Edição nº 669

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 19 de setembro de 2016 a 25 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 669

Quando todos são alvos

Piracicaba registra infestação de dengue em diferentes
regiões da cidade, independentemente de classe social

Dissertação de mestrado profissional desenvolvida pela graduada em enfermagem Elaine Regina Defavari, funcionária do setor de atenção básica da Secretaria Municipal de Saúde de Piracicaba, município de médio porte do Estado de São Paulo, teve o objetivo de descrever a dengue e avaliar sua distribuição espacial nessa circunscrição, entre os anos de 2008 a 2015, período em que foram identificados 11.397 casos da doença na região urbana.

O trabalho foi orientado pela dentista Marília Jesus Batista de Brito Mota, professora do mestrado profissional do Programa de Pós-graduação de Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Unicamp, e atualmente docente adjunta da Faculdade de Medicina de Jundiaí (SP).

A propósito das motivações que determinaram o estudo, a professora esclarece: “Achamos que a partir da pesquisa o município disporia de uma excelente ferramenta de georreferenciamento que, localizando as áreas de maior concentração de casos de dengue, poderia auxiliar nas estratégias de prevenção da doença. Pensamos inicialmente em identificar áreas em que houvesse maior incidência do mosquito da dengue em que, em decorrência, haveria maior ocorrência da doença e que, por isso, exigiriam atuação mais específica do poder público”. A hipótese de partida, que orientou o trabalho, era a de que a dengue estaria associada à exclusão social, ou seja, se concentraria nos locais e bairros com populações de níveis socioeconômicos mais baixos.

Entretanto, os dados se revelaram surpreendentes: no centro urbano, uma das áreas de maior nível socioeconômico, foi encontrada ao longo dos anos uma das maiores incidências de casos de dengue, embora se constatasse, a partir de 2010, o alastramento da doença por todas as regiões do município, mesmo ocorrendo variações porcentuais de casos em várias localidades no período estudado. Esta constatação levou as pesquisadoras a brincar, dizendo que “o mosquito da dengue não é preconceituoso e não respeita nível socioeconômico”.

Os resultados encontrados na pesquisa mostram que, nos mais de 11 mil casos notificados na região urbana do município no período de 2008 a 2015, a maior incidência da doença ocorreu em 2015, não houve diferença de gênero na sua distribuição e a faixa etária mais acometida foi a de 20 a 39 anos.

O exame dos dados levou a pesquisadora a concluir que a doença dengue vem tendo no município de Piracicaba um aumento expressivo ao longo dos anos considerados, fazendo-se necessárias, em vista das variabilidades observadas ano a ano nas várias regiões do município, análises constantes da identificação espacial para que, tanto medidas preventivas, que já vêm sendo tomadas, bem como estratégias inovadoras em andamento sejam implantadas para o combate ao vetor, o mosquito Aedes aegypt, e consequentemente a outras arboviroses, assim denominadas genericamente as doenças causadas por vírus.

A técnica
Para verificar a validade da hipótese inicial, ou seja, a compatibilidade entre incidência da doença e exclusão social, utilizando a técnica de análise espacial, dados oriundos do Sistema de Informação de Agravo de Notificação (Sinan), órgão da vigilância epidemiológica disponível nas secretarias de saúde dos municípios brasileiros, foram sobrepostos ao mapa de exclusão social.

De acordo com dados IBGE 2015, Piracicaba possui população estimada de 390 mil habitantes, de diferentes origens socioeconômicas. Para a análise espacial os dados foram organizados em cinco regiões e 64 bairros do município de acordo com a divisão de bairros, loteamentos e índice de Exclusão Social, disponibilizados pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento de Piracicaba (IPPLAP, 2010). O Índice de Exclusão Social realizado no município de Piracicaba teve por objetivo caracterizar as desigualdades socioterritoriais nos diferentes bairros do município, permitindo identificar os que apresentam melhores condições de vida, bem como aqueles em que se concentram as condições precárias e, dessa forma, identificar as discrepâncias de condições socioeconômicas na cidade.

Para o cálculo deste índice são analisados aspectos como renda familiar, equidade de gênero, qualidade de vida, escolaridade, entre outros fatores socioeconômicos da região e atribuem-se valores de -1 a 1 para identificar desde os lugares de maior exclusão social até os bairros de nível socioeconômico mais alto.

Com base na série de coeficientes anuais de incidência calculados, a autora verificou que o maior coeficiente registrado foi no ano de 2015, época em a cada 100 mil habitantes aproximadamente 950 foram diagnosticados com a doença. Seguem-se os anos de 2012 e 2013, com coeficientes, respectivamente, de 827/100 mil habitantes e de 723/100 mil habitantes. Ao longo de oito anos, os coeficientes de incidência apresentaram grandes variações, que vão de, aproximadamente, 5,0 (2009) a 950 (2015) por 100 mil habitantes, com significativos picos em 2013 e 2014. Observou-se, ainda que, em relação à distribuição espacial, não houve, como já se mencionou, homogeneidade no porcentual da incidência de dengue nas regiões urbanas ao longo dos anos.

Conforme mostram os mapas de Piracicaba com os índices de exclusão social e com o total de casos confirmados de dengue nos anos de 2008 a 2015, não se verificou a correlação esperada pelas pesquisadoras.

Análises
Com base nos coeficientes de incidências anuais, que fornecem o número de casos por período em cada 100 mil habitantes, chegou-se a uma série histórica de incidências anuais no período considerado. 

A análise da série temporal da dengue permitiu constatar o aumento de sua incidência, o que leva a um alertar para um possível comportamento endêmico da doença. Se confirmada, esta possibilidade estaria na contramão da transição epidemiológica observada em países desenvolvidos, caracterizada por uma tendência à diminuição das doenças transmissíveis, como no caso a dengue, e aumento das doenças crônicas na população. 

Os dados mostram áreas com maior número de casos no município, porém, segundo o estudo, estratégias de prevenção da doença devem ser realizadas em toda a população devido às alterações de concentração de casos ao longo dos anos. Tratando-se de um problema de saúde pública, a autora considera importante a colaboração intersetorial e principalmente a mobilização da comunidade para viabilizar o combate aos criadouros do mosquito. “A população tem papel fundamental no sucesso dessas ações, mesmo porque, como já amplamente divulgado, ela não se tem sensibilizado pelo problema apesar das campanhas educativas e insistentes divulgações na mídia”, esclarece. Nessa perspectiva, ela considera importantes as parcerias firmadas com lideranças locais e religiosas para mobilização das comunidades no intuito de estimular o empoderamento para mudanças de hábitos, que continua sendo a estratégia mais efetiva de combate ao vetor.

Embora a pesquisadora constate que no município de Piracicaba o Plano de Contingência para Aedes aegypti contemple ações de controle que podem repercutir no futuro para a diminuição dos casos, ela considera de extrema importância a intensificação dos esforços, que além da comunidade, inclua setores de Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária, Secretaria de Defesa do Meio Ambiente, Secretaria de Educação, Secretaria de Desenvolvimento e outros que possam trazer contribuições para que a doença não se revele endêmica. Ressalta-se a importância no combate ao mosquito, também responsável pela zika e chycungunha, além da febre amarela.

A autora chama a atenção ainda para o fato de que, embora o estudo tenha sido realizado com base em casos notificados, sabe-se que eles mostram apenas parte da realidade, pois além de pessoas infectadas com sintomas mais leves existem também aquelas que fazem parte das subnotificações, casos que os profissionais da saúde não notificam no Sinan, e que, portanto, não fazem parte das estatísticas oficiais, o que serve de alerta para os profissionais da saúde.

Publicação

Dissertação: “Análise espacial da doença dengue em um município de médio porte do estado de São Paulo nos anos de 2008 a 2015”
Autora: Elaine Regina Defavari
Orientadora: Marilia Jesus Batista de Brito Mota
Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)