Edição nº 572

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de agosto de 2013 a 01 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 572

Rosa sempre gostou de canteiros

Doutora em engenharia agrícola, funcionária da Feagri
aprendeu ainda criança a lidar com a terra

“Sempre há alguém falando da vida” no canto do Laboratório de Pós-Colheita onde a pesquisadora Rosa Helena Aguiar dá assistência aos trabalhos de alunos e a seus próprios projetos de pesquisa. Doutora em engenharia agrícola, a funcionária da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) orgulha-se quando alguém pede alguns minutos de atenção para falar das coisas da vida. Até porque foi o alicerce de sua edificação humana que lhe trouxe o diploma de engenheira civil e, mais tarde, os títulos de mestre e doutora em engenharia agrícola. Aprendeu a lidar com a terra, com as plantas desde a infância e, quando migrou do Laboratório de Análises Patológicas do Hospital de Clínicas para a Feagri, jamais imaginou que faria seus experimentos com girassóis numa área que a acompanha desde sempre.

“É a voz do sangue. Até para ser doutora peguei na enxada, e me orgulho disso. Não foi nenhuma transição, sempre fui da roça”, declara, enquanto lembra as cavalgadas em busca de bois ao lado do pai. Na Feagri, quando todos os amigos ou alunos estavam muito ocupados e não podiam ajudá-la, ela nem esperava ajuda, ia a campo sozinha, na companhia de uma enxada, e adiantava seus experimentos. “Se meu pai não tivesse me ensinado a segurar uma enxada, não teria feito esse doutorado, não”, declara.

 

Preparar o solo, cobrir a semente e cuidar da irrigação dos girassóis estudados na tese defendida em 19 de julho não foi tarefa difícil. Para Rosa Helena, o trabalho torna-se muito mais verdadeiro ao envolver a própria história. A ajuda dos técnicos e dos alunos sempre foi bem-aceita. Na cidade de Elias Fausto, interior de São Paulo, todos os amigos gostavam de atuar na roça e este convívio aumentava o gosto de Rosa Helena por esta atividade. Muitas vezes, ao tomar algumas decisões, lhe vinha aquela frase que quase todas as pessoas gostam de dizer: “Meu pai fazia assim. Aprendi desse jeito. Se aqui meu pai estivesse, apoiaria este jeito que fiz.” A casa de 16 cômodos na propriedade do pai, criador de bois e em alguns momentos produtor de milho, algodão e tomate, abrigava nas férias os primos da extensa família, que não se importavam de “brincar de trabalhar”.

Nada de pegar pratos e ir para frente da TV na hora de jantar. Além de ensinar a lidar com o campo, seu Suzano sempre tinha uma história para atrair a atenção da família ao redor da mesa, inclusive sobre as brincadeiras que fazia com os amigos. Suas memórias acabam oferecendo enriquecimento cultural aos filhos e aos sobrinhos. “Acho que ele fazia por conhecimento. Estudou até o terceiro ano de escola, mas gostava muito de ler. Ele não tinha diploma, mas tinha conhecimento muito maior que o diploma. Até brinco com alunos, falando que não é o diploma que dá conhecimento para alguém. Conheço muita gente que tem diploma e não tem o conhecimento que ele tinha.”

O pai até chegou a pensar um dia que mulher não precisava de diploma, mas quando Rosa Helena decidiu deixar Elias Fausto para fazer o curso técnico em química no antigo Colégio Técnico Conselheiro Antônio Prado (hoje Etecap), não hesitou em dar apoio. Ela, que se tornou uma boa leitora por influência da mãe, que foi professora do Senai quando solteira, abraçou a oportunidade e passou a viajar diariamente para Campinas. No segundo ano, já com 18 anos e selado algumas boas amizades, veio morar em Campinas. Emociona-se ao lembrar dos tios carinhosos que a acolheram na cidade que mais tarde adotaria para trabalhar e estudar na Unicamp.

Por começar a estudar mais tarde, era sempre a mais velha da turma e o instinto de ajudar inegavelmente lhe acompanhava. Aos 17, era a conselheira da turma de 15. E hoje, é a “palpiteira” no projeto dos alunos, dos quais tem grande respeito. O trabalho com estudantes mais jovens é uma realização. “Não conseguiria ficar uma vida toda realizando trabalho administrativo, apesar de valorizar muito”, pontua. Não pensa em ser professora, mas acredita que faz esse papel no dia a dia ao auxiliá-los, ainda que não seja no púlpito de uma sala de aula. Com eles, ela participa de congressos de sua área. “Mas me envolvo. Cresci fazendo isso. Tanto aqui, quanto em casa ou até mesmo na igreja”, brinca. Por mais que os rostos e as energias mudem a cada ano, Rosa Helena empresta o vigor de quem está chegando e segue em frente. Aposentada desde o ano passado, enfatiza: “Não preciso parar porque gosto do que faço.”

No dia a dia como pesquisadora, ela pode ver sempre algo diferente acontecendo, pois os resultados de seu trabalho aparecem a cada dia, por conta da diversidade de questões tratadas pelos alunos. Para ela, é uma forma de viver aprendendo. “Trabalhamos com grão, armazenamento, frutas e hortaliças. Todo dia oferece algo diferente, um dia mexo com uva, outro com feijão. Nuca chega a ser chato, pois nunca sei exatamente o que vou fazer em determinado dia. E os alunos são ótimos. Tanto de iniciação quanto os de mestrado e doutorado. Dei a sorte de trabalhar com aquilo que queria. Muitas pessoas da Unicamp não conseguem se inserir na área de formação.”

A mulher admitida no HC como técnica em química, em 1985, não esboça qualquer expressão de descontentamento com sua trajetória profissional e pessoal. Dificuldades sempre existem – principalmente quando o vestibular da Fuvest, a graduação, o trabalho e a maternidade acontecem junto –, mas os “anjos” também aparecem nesse momento. Mesmo sem criar expectativa, Rosa Helena foi aprovada no vestibular para cursar engenharia civil no campus de Limeira (Ceset), quando a FEC ainda funcionava lá. Neste momento, contou com a dedicação da babá e do então marido, que apesar de não estarem mais juntos, ela faz questão de reconhecer que “o marido santo ficava ajudando”. Como na época ele comandava a cantina da Feagri com o irmão de Rosa Helena, buscava as filhas na creche da Unicamp e depois levava para a casa. “Na hora de ir embora, era ele que ficava cuidando das meninas. Foi mãezona porque sempre foi muito companheiro. Sem ele eu não teria prosseguido. Ele que dava banho, alimentava, colocava para dormir, e eu ia estudar. Foi sacrificante para elas e para mim. O curso que fiz não foi fácil. Passei muitas madrugadas em cima de prancheta. Agora tudo está informatizado. Apanho no computador. O duro é acompanhar. Ainda tenho as canetas”, brinca. Todos contribuíram para a realização do sonho de se graduar na Unicamp. “Não fui a primeira colocada, mas venci e estou aqui até hoje.”

O doutorado na linha de reuso de esgoto, para tratar da cultura de girassol, foi iniciado 20 anos depois da graduação, pois Rosa julgou importante para seu trabalho. Dessa vez, os alunos ajudaram com muitos palpites. A experiência a tornou especialista em sementes e hoje é assistente em disciplinas da área. Como engenharia civil, afirma: “Fiz minha casa e de um casal de sobrinhos, como presente de casamento.”

A administração de tarefas diárias se torna mais complexa com as pesquisas, que, muitas vezes, avançam a noite. “Tem de ser boa funcionária e boa estudante. Mas como meus projetos estavam relacionados à área dos alunos levamos com tranquilidade. Fiz o doutorado sem pressa, em quatro anos.” Neste momento, as pequenas da época da graduação já estavam graduadas, uma em nutrição e outra em biologia. As duas também estudaram no Etecap.

Pelos colegas, Rosa Helena é lembrada por gerenciar várias coisas ao mesmo tempo. “Gosto muito de ler e isso ajuda a ser dinâmica em minhas atividades. E sou muito curiosa. Ajuda ser enxerida.” Quando estudante, adorava ter de pesquisar na biblioteca e um de seus principais investimentos foi uma enciclopédia Barsa. “Hoje os jovens não querem ler, gostam de assistir. Pesquisam rapidamente, não debruçam sobre o que leem. Aprendem menos. A vontade de folhear quando íamos buscar um texto referente a determinado assunto nos fazia aprender mais”, recorda.

Foi entre as folhas de papel e as folhas dos canteiros que Rosa escreveu uma história repleta de sonhos que, nas mãos de outras pessoas, talvez não tivessem sido realizados. No caderno de escola, registrou as evidências científicas, que lhe deram bagagem profissional. Do caderno da vida, colhe a sabedoria dos mestres. Esta é só sua. Ninguém interfere. Está na alma. Na “voz do sangue”, que só pode ser ouvida por quem dá valor.

 

Comentários

Comentário: 

Olá, Rosa.

Bela trajetória, parabéns.

Clóvis

Comentário: 

Rosa Helena.
Parabéns pelo Doutorado e pela bela história de vida. Causa-me estranheza, porém, o texto não citar o nome do Prof. Durval Rodrigues de Paula Junior, seu orientador e responsável pela implantação do sistema de tratamento de esgoto onde a pesquisa foi desenvolvida.

Comentário: 

Parabéns minha irmã, fui parceira dessa sua caminhada e sei quanto foi trabalhoso chegar onde chegou, principalmente tendo que curtir a saudades dos nossos queridos pais dos quais nos orgulhamos por ter-nos ensinado a trabalhar com a enxada aos 12, 13 anos e se fazia necessário na época, agradeçamos a Deus sempre e que Ele continue iluminando seus caminhos e nos protegendo. Beijos no coração.

Comentário: 

Congratulo-me e felicito-a pela obtenção do seu merecido título de Doutor, ao tempo que reafirmo meus agradecimentos pelo apoio nos meus primeiros passos no Laboratório de Sementes quado do início da minha pesquisa para a Tese aí na FEAGRI.