| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 209 - 7 a 21 de abril de 2003
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Liberação da colheita e
comercialização da safra de soja divide especialistas



Transgênicos expõem
embate entre mercado e pesquisa


WANDA JORGE

O economista José Maria da Silveira: “Há muita hipocrisia nessa discussão”
A tática de fato consumado, aplicada por produtores agrícolas do Rio Grande do Sul e comerciantes da soja transgênica, contrabandeadas para território brasileiro no ano passado, quando se plantou a atual safra, parece que vai dar certo no atual governo. O Brasil acaba de iniciar, publicamente, a primeira colheita e comercialização do produto geneticamente modificado, plantado à revelia da legislação atual.

As longas e desgastantes reuniões da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança)ocorridas em Brasília, durante os anos de 1995 e 1997, para estabelecer no país uma legislação de biossegurança, considerada das melhores do mundo, parece que foram em vão. É a sensação de um dos membros da equipe original da CTNBio, a ecóloga da Unicamp Maria Alice Garcia, professora do Departamento de Zoologia. O conjunto de leis criado para ordenar o avanço na área de organismos geneticamente modificados e a implementação dessa nova tecnologia de forma a garantir a biossegurança, tanto na área de saúde humana como de meio ambiente, poderá ser modificado por coação, uma vez que o governo pecou por omissão, quando não exigiu estudos de impacto em território nacional.

A medida provisória que permite a comercialização da soja transgênica plantada ilegalmente no Rio Grande do Sul, além de passar por cima, oficialmente, da legislação, não agrada tampouco aos que defendem os transgênicos. Para José Maria da Silveira, professor do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp, esse é um "imbroglio" deixado pelo governo FHC e mal-resolvido pelo atual. "Há muita hipocrisia nessa discussão. O governo Lula adotou uma medida cômoda para ele, o que é a cara de sua gestão: jogou a bomba para a outra ponta, a da comercialização". Como bomba, Silveira entende os rigores previstos na medida provisória como a identificação e rotulação, o que vai onerar a venda do produto.

O economista avalia que 50% da produção de soja gaúcha seja transgênica. Os números da safra, no entanto, conflitam de acordo com a origem da informação. O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, Ywao Miyamoto, disse à imprensa, no início do ano, que no Rio Grande do Sul o índice chega perto de 80%, por conta das condições especiais de maior infestação de ervas daninhas. O Brasil é o segundo maior produtor mundial do grão não-transgênico. Na safra de 2001 vendeu, apenas para a comunidade européia, 9,7 milhões de toneladas, equivalente a mais de 60% do que exporta.

Para Silveira, porém, esse não seria o primeiro plantio no Sul."Há pelos menos quatro ou cinco safras já se planta soja transgênica em território gaúcho, com responsabilidades dos governos municipal e estadual, ambos do PT, repartida pela atitude cômoda do governo de Fernando Henrique, que fugiu do problema, preferiu não ver a situação".

Na visão dos ambientalistas, a liberação da soja traz riscos econômicos futuros para toda a cadeia produtiva, como a recusa de compra por parte de países da comunidade européia, ou da infiltração das lavouras com os transgênicos, além da dependência a um único fornecedor do pacote tecnológico, no caso a Monsanto; já o economista Silveira enxerga que o rigor da comercialização vai desestimular o plantio dos transgênicos, o que significa "um atraso tecnológico e um prejuízo à competitividade agrícola do país".

Para o economista, a atitude do governo anterior foi ambígua pois, ao mesmo tempo que investia US$ 12 milhões no projeto Genoma na época, se declarava contrário aos transgênicos, "caminho natural do desenvolvimento tecnológico". Ele critica, ainda, o peso que ambientalistas e defensores do direito do consumidor têm nas decisões da CTNBio. Em sua opinião,o principal diálogo deve se dar entre as entidades empresariais e instituições de pesquisa aplicada, como Fiocruz, IAC(Instituto Agronômico de Campinas), Embrapa, Copersucar e Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná), por exemplo.


Decisão passa por cima da legislação

Enquanto um dos pontos de vista da pesquisa econômica defende a soja transgênica como alternativa economicamente mais atraente para o país,representantes de setores diretamente ligados à qualidade da vida humana e ambiental contestam essa posição e apontam o risco de tal "irresponsabilidade". A pesquisa sobre organismos modificados geneticamente(OMG) deve avançar cada vez mais, "o que não significa abrir as portas para multinacionais da área assaltarem o país", afirma o diretor do Instituto de Biologia da Unicamp, Mohamed Ezz Habib. A pesquisa ainda tem um longo trajeto para provar a segurança da transgenia até que a fase de aplicação possa se efetivar, acrescenta.

Além dos riscos à saúde humana, o professor Mohamed teme a criação de invasores resistentes na contaminação da flora, da microflora do solo, da água escorrida da planta tratada com o herbicida Roundup Ready (RR), agrotóxico que compõe o pacote tecnológico de plantio da soja transgênica da empresa norte-americana. O RR é tão poderoso que mata, além das ervas daninhas também a soja não-transgênica, diz o agrônomo. Para o sojicultor, o uso de uma semente transgênica, que exige apenas um tipo de inseticida e reduz seu custo de mão-de-obra por conta da redução dos tratos culturais, é uma alternativa lucrativa inicialmente.

Mas Mohamed ressalta que ele deveria imaginar se continuará sendo, no momento em que as empresas de sementes não-transgênicas forem eliminadas do mercado e os preços do pacote tecnológico da variedade ficar ao sabor do único fabricante. O monopólio penaliza legalmente, inclusive, o agricultor que não planta transgênico, caso a sua lavoura seja contaminada pelos plantios transgênicos da vizinhança, devido à possibilidade de polinização da soja convencional com pólem de soja transgênica.

Contaminação - Isso ocorreu recentemente com um agricultor do Canadá, que teve 6% de sua lavoura contaminada pela lavoura vizinha, que usou transgênicos, mas que perdeu a causa na Justiça, conta.

Essa situação parece ser de difícil apreensão para quem busca soluções de curto prazo, sob o argumento de não deter o desenvolvimento tecnológico. A comunidade européia, que é um dos maiores mercados compradores do Brasil, não quer soja transgênica e, além da exigência de um rótulo de certificação do produto, paga mais pelo produto natural. Misturadas nos silos gaúchos, soja transgênica com não-transgênica, e com as dificuldades em se estabelecer a rotulagem, o que implica em análises laboratoriais, vai ficar difícil fazer valer o preço mais vantajoso na hora de fechar o contrato com tais clientes. Esse cenário não é novo e como a história, quando se repete, é na forma de tragédia, os pesquisadores temem os riscos que se avizinham no curto prazo. A soja é a primeira porta a ser aberta; se passar, o resto entra mais fácil e o risco humano e ambiental é imprevisível, antecipa o diretor da Biologia.

Área plantada cresceu
12% nas duas últimas safras



A ecóloga Maria Alice Garcia: sensação de que reuniões para estabelecer legislação foram inúteis Estados Unidos, China, Canadá, Austrália e Argentina não têm restrições ao cultivo do grão GM. Segundo informações de instituições internacionais favoráveis à tecnologia, a área mundial plantada com transgênico aumentou 12% nas duas últimas safras, o que torna 51% da produção mundial de soja realizada com transgênicos, além de percentuais menores em milho (9%), algodão (20%)e canola (12%). O combate aos transgênicos não é unânime mesmo nos meios científicos descomprometidos com interesses empresariais. Mas quem os defende, em geral circunscreve o uso ao ambiente da pesquisa, onde as regras de biossegurança são muito rígidas e com mecanismos de controle efetivos, para evitar escape e contaminação ambiental por material transgênico.

Wirla Tamashiro, pesquisadora de Imunologia da Unicamp e presidente da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio)no Instituto de Biologia, trabalha com camundongos transgênicos. Ela busca avaliar o surgimento de doenças auto-imunes no processo de envelhecimento e usa em sua pesquisa, dois grupos de animais. Defende os geneticamente modificados como forma de encurtar etapas da pesquisa, mas sob rigoroso controle dos laboratórios. "Sou a favor do uso de transgênicos, pelo avanço que representam na pesquisa científica".

Yong Park, do Laborat

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