Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 



Ruptura e continuidade no ensino superior
Economista analisa políticas públicas no setor nos governos FHC e Lula

Estudo de doutorado desenvolvido no Instituto de Economia (IE) revela recuperação do protagonismo do governo federal em relação a suas instituições de ensino superior a partir de 2005. Pairavam ainda dúvidas sobre o que foi feito globalmente no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) comparado ao governo Lula (2003-2010). A economista Cristina Helena Almeida de Carvalho, consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), também tinha em mente esta incerteza, a qual procurou sanar ao longo de sua tese, abordando as políticas públicas no setor, tendo como pergunta de pesquisa se os fatos havidos seriam produto de ruptura ou continuidade entre as gestões. A resposta foi ruptura e também continuidade.

O governo Lula retoma um financiamento para o segmento federal, conta a pesquisadora, recupera a sua capacidade instalada e amplia os gastos, ainda que em ritmo menos intenso que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). A mudança no perfil do financiamento deve-se à alteração na política fiscal reforçada pela retomada de crescimento. Então este é o elemento de ruptura.

Já o Programa Universidade para Todos (ProUni) veio para contemplar a demanda que buscava o ensino superior e que, no entanto, não tinha condições de pagar as mensalidades. Além disso, surgiu para amenizar os descontentamentos do segmento privado, que não conseguia se manter exclusivamente com a receita das mensalidades. Em troca de bolsas de estudos parciais ou integrais, nova renúncia fiscal foi concedida, inclusive para o segmento mercantil. “Este é o elemento de continuidade”, salienta Carvalho.

A economista expõe que a política pública deve ser entendida como uma relação complexa entre vários atores, não só o Estado. Deve abranger a interação dos atores sociais e governamentais. A pesquisadora tomou como foco um amplo período de investigação – de 1995 a 2008, comparando a política pública na área durante os dois mandatos do governo FHC e os dois do governo Lula. Uma ressalva: ela findou a discussão da tese na metade do segundo mandato do governo Lula porque os dados disponíveis do Censo da Educação Superior, efetuado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), iam somente até 2008. Os dados do ano seguinte foram divulgados no dia da sua defesa de tese.

O trabalho, orientado pelo professor do IE Francisco Luiz Cazeiro Lopreato, resultou num conteúdo de 470 páginas. A pesquisadora procurou entender a política em questão como um conjunto sistêmico, com as inovações e as mudanças ocorrendo de forma interdependente. Os elementos analisados foram a autonomia universitária, a centralização do poder decisório, a avaliação, a formação de professores, a flexibilidade curricular, a expansão e o financiamento.

Como economista, forneceu um panorama geral do seu objeto de estudo e colocou como epicentro o processo de expansão: como ocorreu com a mudança em todos os elementos e como eles contribuíram para o ensino superior, mais especificamente o financiamento. Treze anos foram descortinados.

A grande contribuição do estudo de Carvalho foi o financiamento para o segmento federal e privado. A economista pinçou a execução orçamentária no banco de dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), disponível nos portais da Câmara dos Deputados (1995 a 2000) e do Senado Federal (2001 a 2008).

O primeiro ponto essencial no segmento federal, recorda a pesquisadora, foi uma mudança a partir da segunda metade do primeiro governo Lula. Houve uma inversão do quadro que existia durante o governo FHC e nos primeiros anos do governo Lula, que era de queda nos recursos para as federais, tanto com relação a pessoal, custeio e principalmente investimento.

A comparação, efetuada por período, baseou-se em valores assentados no crescimento anual. Como foram constituídas em períodos distintos na pesquisa – no governo FHC foram oito anos e no governo Lula, seis –, o investimento em termos médios anuais caiu durante o governo FHC em 20%, ao passo que no governo Lula apresentou um acréscimo de 40%. Em 1995, em termos reais a preços de 2008, o investimento ficou em torno de R$ 400 bilhões e, em 2002, foi reduzido a R$ 85 bilhões. Em 2008, ficou um pouco acima de R$ 600 bilhões.

O grande achado da tese de Carvalho foi esse, pois corrobora a sensação, já existente, de que efetivamente houve uma recuperação dos investimentos das federais. A pesquisadora lembra que foi neste período que o governo federal implementou o programa Expansão Fase I, ampliado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) a partir de 2008, para expandir sua rede em número de universidades e de campi. Hoje, o país soma 59 federais ao todo, segundo dados oficiais do MEC do biênio 2009-2010.

Elementos
“Os dados de financiamento do ProUni foram de renúncia fiscal, então parti para a estimativa de receita da Secretaria da Receita Federal, a fim de observar os recursos que deixaram de ser arrecadados”, descreve a pesquisadora.

O ProUni, constata ela, acabou permitindo a sustentação financeira das instituições privadas e, por isso, o termo continuidade na tese, da relação do governo FHC com as escolas privadas e de prosseguirem sendo contempladas, comenta, não poderia ter outro formato, uma vez que, para usar o termo da perspectiva teórica neoinstitucionalista histórica, empregado na tese, ocorre uma dependência da trajetória existente: path dependence. “Assim, o segmento privado, que cresceu vertiginosamente desde a década de 1960, tomou uma proporção que não deve ser esquecida – mais de 70% das matrículas convergem para o segmento particular. Nem o governo pode desconsiderar este segmento. Em 2008, as instituições de ensino superior (IES) privadas detinham 75% das matrículas, 73% dos cursos e 90% das instituições”, enfatiza Carvalho.

Uma das inovações do governo FHC, opina ela, foi a criação de um aparato de avaliação, cujo carro-chefe foi o Exame Nacional dos Cursos, apelidado de Provão. No governo Lula, este foi reformulado e transformado no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), associado a um sistema de avaliação mais amplo consubstanciado no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

Avaliando a formação de professores, Carvalho procurou esmiuçar decretos e portarias. Verificou que ela perpassa duas determinações legais: a obrigatoriedade estabelecida na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de que os professores da educação básica devem ter nível superior e de que um terço dos professores nas universidades deve ter curso de pós-graduação stricto sensu.

O diferencial da tese da economista em relação a outras, que enfatizam políticas educacionais, além de sua notória abrangência, englobou o emprego da teoria neoinstitucionalista histórica para entender o fenômeno e abordá-lo de maneira integrada.
Na pesquisa, a economista procurou comprovar duas hipóteses. A primeira foi que, nas duas gestões, a política pública não sofreu determinação externa. Isso difere da interpretação de pesquisadores sobre a questão da determinação externa do Banco Mundial. “Na verdade, as políticas públicas são resultado da atuação dos atores sociais e governamentais. O Banco Mundial e a Unesco são dois atores que influenciam o processo”, explica, “contudo não a ponto de determiná-lo.”

A segunda hipótese diz respeito à política pública no governo Lula, se ela tem elementos de continuidade ou de ruptura em relação ao governo FHC. A conclusão é que o governo Lula tem elementos de continuidade, ainda que a agenda de pública de 2003 fosse outra. Os aspectos de continuidade observados relacionaram-se à indefinição quanto à autonomia universitária de suas instituições, à manutenção da centralização administrativa, ao processo de avaliação e à política para formação de professores.

Com relação à expansão e ao financiamento, há elementos de continuidade e de ruptura. Verifica-se que o movimento de expansão das escolas privadas continua, embora de forma mais lenta que no governo FHC, particularmente porque a demanda arrefeceu. “Logo, há um nível muito elevado de vagas ociosas. Então o processo, inclusive de reorganização do segmento privado, com fusões, aquisições e abertura de capital em bolsa de valores, procura melhorar a inserção das IES nesse mercado educacional tão competitivo”, relata Carvalho.

Crescimento
No mestrado, Carvalho fez um trabalho sobre o avanço das universidades privadas no país durante o regime militar. Foi um histórico de todo o período, de 1964 até 1984. No doutorado, resgatou o novo formato de crescimento. Assim, o boom das escolas privadas, que ocorreu no regime militar, aconteceu novamente no governo FHC.

A economista fez uma pesquisa documental para entender como os atores governamentais e sociais participam do processo decisório. Além do Ministério da Educação (MEC), chamaram sua atenção os atores governamentais vinculados às pastas econômicas – ministérios do Planejamento e da Fazenda – e como eles interferem na alocação dos recursos para o MEC. Dentre os atores sociais, destacam-se o Banco Mundial e a Unesco, bem como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), defensores dos interesses do segmento federal, e ainda as instituições que defendem os interesses das escolas privadas, que são a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) e a Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (Abruc).

Carvalho procurou entender como se deu o processo de expansão. A resposta foi a diferenciação institucional e a diversificação de cursos e programas. Notou-se o surgimento dos centros universitários no governo FHC, que perdeu força no governo Lula, e despontaram neste processo de expansão através dos cursos a distância, sequenciais e tecnológicos.

Os dados indicaram que os cursos sequenciais (como por exemplo os de Secretariado e de Gastronomia) perderam força no governo Lula porque são considerados de nível superior, mas não são cursos de graduação, impossibilitando a oportunidade de cursar depois uma pós-graduação e de dar acesso a melhores postos de trabalho.

Em contraposição, os cursos de tecnologia tiveram uma destacada projeção. “O segmento federal teve acréscimo expressivo não apenas nas universidades, mas também nos institutos federais. São a educação técnica e a tecnológica – uma aposta do governo Lula de focar mais iniciativas no ensino médio, de técnicos e tecnológicos de nível superior”, afirma Carvalho. A preocupação com a questão regional também já estava na agenda de FHC, porém não foi tratada. “Então, as federais estão contribuindo com este processo de maneira lenta, com a criação dos campos fora da sede”, informa.

...............................................
Publicação
Tese de doutorado:
“A política pública para a educação superior no Brasil (1995-2008): ruptura ou continuidade?”
Autora: Cristina Helena Almeida de Carvalho
Orientador: Francisco Luiz Cazeiro Lopreato
Unidade: Instituto de Economia (IE)
................................................


 
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP