Edição nº 647

Nesta Edição

1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12

Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 29 de fevereiro de 2016 a 06 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 647

Técnica acelera desidratação e
preserva compostos da uva

Protótipo está pronto para ser transferido a produtores de vinho ou de sucos

Estudo de doutorado desenvolvido na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) dá um passo além na implementação de um sistema de imagens espectrais – de um mesmo objeto representado em diferentes comprimentos de onda – para análise de produtos agrícolas durante um processo de desidratação. “É uma técnica de imagem e de calibração de sistema já testada para a cultura da uva e com potencial para ser utilizada também em outros estudos na área de máquinas agrícolas e de pós-colheita”, concluiu o engenheiro agrícola Rodolpho César dos Reis Tinini.

Com os resultados obtidos, foi possível chegar ao protótipo de um sistema que já está pronto para ser transferido a produtores de vinho ou de sucos. Ele acelera o processo de perda de água e promove a desidratação moderada (perda de 10% de água) em no máximo 24 horas, agregando valor ao produto com a concentração de açúcares e potencializando a ação de polifenóis e reverastróis, compostos das uvas e derivados com efeitos benéficos à saúde humana (atividade antioxidante). Em geral, na Europa isso é feito de maneira mais lenta: demora entre 40 e 90 dias, dependendo do tipo de uva e do vinho licoroso que se deseja obter. 

Segundo a docente da Feagri Bárbara Teruel, orientadora da tese, a proposta é que, com essa técnica, sejam desenvolvidas análises de qualidade em tempo real, sem que haja destruição do produto, e que ela sirva como subsídio às estratégias de controle automático do processo. A ideia é ter em menos tempo o produto no ponto exigido para o processamento, tanto vinificação quanto produção de sucos integrais, aqueles normalmente comercializados nos supermercados em garrafas de vidro.

Esse estudo, coorientado pelo professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da USP, Luis Gustavo Marcassa, aplica as imagens para determinar a concentração de açúcares das uvas submetidas ao processo de desidratação parcial em grau Brix – uma escala numérica usada na indústria de alimentos para medir a quantidade aproximada de açúcares totais. Grau Brix pode ser considerado o grau de doçura de uma fruta ou de um líquido. Conforme aumenta a concentração de açúcar, a refração do líquido se altera. Daí aplica-se tal escala para medir a quantidade de açúcar.

Rodolpho revelou que o tema partiu de uma demanda do próprio processo que seu grupo de pesquisa perseguia. “Fizemos um estudo preliminar e medições nas quais se verificaram algumas possibilidades de futuro para a engenharia agrícola, entre elas as imagens espectrais. Resolvemos incorporá-las ao nosso sistema de desidratação de uvas, discutindo como esse produto responde às diversas fontes de iluminação em diferentes espectros para correlacionar a resposta através das imagens com a atividade físico-química do produto, no caso os sólidos solúveis.”

O próximo passo do doutorando foi avaliar três variedades de uvas de vinificação: a cultivar Brasil, a cultivar Itália e a cultivar Benitaka, para consumo em mesa ou para produção de sucos e vinhos. Num segundo experimento, o pesquisador trabalhou somente com a cultivar Itália, por ela ter mostrado melhor performance para uso na imagem espectral.

Os resultados da pesquisa foram significativos. “Conseguimos uma correlação muito alta entre a variável sólidos solúveis em graus Brix com a imagem espectral – entre 0,89 e 0,90 – e a possibilidade de aplicar o que vimos no processo de desidratação para medir e verificar os diferentes aumentos da concentração de açúcares no produto”, afirmou Rodolpho.

A professora Bárbara comentou que esse é um sistema de baixo custo que pode ser implementado de modo prático nas propriedades. As análises por meio de imagens poderiam ajudar a diminuir a quantidade ou mesmo eliminar as análises químicas em laboratório, o que traria benefícios para as linhas de produção, para não interferir no processo.

Conseguir a concentração de açúcar nas uvas destinadas à vinificação poderia colaborar para reduzir a quantidade dessa substância adicionada hoje ao processo do vinho, chamado chaptalização (que consiste em acrescentar açúcar de cana ou de beterraba ao mosto do vinho, antes ou durante a fermentação). O intuito é aumentar a quantidade total de açúcar e, assim, atingir o teor alcoólico exigido pela legislação, por causa das uvas não terem a concentração necessária.

Essas tecnologias já estão estudadas, desenvolvidas e prontas para adentrarem o mercado produtivo, além de poderem propiciar parcerias em projetos que viriam a transformá-las num equipamento. “Cada situação merece um projeto, um dimensionamento adequado à quantidade de produto, ao tipo de uva, de vinhos e de suco que se gostaria de produzir. Temos a expertise para desenvolver esse projeto, inclusive junto a empresas que fazem a montagem de equipamentos”, explicou Bárbara.

Melhoramentos

A retirada de água das uvas destinadas à vinificação já vem sendo feita há algum tempo na Europa, ressaltou a orientadora do estudo, sobretudo para vinhos doces – os chamados licorosos. Mas, informou Bárbara, isso é feito de maneira lenta, dependendo do tipo de uva e do vinho licoroso que se pretende atingir.

Em algumas regiões do Chile, essa retirada de água é feita em condições ambientais. As uvas são colocadas num meio natural, com o ar mais seco ou dentro de uma câmara onde as variáveis de temperatura e umidade relativa são mantidas dentro de certo patamar. Na Europa, isso é basicamente feito à baixa temperatura – em torno de 5º C. No Chile, em regiões desérticas, aproveita- se das condições ambientais de baixas temperaturas e baixa umidade relativa do ar.

No presente estudo, uvas foram submetidas a uma temperatura em torno de 37ºC para acelerar o processo de perda de água. Com isso, também foi possível verificar a potencialização de fenóis e de reverastróis. “Fizemos tudo em 24 horas: primeiro aumentando a temperatura até 37ºC, onde não há deterioração dos perfis aromáticos, e depois mantendo a uva em temperatura mais amena (por volta de 5ºC), para deixá-la pronta para processamento”, relatou Bárbara.

De acordo com Rodolpho, o processo em si pode ser utilizado em qualquer produto agrícola no qual se deseje tirar uma quantidade de água em curto espaço de tempo. Como o sistema incorpora o controle automático da temperatura e da vazão de ar, ele permite trabalhar em diferentes faixas. Mas vai depender do tipo de produto que vai ser oferecido.

As imagens, além de poderem ser aplicadas para identificar compostos físico-químicos, também são uma técnica factível para verificar danos mecânicos: algum machucado no produto, alguma necrose, algum distúrbio fisiológico (como fungos e bactérias), se ele for visível. As aplicações são tanto para a medida de uma característica físico-química quanto para uma questão que envolva danos visuais, frisou o pesquisador.

Sua orientadora assinalou ainda que houve uma resposta muito interessante entre a imagem e os dados que tinham sido colhidos no laboratório, para as mesmas análises. Então hoje se pode dizer que esses resultados são robustos, visto que houve uma correlação muito próxima de 0,90, o que significa que a imagem representa muito bem a concentração de açúcar na fruta. Sem essa validação, é difícil saber até onde ela está mostrando com precisão o que está acontecendo no caso da uva.

Linha

Rodolpho apontou que é possível acompanhar o processo na tela do computador através de um software de supervisão, para que o seu responsável também tenha uma dimensão das características em tempo real. Agora, o doutorando e seus orientadores vão entrar com um pedido de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), envolvendo os componentes do sistema térmico, instrumentação do processo e a supervisão através do computador. Assim, o produtor poderia estar observando, visualizando e entendendo o que está havendo com a uva para também tomar decisões, descreveu o pesquisador, porque em produto fresco há uma variabilidade muito grande. Dependendo do grau de maturação, da época de colheita, da variedade, há uma concentração diferente de açúcares e resposta diferente do processo.  

Agora, independentemente da época do ano em que foi aquela colheita, pode-se ter dados para reprodutibilidade, para saber o que ocorreu naquele ano específico. Cada uva tem um comportamento, dependendo da época do ano, da colheita, da variedade.

Submeter as uvas ao processo de desidratação moderada contribui para a diminuição da heterogeneidade entre os produtos após a colheita, diminuindo ao mesmo tempo a variabilidade em termos de como ela está antes do processo de vinificação ou de produção de sucos, com o conhecimento da matéria-prima.

Por outro lado, a supervisão do processo em tempo real, acompanhado de imagens no computador e da medição dessas variáveis (temperatura, umidade relativa, peso do produto, a imagem que está sendo colhida e processada, que também está gerando uma resposta de como está a uva), permitem ao sistema se reajustar automaticamente, seja para aumentar a velocidade e a temperatura do ar.

Esse trabalho agregou muito à linha de pesquisa Agricultura de Precisão, técnicas que possibilitam o gerenciamento localizado dos cultivos, cuja responsável é a professora Bárbara Teruel. “Ele permitiu adquirir novas habilidades. Começamos a trabalhar na Feagri com o uso de imagens espectrais e processamento desse tipo de imagem aplicado à análise de qualidade não destrutiva e incorporar isso a um processo real de desidratação”, observou a orientadora.

Os alunos envolvidos nesse projeto participaram de cursos no Brasil e no exterior, adquirindo outras habilidades. Surgiram oportunidades de parcerias com a Espanha (Universidade Politécnica de Madri), os Estados Unidos (Universidade de Washington) e a Itália (Universidade da Tuscia), que trouxeram ao laboratório infraestrutura física para adquirir todos os componentes dos sistemas, além do sistema de imagens, que foi importado. O projeto de pesquisa teve financiamento da Fapesp.  

Além do doutorado defendido por Rodolpho recentemente, o projeto gerou uma tese de mestrado, já defendida (cujo pós-graduando foi indicado ao Prêmio Jovem Cientista em Fruticultura, na categoria de Mestrado, em 2012, pela Sociedade Brasileira de Fruticultura), e diversos trabalhos de iniciação científica pelo Programa Pibic.

Publicação

Tese: “Avaliação não destrutiva de sólidos solúveis por meio de imagens espectrais de uvas submetidas à desidratação parcial”
Autor: Rodolpho Tinini
Orientadora: Bárbara Teruel
Coorientador: Luis Gustavo Marcassa
Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)
Financiamento: Fapesp