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Pesquisador mostra por que obra do escritor sempre foi referência para compositores

Bandeira, o poeta que escrevia por música


ANTONIO ROBERTO FAVA


Manuel BandeiraTalvez o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) não construísse seus poemas com a intenção de vê-los musicados. Ou quem sabe nem buscasse usar esse expediente com o propósito de tornar sua literatura mais popular. O fato é que, em grande parte de seu repertório poético, encontram-se obras cujos versos podem ser interpretados como se fossem músicas. No poema Andorinha, Andorinha, por exemplo, em que ele escreve "... passei à vida à toa, à toa". Só um compositor de canção de câmera seria capaz de interpretar bem a música com um verso desses. Ou então como tão bem fizeram Antonio Carlos Jobim e Vila-Lobos, em épocas diferentes, com o poema Trem de Ferro, escrito em 1936.

Análise se concentrou em três textos


Bem, o estudante Pedro Marques passou mais de três anos analisando o que havia de musical no verso do poeta pernambucano. Para isso, leu aproximadamente duas centenas de livros, alguns em língua estrangeira, cujo trabalho resultou na dissertação de mestrado Musicalidades na Poesia de Manuel Bandeira, sob orientação da professora Orna Messer Levin, apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Pedro Marques concentrou sua análise basicamente em três textos de Bandeira: Na Rua do Sabão, inserido no livro Ritmo Dissoluto (1924), Pensão Familiar, do livro Libertinagem (1930) e Sacha e o Poeta, que consta do livro Estrela da Manhã (1936), nos quais pode-se sentir uma forte carga de musical.

O pesquisador esclarece que a primeira coisa que se verifica de musical no texto Na Rua do Sabão é a utilização do refrão popular de domínio público: "Cai cai balão/cai cai balão/na Rua do Sabão". A repetição dessa estrutura, ao longo do texto, constitui uma das musicalidades do poema. A poesia trovadoresca, para se ter um exemplo, usa ao extremo o refrão como recurso musical. Quando o leitor lê o Na Rua do Sabão pode perfeitamente cantar o refrão; uma vez conhecida a sua melodia, ele estaria diante de outras musicalidades.

Pedro Marques diz que escolheu a poesia de Manuel Bandeira motivado por observações de críticos da época que afirmavam possuir a poesia de Bandeira elementos fortemente musicais. "Mas isso era algo um tanto incipiente, nada muito profundo e que exigia um estudo mais detalhado", explica. Como músico (toca violão), poeta e estudante admirador da obra de Bandeira, Pedro diz ter percebido que grande parte dos textos do poeta pernambucano possui uma musicalidade subentendida, fruto talvez de um trabalho extremamente elaborado com a palavra. Seus poemas tendem a não oferecer qualquer dificuldade de leitura, por ter uma linguagem fluente. Por isso, não constituem obstáculos para um compositor que queira musicá-los.

"Concentrei o meu estudo nessas três obras - Na Rua do Sabão, Pensão Familiar e Sacha e o Poeta - porque considero que por meio delas Bandeira se firma como grande poeta de língua portuguesa", diz Pedro. No entanto, acentua que não é em todos os momentos que o poeta demonstra a intenção de fazer um trabalho cuja estrutura pudesse ser adaptável a uma composição musical. Já em outros textos, porém, fica evidente o desejo de vê-los musicados. "Como no poema Debussy, que foi feito com esse propósito - o qual apresenta todos os elementos para uma boa composição musical: ritmo, frases, palavras, rimas e métrica. "Para cá, para lá.../Para cá, para lá.../ Um novelozinho de linhal/Para cá, para lá.../Para cá, para lá.../Oscila no ar pela mão de uma criança (Vem e vai...) Que delicadamente e quase a adormecer o balança - Psio... - Para cá, para lá...

- O novelozinho caiu."

Versos trabalhados à exaustão

Pedro Marques, o autor da tese: leitura de cerca de 200 "A estrutura do poema recria uma frase melódica de Claude Debussy, o compositor. Bandeira pega então uma linha melódica de uma peça de Debussy - La jeune sille aux cheveux de lin - e tenta imitá-la, acompanhando-a com palavras (que constituem o seu poema) aquilo que só seria possível evidentemente por meio da música", explica.

Para o pesquisador, Manuel Bandeira - que fez uma poesia intemporal - era um poeta que sabia estruturar seus temas, geralmente muito simples: recordações da infância, um amor irrealizável, a sombra de uma doença grave, um enterro que passa, uma tarde de despedidas, uma velha casa que vai abaixo e na qual se sofreu e se amou muito. Cada um desses simples temas é a célula principal de um processo de desenvolvimento temático, enriquecendo-se e revelando facetas novas, inesperadas, que se enquadra na forma para a qual estava predestinada e, enfim, formando o poema. Manuel Bandeira foi um autor que escreveu relativamente pouco, "pois era um poeta extremamente meticuloso, que trabalhava muito a utilização da palavra, e buscava incessantemente a expressão certa, empregando-a da maneira mais correta possível", diz Pedro.

Sem Manuel Bandeira provavelmente não haveria no Brasil poesia modernista, ou, então, ela não seria o que foi. Por ser um homem receptivo a tudo o que era novo, não se filiando a nenhuma escola, moda ou estilo, Bandeira era tido como exemplo de inovação e técnica e dono de uma escrita apurada, começando por fazer versos livres antes mesmo do Movimento Modernista de 22. Com Carnaval (1919), seu segundo livro, o poeta acabou antecipando determinados conceitos do Modernismo; embora preso a reminiscências simbolistas e parnasianas, também impregnadas da velha herança do lirismo português, Bandeira mereceu mais tarde o cognome de São João Batista do Modernismo, que lhe fora dado por Mário de Andrade.

Bandeira não ganhou dinheiro com poesia, mas, seguramente, foi um dos mais populares entre os poetas brasileiros, artistas, pensadores e até mesmo músicos. Certa vez, Carlos Drummond de Andrade afirmou que "Manuel de Andrade era o poeta nacional"


Trechos
NA RUA DO SABÃO

Cai cai balão
Cai cai balão
Na Rua do Sabão!
O que custou arranjar
aquele balãozinho de papel!
Quem fez foi o filho da lavadeira.
Um que trabalha na composição
do jornal e tosse muito.
Comprou o papel de seda,
cortou-o com amor,
compôs os gomos oblongos...
Depois ajustou o morrão de pez
ao bocal de arame.
Ei-lo agora sobe – pequena coisa tocante na escuridão do céu.



PENSÃO FAMILIAR

Jardim da pensãozinha burguesa
Gatos espapaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros chatos.
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam.
Os girassóis amarelos! Resistem.

E as dálias, rechonchudas,
plebéias, dominicais.
Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom
de restaurant-Palace
Encobre cuidadosamente
a mijadinha.
Sai vibrando com elegância
a patinha direita:
- E a única criatura fina
na pensãozinha burguesa.


SACHA E O POETA

Quando o poeta aparece,
Sacha levanta os olhos claros,
Onde a surpresa é o sol que vai nascer.
O poeta a seguir
diz coisas incríveis,
Desce ao fogo central da Terra,
Sob na ponta mais alta das nuvens,
Faz gurugutu pif paf,
Dança de velho,
Vira Exu,
Sacha sorri como o primeiro aro-íris.
O poeta estende os braços, Sacha vem com ele.
A serenidade voltou de muito longe
Que se passou do outro lado?
Sacha mediunizada
- Ah-pa-papapá-papá-
Transmite em Morse ao poeta
A última mensagem dos Anjos.

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