente
elétrica de polímeros eletrônicos

MANUEL ALVES FILHO

O químico Rafael Di Falco Cossiello, autor da pesquisa: tecnologia deverá proporcionar telas mais finas, leves e flexíveis (Foto: Antônio Scarpinetti)Numa das cenas do filme Minority Report, lançado em 2002, um personagem entra no metrô de Washington, senta-se e abre um jornal. O ano é 2054. As informações acessadas por ele, ao contrário do que acontece nas publicações atuais, não são estáticas. São atualizadas freqüentemente, como se estivessem sendo exibidas na tela de um computador. Embora seja uma obra de ficção científica, a produção dirigida por Steven Spielberg antecipou uma tecnologia que está em vias de ser lançada no mercado. O chamado papel eletrônico, que já está sendo aplicado experimentalmente em alguns produtos, promete substituir com vantagens os mostradores de LCD e plasma. “Assim que atingir o estágio de maturidade, essa tecnologia deverá proporcionar telas mais finas, leves, flexíveis e com melhor qualidade de imagem”, prevê o químico Rafael Di Falco Cossiello, que pesquisou o tema em tese de doutorado defendida no Instituto de Química (IQ) da Unicamp.

Instabilidade do material é desafio para pesquisadores

Mais precisamente, o estudo de Rafael, que contou com a orientação da professora Teresa Atvars, concentrou-se nos denominados polímeros condutores, conhecidos ainda como polímeros eletrônicos. Trata-se de material descoberto em 1990 por dois pesquisadores norte-americanos e um japonês. Dez anos mais tarde, o trio ganharia o Nobel de Química por suas pesquisas. Formalmente, o material também é designado por diodo orgânico emissor de luz - Oled, na sigla em inglês. O objetivo do trabalho realizado por Rafael foi aumentar a eletroluminescência desse dispositivo. “Nós obtivemos isso por meio da mistura do polímero eletrônico com um co-polímero, ou seja, um polímero modificado. O resultado foi muito positivo. Conseguimos ampliar em quatro vezes a eficiência de luz e em duas vezes e meia a intensidade da corrente elétrica”, explica.

As razões desses ganhos, conforme o químico, estão relacionadas a vários fatores, entre eles a morfologia da mistura, que facilitou a fluidez das cargas elétricas nos diodos. Apesar de ser uma grande promessa, o Oled ainda está em fase de desenvolvimento, conforme ressalta Rafael. A despeito de algumas empresas já terem colocado produtos experimentais dotados dessa tecnologia no mercado, ela ainda carece de aprimoramento. A Sony, por exemplo, lançou recentemente uma TV de 11 polegadas com tela em Oled. O preço inicial foi fixado em US$ 2,5 mil. “Com o tempo, a tendência é que a tecnologia evolua e torne-se bem mais barata”, infere o pesquisador. De acordo com ele, um dos desafios a serem superados é a instabilidade do material. “Ainda existem problemas de oxidação e encapsulamento”, afirma. Atualmente, a previsão é que um equipamento baseado na tecnologia Oled dure cerca de 50 mil horas, o que equivale a dois, dois anos e meio de uso.

Todavia, assim que essas questões forem superadas, a tendência é que o Oled substitua o LCD e o plasma. Rafael esclarece que o primeiro apresenta inúmeras vantagens sobre os demais. “Ao contrário do que acontece com o cristal líquido, por exemplo, essa tecnologia inovadora não depende de luz de fundo. Dito de maneira simplificada, é como se ela tivesse ‘luz própria’. Isso implica em melhor resolução de imagens e em economia de energia elétrica. Além disso, os diodos eletrônicos podem ser aplicados sobre uma matriz fina e flexível, o que confere mais leveza e portabilidade a um determinado equipamento. A idéia é que futuramente uma pessoa possa tirar uma tela de Oled do bolso, desenrolá-la e conectá-la a um teclado ou celular. Isso fará com que ela fique ligada à internet e tenha o mundo ao alcance dos dedos”, exemplifica.

Cafezal na região de Campinas: dispositivo desenvolvido pela Embrapa permite determinar se amostra de café foi plantada no Brasil e se tem algum tipo de impureza (Foto: Antoninho Perri)As aplicações da tecnologia, entretanto, não param por aí. De acordo com o autor da tese de doutorado, os polímeros condutores podem ser empregados em uma gama enorme de equipamentos. Um deles é a língua eletrônica, dispositivo que vem sendo desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Nesse caso, os polímeros eletrônicos atuam associados a outros sensores. Juntos, são capazes de identificar, por exemplo, se determinada amostra de café foi plantada no Brasil, se possui algum tipo de impureza e se o processo de torrefação foi prolongado. Na área médica, uma das possibilidades é usar os diodos eletrônicos para estabelecer a quantidade de luz necessária à recuperação de um bebê com icterícia, um dos tratamentos mais comuns para o problema. Atualmente, essa determinação é feita por meio de exame de sangue, portanto um processo invasivo. “O polímero eletrônico, ao ser exposto a uma radiação azul, tem a propriedade de mudar de cor. Devidamente adaptado, ele teria a capacidade de dosar a quantidade de luz a que a criança foi exposta. Dessa forma, os médicos poderiam saber se o tratamento precisa ser suspenso ou complementado”, detalha.

Burocracia fez projeto não vingar no Brasil

A despeito de ser altamente promissora, a tecnologia pode não trazer ganhos significativos ao Brasil, em razão de o país ter saído atrás nas pesquisas. “O Brasil teve uma boa oportunidade de entrar nesse jogo em há cerca de dois anos, quando a Universidade de Cambridge, onde foi descoberta a aplicação para os polímeros eletrônicos, cogitou instalar por aqui um centro de pesquisa e desenvolvimento. Por razões burocráticas, isso não aconteceu. Atualmente, o país está numa situação delicada, visto que outras nações avançaram nas investigações. Se não corrigirmos essa trajetória, a tendência é que nos tornemos meros consumidores dessa tecnologia”, afirma Rafael.

No limite, segundo o autor da tese, o Brasil corre o risco de repetir a desastrosa experiência da década de 70, quando não percebeu as possibilidades abertas pelas pesquisas em torno dos semicondutores. “Não é por outra razão que o país não dispõe até hoje de uma fábrica sequer de discos rígidos ou processadores”, analisa Rafael. Apesar desses problemas, os pesquisadores brasileiros têm tocado estudos importantes relacionados com a tecnologia Oled. Atualmente, um grupo formado por cerca de 70 pessoas, incluindo professores e estudantes de graduação e pós-graduação, está envolvido com o assunto. Eles integram o Instituto do Milênio dos Materiais Poliméricos, rede instituída pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MTC).

Na opinião de Rafael, embora sejam fundamentais para o país, os conhecimentos gerados pelos integrantes dessa rede correm o risco de passar por um processo de dispersão, visto que não podem ser aplicados diretamente no setor produtivo. “Como ainda não temos empresas que se dedicam à produção de equipamentos que utilizam esse tipo de tecnologia, a maior parte da mão-de-obra especializada acaba se fixando em outros setores, o que é prejudicial à continuidade das pesquisas. Penso que precisamos aproveitar melhor o conhecimento que estamos gerando”, insiste Rafael.

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