Edição nº 669

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 19 de setembro de 2016 a 25 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 669

A autossegregação da elite

Pesquisa de demógrafa revela a dinâmica urbana de Campinas

Uma população rica e escolarizada, que vive, majoritariamente, em casas do tipo vila ou em condomínios fechados. São mais brancos que o restante da população. Em algumas áreas não há sequer registros de indígenas e negros. Há também forte concentração de migrantes mais antigos, residentes há mais de 25 anos, além de indivíduos não naturais da cidade. Os critérios sócio-ocupacionais demonstram ainda maior presença de empregadores, executivos, administradores e profissionais das ciências e artes.

O perfil sociodemográfico descrito acima corresponde à população residente na chamada Cordilheira da Riqueza, objeto de amplo estudo da antropóloga e demógrafa da Unicamp Dafne Sponchiado Firmino da Silva. A Cordilheira da Riqueza, termo criado por José Marcos Pinto da Cunha, demógrafo da Unicamp e orientador da pesquisa, corresponde a quatro áreas contíguas do município de Campinas: os distritos de Sousas e Barão Geraldo, a região do bairro do Gramado e o eixo Campinas-Mogi-Mirim. Trata-se de uma área que congrega a maior parte dos condomínios de alto padrão de Campinas, habitada pela população mais rica e mais escolarizada do município.

As quatro regiões encontram-se alinhadas com a Rodovia Anhanguera, que divide a cidade, e com a Rodovia Dom Pedro I, eixo das universidades, centros de pesquisa, institutos tecnológicos, shoppings center e grandes lojas de departamentos. A pesquisa da Unicamp traz nova complexidade aos estudos de demografia ao mostrar uma nova dinâmica urbana de Campinas, singular em relação à urbanização brasileira.

“Temos uma tradição nos estudos urbanos no Brasil que trata de uma oposição entre o centro rico e a periferia pobre. Isso vem da década de 1970 como reflexo da urbanização brasileira que, de modo geral, se consolidou desta forma. O país urbano caracterizou-se, em geral, sob este cenário, de um centro, habitado por ricos contra uma periferia, composta por uma população de baixa renda. E a novidade deste estudo é mostrar que Campinas está fora dessa oposição clássica, inserida numa nova dinâmica urbana. Assim, os ricos e o que chamo de elite escolhem morar numa periferia totalmente já planejada pelo poder público”, revela a pesquisadora Dafne Sponchiado.

O estudo conduzido por ela integra dissertação de mestrado defendida recentemente junto ao Programa de Pós-Graduação em Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. A pesquisa tem sequência com doutorado já aprovado junto ao mesmo programa da Universidade.

O mestrado insere-se no âmbito da linha de pesquisa “Redistribuição Espacial da População”, coordenada pelo professor José Marcos Pinto da Cunha junto ao Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. Houve financiamento, na forma de bolsa à pesquisadora, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Dafne Sponchiado também atua como pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole, vinculado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

“Uma contribuição importante desta dissertação é caracterizar e analisar este tipo de população sob a ótica da demografia, trazendo novos dados sobre o tema. Esta população foi muito pouco descrita demograficamente. O objetivo, portanto, foi compreender como esta nova dinâmica permitiu o surgimento destas áreas e não só o surgimento, mas o seu crescimento e sua consolidação. O trabalho contribui, além disso, não só com a demografia, mas com os estudos urbanos em geral, dando uma nova perspectiva para trabalhos futuros”, considera a demógrafa da Unicamp.

A caracterização da população da chamada Cordilheira da Riqueza se baseou em dados do Censo Brasileiro de 2010, referentes a Campinas; além de bibliografia específica sobre o tema. A pesquisadora da Unicamp esclarece que as informações e dados referem-se aos responsáveis pelo domicílio, acima de 14 anos, ocupados ou procurando emprego na semana de referência do Censo de 2010.

Conforme Dafne Sponchiado, as áreas estudadas concentram 65,42% do total de domicílios do tipo “casa em vila ou condomínio fechado”. Este tipo de moradia representa apenas 2,79% do total dos domicílios de Campinas. Ainda de acordo com ela, a região reúne cerca de 10% da população do município. Outros dados tabulados pela demógrafa apontam que cerca de 80% da população é branca, enquanto que em Campinas o índice chega a 66,7%.

Além disso, no quesito renda, 12% dos responsáveis por domicílios da Cordilheira da Riqueza recebem acima de 10 salários mínimos per capita, o equivalente a R$ 8,8 mil. Em Campinas, este índice é de 3,8%. Em relação à escolaridade, 4% da população das áreas pesquisadas possuem titulação de doutorado e 30%, nível superior completo. Em Campinas, menos de 1% dos responsáveis por domicílios são doutores, e 17% possuem ensino superior.

Ao falar da região denominada como Cordilheira da Riqueza de Campinas, a demógrafa da Unicamp explica que nos distritos de Sousas e Barão Geraldo foram lançados os primeiros condomínios horizontais fechados de Campinas. Já a região do Gramado, loteada a partir da Fazenda Brandina, tem a maior concentração de alta renda do município, seguida do eixo Campinas-Mogi, onde está localizado, entre outros empreendimentos, o Alphaville Campinas.

“O eixo Campinas-Mogi-Mirim e a região do Gramado apresentam a maior frequência nos grupos já considerados de alta renda – respectivamente 21,1% e 29% na faixa de 5 a 10 salários mínimos per capita. O município de Campinas tem, nesta mesma faixa, somente 8,4% do total de responsáveis pelo domicílio”, acrescenta.

Autossegração
A estudiosa Dafne Sponchiado afirma que, com o deslocamento espacial da população rica de Campinas, houve não somente uma alteração do padrão centro/rico-periferia/pobre, mas uma reformulação do chamado modelo espacial de segregação, que adquire características de autossegreção. De acordo com a autora do trabalho, a caracterização da população pode auxiliar a compreender os condicionantes da autossegregação e o crescimento, tanto espacial como demográfico, da Cordilheira da Riqueza.

“Essa ideia de autossegregação se refere ao fato de a população de elite ‘escolher’ viver longe das regiões centrais. Parte da ideia espacial de que para uma população segregada não há escolha. Isso acontece com a população de baixa renda. Aqui há uma autossegregação porque há escolha. É uma população que escolhe viver longe do centro, mas ainda sim próxima dos seus pares.”

Os condomínios horizontais fechados, nas áreas distantes do centro, representam, assim, uma nova forma de ocupação e de produção do espaço metropolitano. Para a demógrafa, as regiões onde se desenvolveram os condomínios são áreas de intensa concentração fundiária, com intensa atividade do mercado imobiliário, enquanto protagonista da lógica da renda fundiária.

Na pesquisa, Dafne Sponchiado explica que o espaço desta nova periferia urbana é muito diferente da periferia ocupada pelas classes de baixa renda. Desta forma, a consolidação destas áreas faz parte de um processo maior do que a escolha individual. Para isso cumprem papéis fundamentais o poder público e o mercado imobiliário, que busca um perfil específico de moradores para estes tipos de empreendimento, afirma.

“Estes espaços não crescem em áreas de risco ambiental, como encostas e fundos de vale. Pelo contrário, estão situados em áreas planas e de fácil implantação de residências, glebas que podem ser facilmente parceladas e que se mantiveram livres da ocupação pelas classes mais baixas, justamente por se tratar de áreas de valor para o capital imobiliário.”

Elite e não elite
No seu estudo, a demógrafa da Unicamp distingue duas categorias sócio-ocupacionais como forma de caracterizar a população da região pesquisada: Dafne Sponchiado utiliza os termos “elite” e “não elite”. Ela esclarece que o termo elite refere-se a um conceito técnico-operacional, a fim de especificar uma parcela da população, tentando mostrar, sobretudo, que tal grupo não se distingue somente pela alta renda e alto grau de escolaridade.

“Eu utilizo esta categoria de elite e não elite fundamentada no conceito trabalhado por Pierre Bourdieu em sua obra A Distinção. As particularidades econômicas e espaciais da Região Metropolitana de Campinas requerem que a elite seja pensada desta maneira, a partir da sua inserção ocupacional e produtiva. Esta diferenciação é fundamental para que este grupo não seja visto como o mais rico, somente, mas justamente como uma parcela diferenciada da população.”

Dafne Sponchiado informa que a somatória de três categorias baseadas em critérios sócio-ocupacionais resultou no grupo denominado por ela como elite. Os critérios foram: indivíduos que se declararam empregadores e que empregam mais de seis pessoas (denominação dada pela autora como “capitalistas”); executivos e administradores empregados, cujas ocupações estejam entre os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) como diretores e gerentes (denominação dada como ‘executivos e administradores’); e, por fim, profissionais das ciências e artes localizados na CNAE como profissionais das ciências e das artes (‘profissionais das ciências e das artes’). O restante dos responsáveis pelos domicílios não enquadrado na soma destas categorias foi denominado como “não elite”.

Conforme a tabulação dos dados, na Cordilheira da Riqueza, em torno de 26% dos responsáveis por domicílio podem ser enquadrados como “elite”. Em Campinas, este índice chega a 14,5%. Já a região sudoeste da cidade (onde estão situados os bairros Campo Grande, Ouro Verde, Oziel, Dics, entre outros) o percentual correspondente à elite chega a 4,5%, quase seis vezes menos ao da Cordilheira da Riqueza.

Publicação

Dissertação: “Para dentro das portarias, por detrás das cancelas: Características e condicionantes da autossegregação das elites em Campinas”
Autora: Dafne Sponchiado Firmino da Silva
Orientador: José Marcos Pinto da Cunha
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Financiamento: Capes