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A porcelana que vira concreto
Engenheiro substitui areia e pedra por
componente de isolador elétrico

 

CARMO GALLO NETTO

Na cidade de Pedreira, a 40 km de Campinas, estão os dois maiores fabricantes de isolantes elétricos de porcelana branca do país, com produção anual estimada em 30 mil toneladas. Cerca de 80% dessa produção se destina à substituição periódica de isoladores instalados em hidrelétricas e principalmente em redes de distribuição de energia, sendo o restante utilizado em novas usinas e ampliação de redes. A troca dos isoladores ocorre em média a cada dez anos devido ao desgaste e à dificuldade em substituir a parte metálica interna ao corpo cerâmico. A legislação brasileira obriga os produtores a recolher as peças substituídas, o que gera um resíduo de aproximadamente 25 mil toneladas por ano, pois apenas 3% do material recolhido é reutilizado na produção de novos isoladores. Em decorrência, as fábricas mantêm pátios de peças obsoletas. Empresas sucateiras compram estes isoladores inservíveis de porcelana, principalmente em leilões das concessionárias de distribuição de energia, apenas para reciclagem dos metais, sem nenhuma utilização do corpo cerâmico, não raro descartado indevidamente na natureza.

Pesquisas de materiais recicláveis e inservíveis para utilização na construção civil são desenvolvidas no mundo há seis décadas e no Brasil nos últimos anos. Um problema que espera solução é o da utilização da cerâmica branca, caso dos isoladores elétricos. Essa lacuna levou o engenheiro civil Marco Antonio Campos a desenvolver análise microestrutural e de propriedades mecânicas e de durabilidade em argamassas e concretos em que os agregados areia e pedra são substituídos pelos obtidos na moagem de isoladores de porcelana.

A porcentagem de substituição dos agregados comuns por resíduos cerâmicos varia principalmente entre 20% a 50%, mas há casos que recomendam a substituição total. Constituiu objetivo do trabalho a criação de uma metodologia para a utilização dessa porcelana em substituição à areia e à brita na argamassa e no concreto, em vista da similaridade desta cerâmica com os agregados miúdos e graúdos tradicionalmente utilizados. Os testes realizados pelo pesquisador com corpos de prova fabricados com a substituição total dos agregados comuns pelos cerâmicos revelaram um aumento de 50% da resistência do novo material em relação ao convencional.

O corpo de prova produzido a partir da porcelana suportou 100 toneladas antes de romper, o que corresponde ao peso de duas carretas com carga máxima. O corpo de prova produzido a partir do concreto comum suporta no máximo 70 toneladas. Os estudos, orientados pelo professor Vladimir Antonio Paulon, foram desenvolvidos no Laboratório de Materiais e Estrutura da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura (FEC) da Unicamp e a tese que lhe deu origem foi apresentada ao Departamento de Recursos Hídricos, Energéticos e Ambientais da Faculdade.

Nova mistura

O trabalho de Campos, iniciado no mestrado, orientou-se, à época, particularmente para a verificação das propriedades mecânicas dos produtos em que a areia e a brita foram substituídas por pó e pedrisco obtidos da moagem da porcelana. Diante dos bons resultados, o pesquisador resolveu no doutorado continuar e expandir a pesquisa com o objetivo de explicar o aumento da resistência conseguida com o emprego da nova mistura. Passou então a dedicar-se mais especificamente ao estudo da microestrutura para entender a durabilidade e a resistência da argamassa e do concreto obtidos.

Verificou, também, o efeito da camada de esmalte que recobre os isoladores que, segundo alguns estudiosos, seria responsável por efeitos que impediriam a utilização desse material. O autor esclarece que a porcelana é durável e altamente resistente a agentes químicos, biológicos e a forças de degradação física. Sua utilização em concretos e argamassas visa potencializar diversas propriedades, além da redução de custos. Constituídas basicamente por silício e alumínio, responsáveis pela hidraulicidade potencial, melhora o índice de atividade pozolânica – relativa ao endurecimento – quando utilizada em concretos e argamassas.

Perseguindo maiores durabilidades e resistências, o pesquisador realizou ensaios que permitissem chegar à melhor proporção entre cimento Portland, pó cerâmico e pedrisco de cerâmica, que é a de 1:2:3, respectivamente. Esta é também a proporção mais empregada no Brasil na produção do concreto que utiliza cimento, areia e brita (pedra). Para efeito de comparação, Campos preparou e testou concretos obtidos através dos dois processos. Os resultados se revelaram melhores ao utilizar pó de porcelana de granulação fina, em substituição à areia, e pedrisco de porcelana, que corresponde à brita número zero.

Além de testar esse novo tipo de concreto, ele fez alguns ensaios com argamassa. “Verifiquei que quanto mais fino o pó resultante da moagem da cerâmica, melhor o concreto. Empregando uma granulometria semelhante ao cimento consegui melhorar as propriedades da argamassa e cheguei à conclusão que a cerâmica finamente granulada poderia ser adicionada ao cimento em determinadas proporções sem lhe comprometer as propriedades”, afirma.

O pesquisador explica que o cimento comercializado já recebe adição de uma série de materiais que possuem propriedades pozolânicas, assim chamadas por contribuírem para o seu endurecimento. A cerâmica também tem propriedades pozolânicas e, por isso, sua adição ao cimento comum na proporção em torno de 5% mantém suas características de endurecimento quando em contato com a água, garantindo a resistência. Ele explica que, na verdade, seguindo exigências das normas técnicas, verificou preliminarmente a resistência da mistura de cimento com o pó de cerâmica.

Diante da constatação do real efeito pozolânico da cerâmica finamente dividida, pode prever sua ação na dureza da mistura resultante do pó cerâmico, do pedrisco de cerâmica e do cimento comum. Esta constatação o levou a propor então a comercialização de um novo tipo de cimento que recebe a adição de pó de porcelana. O efetivo aumento da resistência nos concretos por ele obtidos o leva a sugerir a produção desse cimento como contribuição para o descarte dos resíduos de isoladores de cerâmica empilhados nos pátios dos fabricantes. Segundo Campos, “considerando 5% de substituição do cimento por pó cerâmico e as 25 mil toneladas de isoladores descartados anualmente, a quantidade do novo cimento obtido seria suficiente para a produção de um milhão de m³ de concreto, que corresponde praticamente a todo o concreto consumido na região metropolitana de Campinas durante um ano”.

Resultados

A análise da microestrutura mostra como se dá a união dos vários tipos de materiais que compõem o novo concreto e permite uma comparação com o que ocorre no concreto convencional, já sobejamente estudado. Ela permite entender o aumento da durabilidade e da resistencia mecânica, além da influência da camada de esmalte superficial do isolador. Com efeito, constata Campos, o processamento da cerâmica aumenta as propriedades pozolânicas do material, relacionadas ao endurecimento e posterior aumento de resistência. Com base na microestrutura, o pesquisador concluiu que o processo de endurecimento do concreto comum tem similaridade, em termos de composição e união dos componentes, com o que se verifica na nova mistura proposta. Com a vantagem do aumento da resistência. Paralelamente, o emprego do novo cimento proposto conduziu aos mesmos resultados que o cimento Portland. Estas constatações o levam a afirmar que “os materiais testados são eficientes e podem ser usados. Há disponibilidade de matéria-prima, basta que sejam definidos os nichos de mercado economicamente mais viáveis”.

Campos conclui dizendo que a reutilização de um material pozolânico como a porcelana traz vantagens econômicas devido ao menor consumo de energia na produção do cimento, já que o isolador quando queimado adquire propriedades similares ao cimento; e reduz as emissões de gás carbônico – devido à substituição parcial do cimento, cuja produção exige queima; reutiliza os isoladores que acabam descartados na natureza. Entre as vantagens técnicas, ele menciona melhora das propriedades mecânicas de resistência e deformação; resistência aos ataques químicos; aumento da impermeabilidade devido à menor porosidade; menores tempos de início e fim da cura; e constatação de que a camada de esmalte dos isoladores não apresenta problemas, ao contrário do que consta da bibliografia disponível.

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■ Publicação

Tese: “Análise microestrutural e das propriedades mecânicas e de durabilidade de argamassas e concretos com isoladores elétricos de porcelana”
Autor: Marco Antonio Campos
Orientador: Vladimir Antonio Paulon
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura (FEC)

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