Edição nº 572

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 26 de agosto de 2013 a 01 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 572

Técnica usa energia elétrica
para tratamento de efluentes

Docente da FEQ adota a eletroflotação
e obtém redução drástica de sólidos suspensos

Um dos grandes problemas ambientais enfrentados em todo o mundo é o da poluição dos cursos d’água decorrente da atividade industrial. Em consequência, é cada vez maior e mais rigoroso o controle público sobre essas atividades, mesmo em países periféricos. Considere-se, ainda, que a crescente expansão das indústrias aumenta a demanda de água utilizada por elas em processos, situação agravada em regiões de oferta escassa. Estes fatos impõem cuidados na coleta em rios, lagoas, poços artesianos, com a otimização de uso e preocupação com o retorno da água pós-utilizada (efluentes), particularmente para os rios. O problema é enfrentado submetendo a tratamento adequado as águas dos efluentes industriais para que cheguem aos rios sem os poluentes. Costumeiramente, uma estação de tratamento de efluente (ETE) envolve várias etapas. Em uma delas, em que ocorre o denominado tratamento primário, utilizam-se tradicionalmente produtos químicos para remoção de sólidos suspensos, promovendo a floculação que dá origem a sobrenadantes e precipitados. Nas ETEs industriais, a maioria de grande porte, o tempo gasto para o tratamento completo é de 7 a 10 dias, em média.

Desde o início dos anos 2000, o professor João Sinézio de C. Campos, do Departamento de Engenharia de Materiais e de Bioprocessos, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, vem se dedicando a pesquisas que visam contribuir com técnicas para tratamento de efluentes, utilizando somente corrente elétrica, conhecida por eletroflotação. Ao empregar essa técnica já conhecida, chamou a atenção do pesquisador os resultados obtidos ao utilizá-la em tratamentos de efluentes de refinaria de petróleo, indústria têxtil e de papel. Surpreendeu-se com os resultados, que mostraram drástica redução de sólidos suspensos, com consequente clarificação da fase líquida em curto tempo de tratamento em relação às técnicas tradicionais. Ele constatou que, enquanto nos métodos tradicionais o tempo de tratamento se estende por 10 a 15 dias, dependendo dos tipos de contaminantes envolvidos, os resultados decorrentes do emprego da eletroflotação são conseguidos com a mesma eficiência em uma hora ou menos. Com a vantagem de não envolverem a utilização de produtos químicos. Segundo o pesquisador, os resultados obtidos com o tratamento impressionaram sobremaneira os diretores das empresas envolvidas nas pesquisas.

Com formação em física, o professor foi convidado, em 1995, a participar do então Departamento de Tecnologia de Polímeros da FEQ/Unicamp, colaborando no desenvolvimento de polímeros condutores de eletricidade, dedicando-se posteriormente a outras áreas de pesquisa como as de síntese e caracterização de polímeros, modificação de superfícies poliméricas, aplicações de ultravioleta, descarga corona, ultrassom, entre outras. Mesmo antes de chegar à Unicamp, movido pelo interesse nas transformações eletrolíticas, se deu conta de que a água turva da chuva clareava quando submetida à eletrólise.

Foi quando constatou que o uso da eletricidade no tratamento de efluentes, embora conhecido, era muito pouco utilizado, mesmo em países de tecnologia avançada. Acabou se envolvendo pela primeira vez com essa tecnologia quando, por acaso, foi solicitado a resolver um problema enfrentado por uma entidade religiosa que tinha o cultivo de flores comprometido pela água proveniente de um rio contaminado pelo chorume oriundo de uma fábrica de balas. Nessa oportunidade, colaborou na construção de um reator composto de placas paralelas (tipo colmeia), utilizando material inoxidável, uma fonte de tensão e uma cuba com capacidade para 50 litros. Uma vez montadas as placas no interior da cuba, conectada a fonte de tensão e preenchida a cuba com o efluente, a corrente elétrica é então aplicada.

No decorrer do processo, por ação da corrente elétrica, ocorrem transformações nos componentes do efluente que levam à flotação, com formação de sobrenadante e precipitação, do que resulta remoção dos sólidos suspensos e consequente clarificação do efluente. Esse método, que leva ao clareamento progressivo da água pela remoção de uma série de partículas indesejáveis, revelou-se extremamente eficiente, o que é comprovado por uma série de medidas específicas.


Testes

Já na Unicamp, o docente recebeu um aluno de pós-graduação, técnico da Replan, que o procurou para trabalhar com polímeros condutores. Surgiu então a ideia de utilizá-los para o tratamento de efluentes. Confessa que inicialmente se assustou com o tamanho do efluente da refinaria, que libera 500 metros cúbicos de água por hora. Os testes de bancada realizados com um reator de 50 litros levaram a resultados considerados excelentes, principalmente se considerado que em laboratório muitos pesquisadores se utilizam de pequenos volumes, em geral abaixo de um litro.

Nos estudos que realizou na sequência, o pesquisador testou reatores fabricados com alumínio, ferro, aço inoxidável, cobre, além de polímeros condutores, de forma a selecionar o material mais adequado a cada tipo de efluente. Em 2008, ao participar no Chile de um congresso internacional organizado pela indústria têxtil, uma das que convivem com grandes problemas de poluição, ganhou o primeiro prêmio apresentando resultados de tratamento de efluente têxtil em um reator com placas paralelas e colmeia de alumínio. Foi convidado para o congresso seguinte, a ser realizado no Peru dois anos depois, para apresentar um reator de cobre, de particular interesse para países como Chile e Peru, que detêm grandes jazidas do metal. Razões de saúde o impediram de comparecer. Posteriormente projetou um reator de cobre, construído por um dos seus alunos de pós-graduação, que o testou e utilizou com sucesso em sua empresa têxtil. Neste caso, informa ele, cerca de 70% da água tratada por eletroflotação pode ser retornada ao processo e a parte restante utilizada para lavagem de chão e banheiros, fatos que por si comprovam a eficiência da técnica.

Embora os resultados conseguidos pelo professor Sinézio, com base no emprego do sistema se relevem muito promissores, ele não tem conhecimento de grandes empreendimentos no mundo envolvendo essa técnica. Por essa razão acha fundamental ampliar o trabalho com estudos de viabilidade, realizando o levantamento dos custos dos reatores, que devem ser calculados com dimensões adequadas a cada caso, do desgaste das placas, dos consumos de energia, de forma a poder comparar os resultados com os processos convencionais, que utilizam produtos químicos. “Não temos condições ainda de projetar um reator de grande porte. Estamos ainda na fase de reunião de dados que permitirão fazê-lo ou não no futuro. Faz-se necessário montar um reator em escala piloto, com capacidade de um a dois mil litros e repetir os testes. Sei vagamente de algumas experiências de grande porte realizadas e que talvez possam a vir a contribuir com subsídios. Volto a frisar que não inventei o sistema, apenas o estou resgatando e tentando colaborar para o estudo de sua viabilidade, quer empregado isoladamente ou em conjunto com outras técnicas”, esclarece ele.


Alcance

Na escala que adotou em seu reator (50 L), ele tem constatado que um tratamento que demanda hoje uma ou duas semanas passa a ser realizado em 20 minutos. Julga que os resultados de que dispõe o credenciam afirmar que o sistema pode ser extrapolado para escalas bem maiores. Um projeto envolvendo mil litros que seria desenvolvido com a REPLAN acabou truncado com a transferência da chefia. Tratava-se de um tratamento contínuo e o cálculo era de que entre a entrada da água bruta e a saída da água tratada devia transcorrer uma hora e vinte minutos.

Para o professor Sinézio, “o principal enfoque da pesquisa é o da investigação de uma técnica que possa vir a servir de opção em processos de tratamento de efluentes. Uma técnica única bem provavelmente não será suficiente para abarcar uma ampla gama de contaminantes”.

A proposito da variedade de soluções e alternativas, ele menciona um projeto em que utiliza tanques acoplados de modo que no primeiro se retire inicialmente e mais rapidamente a parte espessa de sólidos dispersos para, na sequência, processar-se o clareamento definitivo. Esse sistema permitiria a utilização de potências adequadas a cada estágio e para vários volumes.

A preocupação do pesquisador também é a de procurar localizar a existência de um sistema de simulação computacional que pudesse vir a ser utilizado no estudo da viabilidade desses tipos de processos, o que viria a facilitar sobremaneira o estudo, pois já dispõe de muitos dados que podem nortear projetos futuros. Ele faz questão de enfatizar que tem desenvolvido seus trabalhos construindo os equipamentos e adaptando componentes de forma a realizar uma pesquisa básica a custos muito baixos: “Os trabalhos que orientamos desenvolveram-se praticamente a custo zero. A fonte de tensão, por exemplo, resulta do aproveitamento de fontes descartadas de computadores, nas quais são feitas modificações para obter correntes elétricas elevadas, maiores que 20 ampères para tensão de 15 volts”, conclui.

Comentários

Comentário: 

Achei muito interessante o assunto e gostaria de saber se tem algum artigo publicado sobre o assunto?
Obrigada

luizabepgzz@gmail.com