Edição nº 647

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 29 de fevereiro de 2016 a 06 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 647

Estudo vai na origem do desemprego urbano

Economista analisa a formação do mercado de trabalho no país

A origem do desemprego urbano no Brasil é o tema investigado pelo economista Pedro Henrique Evangelista Duarte, em tese de doutorado defendida no Instituto de Economia (IE). O autor analisou principalmente três aspectos: os fatores históricos que determinaram a formação do mercado de trabalho no momento de consolidação do setor industrial no país, e o consequente surgimento de um excedente de mão de obra; as características desta população desempregada quando se davam a expansão das atividades econômicas urbanas e a decadência de outras, especialmente nos setores agrícolas; e, terceiro aspecto, em que medida as teses marxistas adotadas para esta pesquisa são capazes de explicar (ou não) a alta taxa de desocupados enquanto um problema estrutural que sempre marcou o mercado de trabalho brasileiro.

“Minha preocupação desde a graduação e o mestrado era entender certas dinâmicas relativas ao mercado de trabalho; para o doutorado, me veio o questionamento de que para entender essas dinâmicas era preciso entender a origem do desemprego no Brasil, partindo da ideia de que possuímos uma economia historicamente marcada por uma elevada taxa de desemprego”, justifica Pedro Duarte, que é professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e na Unicamp foi orientado pelo professor Carlos Alonso Barbosa de Oliveira.

O economista analisou dados relativos ao desemprego nas décadas de 1940 e 1950, período de grande expansão da indústria no país, tomando como aporte teórico teses de Karl Marx e estudos de autores latino-americanos. “Para fundamentar minha pesquisa, assumi a categoria denominada ‘superpopulação relativa’, elaborada por Marx para explicar o surgimento de uma massa de desocupados na Inglaterra em decorrência dos efeitos da expansão da indústria no momento da Revolução Industrial. E agreguei ao debate teórico a ‘teoria da marginalidade’, desenvolvida por autores como Aníbal Quijano e José Nun para entender esses mesmos efeitos nos países da América Latina, levando em conta as particularidades do capitalismo da região.”

Pedro Duarte afirma que Marx, grosso modo, sustenta que à medida que a indústria se desenvolve e mais tecnologia é agregada, uma porcentagem cada vez menor de trabalhadores é absorvida, devido ao incremento da produtividade do trabalho. “Sendo menor a absorção de mão de obra, cria-se uma massa de trabalhadores à margem do sistema produtivo, que podem ser absorvidos em algum momento (dependendo da dinâmica do capitalismo), ou se vincular a atividades marginalizadas, ou simplesmente se estruturar como mão de obra desempregada.”

Segundo o pesquisador, a hipótese que norteia seu estudo é de que o excedente de mão de obra no Brasil tem origem nos problemas decorrentes da transição do trabalho escravo para o trabalho livre – como o preconceito racial e a dificuldade de integração do negro – e na entrada maciça de migrantes externos (sobretudo europeus) e internos (de outras regiões brasileiras para o Sudeste). “Quando da crise de 1929, que determinaria a expansão dos investimentos industriais, parte substancial da população migraria em direção à região economicamente dinâmica, compondo um mercado de trabalho urbano – que, nesses termos, já surgiria com excedente de mão de obra.”

Um primeiro aspecto destacado pelo autor é a grande massa de ex-escravos que abandonaram o trabalho nas fazendas e foram para as cidades. “A relação legal entre senhor e escravo acaba, mas as relações de trabalho nas fazendas não mudam, prevalecendo a jornada extenuante e a precariedade, e com uma remuneração irrisória, quando não inexistente. Há uma discussão relevante sobre a relação do ex-escravo com o trabalho: para ele, a noção de liberdade não estava apenas em deixar de ser uma propriedade do senhor, mas também na chance de escolher outro tipo e outro local de trabalho. Desta percepção surge o preconceito sobre o negro ‘preguiçoso’ e ‘inapto para outras atividades’, com a sua vinculação a atividades marginalizadas.”

A redução da mão de obra escrava nas fazendas ofereceu um segundo aspecto a ser analisado por Duarte, as migrações externas, visto que a solução adotada pelo governo foi atrair trabalhadores estrangeiros, sobretudo de regiões europeias em decadência no pós-guerra. “Eles foram atraídos pela propaganda governamental de que o Brasil era a ‘terra prometida, onde se plantando, tudo dá’. A promessa era de que viriam para atividades rurais e, com algum tempo, poderiam se tornar independentes e adquirir suas próprias terras. Na realidade, muitos acabaram por se endividar com os proprietários, criando um vínculo permanente; mas outros foram para a região urbana, sendo que parte deles já tinha experiência na indústria da Europa.”

O professor denomina “movimentos populacionais internos” o terceiro fator que contribuiu para a origem do desemprego no país, levando em conta as migrações dos outros Estados para o Sudeste, onde eclodia o setor industrial. “Convém lembrar que o Norte estava em decadência depois do ciclo da borracha, bem como o Nordeste, depois do café. Entre esses movimentos consideramos também o êxodo rural, envolvendo parte da população vinculada ao campo – incluindo imigrantes europeus – que vai atuar na indústria ou em atividades urbanas surgidas em torno dela.”

Dados precários

Pedro Duarte observa que os dados dos anos 40 e 50 são bastante precários, ainda mais em comparação com o amplo conjunto de informações sobre o mercado de trabalho hoje disponível. “Os dados são de um documento do IBGE, ‘Estatísticas Históricas do Brasil’, com diversas informações sobre empregados dos setores público, privado e de serviços, mas sem oferecer microdados dessas categorias. Ainda assim, foi possível realizar três cálculos: número de pessoas em ocupações formais; desempregados que buscavam alguma atividade (incluídos na população economicamente ativa); e trabalhadores em atividades marginais (não vinculadas aos setores industriais modernos), a maioria em serviços pessoais. Não consideramos esta categoria de marginalizados como de desempregados, e sim como trabalhadores vinculados a atividades bastante precárias, instáveis e em condições de vulnerabilidade.”

Conforme o pesquisador, os dados mostram uma elevada expansão do emprego urbano nos anos 40 e 50, período de intenso crescimento da indústria, com absorção de trabalhadores não apenas nesta atividade, mas em outras dela decorrentes, especialmente no setor de serviços. “A partir desta perspectiva, observamos que a tese de Marx, naquele momento, não explica o desemprego vinculado à indústria, já que existia crescimento do setor e também do emprego. Sugerimos que esta dinâmica de substituição do homem pela máquina vai ocorrer nas décadas seguintes, a partir dos 60.”

Os dados daquelas duas décadas permitiram a Duarte constatar que o emprego cresceu também nas atividades marginalizadas, como por exemplo, no conjunto de serviços pessoais (manuais). “Trata-se, realmente, de um momento importante para o mercado de trabalho no país, não somente por haver um crescimento de produtividade, mas porque nesse mesmo período temos a Consolidação das Leis do Trabalho – conjunto de leis que veio regulamentar o mercado e assegurar uma série de direitos aos trabalhadores, ainda que para uma faixa estreita deles.”

Outro aspecto que o autor discute na tese é a opção por imigrantes para as atividades industriais no Sudeste, quando os números mostram que na época de incentivos governamentais para a imigração, havia mão de obra nacional disponível e suficiente para atender à demanda. “No debate teórico e histórico sobre o porquê dessa opção, apontamos dois aspectos: o primeiro estende o preconceito contra o ex-escravo para os brasileiros em geral, que seriam preguiçosos e não se submeteriam a um regime de trabalho com número de horas e ritmo preestabelecidos. A outra argumentação é de que para o governo ficava bem mais barato trazer imigrantes do que formar a mão de obra local.”

Flexibilização

O economista lembra que, desde o Plano de Metas, fundamental para os anos 50, o país passou por diversos planos de industrialização, notadamente no regime militar, com a emergência de um conjunto de atividades que multiplicou as possibilidades de emprego para os trabalhadores. “Tanto que na década de 70 tivemos um grave problema de falta de mão de obra qualificada, devido a atividades para as quais não foram formados trabalhadores em número suficiente para atender à demanda destas indústrias. Paralelamente, a partir das lutas sindicais, temos inúmeras conquistas da classe trabalhadora e o fortalecimento da CLT.”

O revés, segundo Pedro Duarte, vem com a crise que atingiu o Brasil nos anos 80 e persistiu até o início dos 90. “A partir daí, e eu diria até os dias atuais, temos uma tentativa intensa e permanente de flexibilizar e desregulamentar as leis do trabalho, com a criação de mecanismos pautados no argumento do empresariado de que essas leis representam um peso excessivo para a indústria. Vemos, por exemplo, a proliferação de PJs [pessoas jurídicas], a participação nos lucros e resultados, as carteiras assinadas com valor abaixo do que o empregado recebe efetivamente, etc. São mecanismos que vão sendo individualmente implantados, mas que em seu conjunto representam uma série de perdas para o trabalhador, seja na remuneração permanente, seja pelo impacto na aposentadoria.”

Ao comentar os resultados de sua tese de doutorado, Pedro Duarte conta que uma de suas preocupações – “cara ao Instituto de Economia” – foi procurar demonstrar como as questões históricas ajudam a compreender a dinâmica da economia, as relações presentes na contemporaneidade e as transformações possíveis para se chegar a estruturas mais justas e dignas do ponto de vista social. “E, para a pesquisa científica, creio que a contribuição foi apresentar elementos históricos que explicam melhor aspectos presentes no mercado de trabalho e, especialmente para o Instituto de Economia, o resgate de teses marxistas como da marginalidade, que, para usar o mesmo termo, tem sido marginalizada nos estudos de economia.

Publicação

Tese: “Superpopulação relativa, dependência e marginalidade: ensaio sobre o excedente de mão de obra no Brasil”
Autor: Pedro Henrique Evangelista Duarte
Orientador: Carlos Alonso Barbosa de Oliveira 
Unidade: Instituto de Economia (IE)