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A segunda onda de concertações sociais
Livro reúne importantes textos sobre conceito que surgiu na década de 70 na Europa

LUIZ SUGIMOTO

O professor Jorge Ruben Biton Tapia, um dos organizadores da obra: “É  preciso complementar as instâncias de discussão que já existem na democracia representativa” (Foto: Antoninho Perri)Pactos sociais, globalização e integração regional (Editora da Unicamp) é um livro que pretende trazer para o Brasil a discussão sobre o conceito de “concertações sociais”, que foi utilizado como instrumento para reformas no Welfare State e no mercado de trabalho na Europa. A obra reúne textos produzidos pela literatura internacional, juntamente com contribuições
de autores brasileiros.

Na entrevista que segue, o professor Jorge Ruben Biton Tapia, um dos organizadores e co-autor de um capítulo do livro, explica que o conceito de concertação social nasceu no contexto europeu dos anos 1970, quando foi possível fazer negociações entre Estado, empresários e trabalhadores através de organizações empresariais de cúpula, com uma agenda baseada na moderação entre salário, emprego
e aumento dos gastos sociais.

Segundo Tapia, este modelo aparentemente tinha se esgotado diante das políticas neoliberais dos anos 80, mas na década seguinte surgiu uma segunda onda de concertações sociais, com número maior de atores e uma agenda também ampliada por temas como meio ambiente e política regional. Na opinião do professor, em sociedades complexas, desiguais e assimétricas como as atuais, a concertação social e os mecanismos de negociação são os instrumentos em que devemos apostar para tomar decisões coletivas.

Jornal da Unicamp – Concertação social é um termo incomum mesmo na literatura da ciência política. Pode explicar do que se trata?
Jorge Tapia – O conceito de concertação social nasceu nos anos 1970, relacionado ao chamado neocorporativismo, para explicar as políticas elaboradas que tinham por base estruturas de representação de interesses centralizadas, às quais se associavam organizações de cúpula sindicais e empresariais. A concertação consiste na elaboração de políticas públicas através de negociações entre Estado, empresários e trabalhadores através de organizações sindicais e empresariais de cúpula. Aqui, uma organização de cúpula equivalente seria a CNI [Confederação Nacional da Indústria], embora nunca tenha desempenhado este papel no Brasil.

JU – O que se negociava nessas organizações de cúpula?
Jorge Tapia – A agenda nos anos 60 e 70 estava muito baseada na moderação entre salário, emprego e aumento dos gastos sociais, isto é: a expansão do Welfare State [Estado do Bem-estar] em troca da negociação salarial ao invés de greve, e assim por diante. Esta era a idéia do neocorporativismo e a concertação é a política baseada neste tipo de negociação.

Diante da liberalização dos anos 80, ocorreu uma descentralização muito grande da negociação, que antes era feita em nível nacional e passou para o nível setorial e das empresas. Ao mesmo tempo, a política keynesiana foi sendo substituída pelas políticas neoliberais, que enfatizavam o papel regulador do mercado – embora o Estado nunca tenha saído totalmente deste processo.

Com a retração do keynesianismo e a desregulamentação e a descentralização das relações industriais, o modelo anterior de concertação social também sofreu abalos. Entretanto, já no final dos 80, mas sobretudo nos 90, houve uma espécie de segunda onda das concertações sociais, que são diferentes daquela dos anos 60 e 70.

JU – E quais foram as mudanças?
Jorge Tapia – Mudou a agenda, por exemplo. Temos um processo de ajuste do Welfare State, o que não significa seu desmantelamento, mas uma redução e uma reversão da sua tendência de crescimento. Por outro lado, a agenda é ampliada por questões como meio ambiente e política regional, embora o núcleo básico contemple as questões anteriores. E o número de atores também se altera, somando-se ao Estado, às associações empresariais e aos sindicatos, os governos regionais e as associações setoriais (não apenas as de cúpula), entre outros.

JU – Em que medida a consolidação da União Européia influi para esta segunda onda de concertações sociais?
Jorge Tapia – A unificação jogou um papel importante, que os autores do tema denominam como o ‘vínculo externo’. Com o Tratado de Maastricht [que promoveu a união monetária européia em 1992] e a determinação do limite de 3% de déficit público para poder entrar na zona do euro, uma série de economias nacionais tiveram que se ajustar. E o mecanismo para este ajuste, que no fundo significava criar um mínimo de convergência entre os diferentes atores da sociedade, implicou justamente em políticas negociadas, concertadas.

JU – Qual é o propósito da publicação deste livro?
Jorge Tapia – O livro reúne alguns dos textos mais importantes sobre as concertações sociais nos anos 90, num esforço para trazer uma discussão que acontece há quinze anos na Europa, mas que praticamente inexiste no Brasil. Mesmo aqueles que se dedicam ao tema, talvez saibam pouco, até porque a partir dos 80 achou-se que o assunto estava esgotado. Eu, inclusive, descobri que ele tinha renascido por acaso, ao realizar pesquisas para um paper solicitado para um seminário.

JU – Por que o senhor considera esta discussão importante para o Brasil?
Jorge Tapia – Antes, devo admitir que esta discussão causa certa desconfiança. No imaginário político e social brasileiros, pactos sociais são iniciativas que nunca funcionam, seja por causa de uma crise econômica que varre a possibilidade de consenso, seja porque os atores dominantes recusam-se a negociar, ou ainda porque o Estado não parece verdadeiramente interessado.

Entretanto, penso que a discussão é pertinente para o país porque desde a Constituição de 88 tem havido um processo de adensamento do associativismo. Podemos usar como parâmetro a criação de diversos conselhos em áreas como de educação, saúde e assistência social. E o associativismo, na verdade, é o tecido básico para promover concertação social, isto é, políticas negociadas entre atores relevantes.

JU – Os conselhos não seriam vítimas da mesma desconfiança quanto a resultados práticos?
Jorge Tapia – É uma experiência complexa, que está muito no início e que ainda causa polêmica, pois os conselhos funcionam em alguns casos e menos em outros. De qualquer maneira, temos o embrião de algo novo. A isto eu associo a criação pelo governo Lula do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) em 2003, que considero uma novidade – fiz um estudo sobre sua implantação.

Este conselho é um espaço de interlocução e negociação que existe em inúmeros países, como França, Itália, Portugal, Espanha, Suécia e África do Sul. Ele não possui poder deliberativo, mas penso que é um laboratório importante por reunir empresários, sindicalistas e lideranças de movimentos sociais, exprimindo na sua representação a diversidade social do país.

A construção de uma instituição é um processo longo e complexo, quando no Brasil temos uma afoiteza típica de considerar que ela não serve simplesmente porque não viabilizou políticas em um ou dois anos. O CDES vem se adensando do ponto de vista institucional e, embora consultivo, dá ressonância aos debates, indo na direção de criar condições para discutir novas formas de concertação social.

JU – Quais são as discussões que ocorrem dentro do CDES?
Jorge Tapia – Na última reunião [06 de novembro], por exemplo, Guido Mantega e Henrique Meirelles apresentaram a visão do Ministério da Fazenda e do Banco Central sobre a crise internacional e seus impactos no Brasil, e as últimas medidas que as duas instituições tomaram. Mas é um fórum onde se discute de tudo, como por exemplo, composição do Copom, política de taxas de juros, política energética, política de comércio exterior, reforma política e reforma tributária.

A agenda é ampla e muito colada à agenda do governo, o que em si não é um problema, haja vista que em outros países se discutem temas da agenda pública, mas que em grande parte são também do governo. O que existe lá – e muito pouco aqui – é que em países como Portugal, Itália, França e Espanha o conselho produz relatórios técnicos sobre o tema, a pedido do governo, mantendo um diálogo muito próximo.

JU – Vai demorar até que o CDES e outros conselhos atinjam o mesmo nível de diálogo com o governo?
Jorge Tapia – Ainda estamos engatinhando, mas acho a experiência válida, importante e necessária, primeiramente porque é preciso complementar as instâncias de discussão que já existem na democracia representativa. Há autores que consideram os conselhos e seus congêneres como uma negação da democracia representativa, argumentando que estão subtraindo poderes do parlamento. Isto não é verdade, já que conselhos não têm poder deliberativo. Um desafio é justamente criar mecanismos de interlocução com o parlamento, o que pode contribuir para uma melhoria dos costumes políticos.

Um segundo aspecto a ser destacado é que em sociedades complexas, desiguais e assimétricas como as atuais, uma cultura da negociação, que não seja meramente paliativa, pode cumprir um papel importante. E o Brasil possui um cenário típico. A grande alternativa, agora que se contesta tanto a idéia neoliberal de que o mercado tudo regula, é criar condições para negociar e tomar decisões a partir da diversidade dos atores, sem a utopia de que todo mundo vai passar a pensar igual.

JU – A crise mundial e o aumento da desconfiança em relação ao pensamento neoliberal tornam o ambiente mais propício para a aceitação do conceito de concertação social?
Jorge Tapia – Em minha opinião, a concertação social e os mecanismos de negociação são os instrumentos nos quais deveríamos apostar como uma das melhores formas de tomar decisões coletivas. Este é o ponto central. Como eu disse, a sociedade de hoje não é a sociedade clássica do século 19, é muito mais complexa e apresenta identidades muito mais diferenciadas, com uma agenda de interesses tão ampla que torna bastante difícil encontrar um viés de classe nisso tudo.

Acho importante, inclusive, vincular uma discussão sobre estilos de vida. Já se sabe desde o Clube de Roma que este padrão de consumo per capita americano não é viável nem desejável para o mundo inteiro. É ruim enquanto qualidade de vida, pois maximiza o consumismo, e inviável do ponto de vista dos recursos disponíveis no planeta. Devemos procurar estilos diferentes de desenvolvimento, cultura e consumo, e para isso é preciso possibilitar o máximo de participação. Espero que o livro represente uma contribuição para esta discussão.

 

Pactos sociais, globalização e integração regional

Organização: Jorge R. B. Tapia,
Eduardo R. Gomes, Eduardo S. Condé

Editora da Unicamp

Páginas: 280

Preço: R$ 50

Para adquirir:
www.editora.unicamp.br/

 

 
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