O olhar polonês sobre lógica e paraconsistência

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O que une o Brasil e a Polônia? Os laços entre os dois países vão além das relações diplomáticas e da herança cultural trazida pelos movimentos migratórios dos séculos XIX e XX, que hoje se manifestam no Sul do país, sobretudo no Paraná. O olhar lógico para as contradições e inconsistências de informação e a busca por formas de trabalhar com elas dentro de bases racionais dão destaque para o trabalho de lógicos, filósofos e matemáticos dos dois países. Se, no Brasil, Newton da Costa é o grande expoente da lógica paraconsistente, na Polônia, a ruptura com a lógica clássica deve muito à herança de Stanisław Jaśkowski (1906-1965), lógico polonês responsável desenvolvimento da lógica discussiva e um dos primeiros a propor cálculos paraconsistentes.

A herança de Jaśkowski para a lógica polonesa e sua interface com a escola brasileira de lógica são temas da entrevista com Janusz Ciuciura, professor do Departamento de Lógica e Metodologia da Ciência da Universidade de Lodz e convidado da Escola São Paulo de Ciência Avançada em Lógica Contemporânea, Racionalidade e Informação - SP LogIC. Na conversa com o Jornal da Unicamp, Ciuciura explica os conceitos por trás da lógica discussiva e como as novas gerações de lógicos poloneses perpetuam a tradição do país na área.  

O termo “lógica discussiva” é uma opção feita por boa parte dos lógicos brasileiros ao tratar dessa modalidade de lógica. Segundo Walter Carnielli, professor da Unicamp e membro do conselho consultivo da SP LogIC que colaborou com a realização da série Olhares Lógicos, constam na literatura especializada de diversos países dois termos, “discussiva” e “discursiva”. Por se tratar de um pensamento voltado ao uso da linguagem cotidiana, às discussões, como será explicado ao longo da conversa, optou-se pelo uso de “discussiva”, tradução que será utilizada na edição desta entrevista.

O professor Janusz Ciuciura explica a herança de Stanisław Jaśkowski para a lógica polonesa e sua interface com a escola brasileira
O professor Janusz Ciuciura explica, em entrevista, a herança de Stanisław Jaśkowski para a lógica polonesa e sua interface com a escola brasileira

Jornal da Unicamp - Em sua aula magna na SP LogIC, você abordou o conceito de lógica discussiva e o legado de Stanisław Jaśkowski na área. Chamou minha atenção o fato de ele ter desenvolvido esse conceito a partir da observação da linguagem natural, algo diferente da abordagem de outros lógicos, que parte da matemática. Poderia explicar um pouco da ideia de Jaskowski?

Janusz Ciuciura - Vou explicar com um exemplo dado pelo próprio Jaśkowski. Imagine um grupo de pessoas discutindo um assunto. Pode ocorrer de os termos usados por eles serem vagos ou imprecisos. E cada uma dessas imprecisões pode levar a contradições aparentes, que não são não contradições de fato. Isso significa que as pessoas tendem a entender as coisas de formas diferentes. Em geral, isso não gera discordâncias, mas às vezes há diferenças de valores atribuídos às palavras, o que depende do contexto. Por exemplo, se dizemos que uma pessoa é alta ou baixa, sabemos quem é alto ou baixo pelo contexto, mas não há uma distinção clara entre esses dois predicados. Alguns podem dizer que uma pessoa é alta, e outras, que é baixa, depende do contexto, então não há nisso uma contradição lógica, é uma contradição na comunicação, há um debate acerca das palavras. Sob essa perspectiva, a lógica discussiva de Jaskowski tenta compreender a natureza desse tipo de contradição. Mas não é uma contradição como no caso do dialeteísmo. Eu, particularmente, discordo da perspectiva dialeteista. É uma questão parecida com a reflexão sobre a origem da verdade. Há um pensamento famoso, escrito por um filósofo polonês fundador da Escola Lviv-Varsóvia (Lwów-Warsaw School, conhecida pela sigla LWS), Kazimierz Twardowski. Ele escreveu tratados sobre a origem da verdade, segundo os quais a verdade é singular, não há verdades relativas. Se há espaço para alguma relativização, é porque alguma informação se perdeu. Por exemplo, se existem diferentes fontes de informação, e você diz para uma pessoa que algo é verdade e, para outra, que não é. Se você colocar essas informações juntas, no fim, é como se você falasse sobre coisas diferentes. Se incluirmos informações sobre tempo e local, podemos refletir que não há verdades extraídas de maneira lógica. É o mesmo que ocorre com as contradições. Na minha opinião, são objetos abstratos. Em essência, se há uma língua rica o suficiente para expressarmos nossa intuição, por meio de símbolos, você pode fazê-lo. Esse é um problema que vem desde o platonismo, a ideia de que você não descobre os princípios lógicos, eles existem de alguma forma. Se você tem uma ideia de contradição, essas contradições existem na realidade. Mas isso é filosófico, nada mais. Se partirmos de premissas diferentes e as aceitarmos, talvez cheguemos a outras conclusões. É uma questão de pontos de vista. Essa é a ideia de Jaśkowski: se existe uma contradição entre duas ideias, ou duas pessoas, é porque falta alguma informação.

JU - Isso me lembra um pouco a ideia da Teoria da Quase-Verdade de Newton da Costa. Há alguma relação entre elas?

Janusz Ciuciura - Você se refere ao critério segundo o qual tudo o que não for trivial na matemática é possível? Bem, não sou matemático, meu foco está na lógica filosófica. Penso ser uma das abordagens possíveis à questão, as pessoas têm percepções diferentes. O professor Newton da Costa desenvolveu uma grande ideia, algo muito original para as lógicas não-clássicas daquele período, e conquistou muito respeito dentro dessa área por isso. Mas, para mim, é mais uma das perspectivas possíveis dentro do rol de lógicas não-clássicas que podemos aceitar ou não. É uma questão que envolve os critérios aceitos. A escola brasileira de lógica se interessa mais, por exemplo, em lógicas monotônicas, que podem ser paraconsistentes, assim como outras. Qual delas está correta? Para alguns, apenas lógicas clássicas e suas variações, porque precisam dos princípios da lógica clássica. Penso que perdemos nossa intuição quando trabalhamos dessa forma. Temos várias perspectivas que convivem em harmonia e que estão abertas à discussão.

JU - Stanisław Jaśkowski e Newton da Costa desenvolveram ideias de paraconsistência, mas com abordagens diferentes e em períodos diferentes. Jaskowski morreu em 1965, época em que Newton publicava seus primeiros trabalhos. Houve algum tipo de cooperação entre eles?

Janusz Ciuciura - Não. Houve algumas colaborações, não entre Jaśkowski e Newton da Costa, mas entre ele e alunos de Jaśkowski. Lech Dubikajtis era aluno e assistente de Jaskowski, foi orientado por ele em seu doutorado. Ele se especializou em geometria, porque Jaśkowski era matemático e lógico. Houve essa cooperação entre alunos poloneses de Jaśkowski, como Dubikajtis, e o professor da Costa. Eles escreveram artigos em parceria sobre lógica discussiva. Outra pessoa que contribuiu com Newton da Costa e foi aluno de Jaśkowski foi Jerzy Kotas. Ele também era professor, mas se especializou em álgebra e propôs uma perspectiva algébrica para a lógica discussiva. Esses foram os principais que trabalharam em parceria com Newton da Costa, no sentido de terem trabalhado pessoalmente.

Lech Dubikajtis (à esquerda), aluno e assistente de Stanisław Jaśkowski (à direita): artigos em parceria sobre lógica discussiva 
Lech Dubikajtis (à esquerda), aluno e assistente de Stanisław Jaśkowski (à direita): artigos em parceria sobre lógica discussiva 

JU - E o trabalho de Newton da Costa exerceu influência no panorama lógico da Polônia?

Janusz Ciuciura - Essa é uma questão complicada, porque na Polônia temos nossa própria tradição, da Escola Lviv-Varsóvia. Temos muitos lógicos famosos, não apenas o fundador da escola, e preferimos focar nessa tradição. Acredito que é um pouco parecido com o que ocorre aqui no Brasil, vocês têm seus próprios mestres, que é o caso de Newton da Costa. Mesmo assim, alguns lógicos poloneses ignoram a lógica paraconsistente por não terem experiência com o tema, ou por não terem interesse nessa perspectiva, se interessam por outras, como a lógica deôntica, a lógica temporal. Não há na Polônia grandes mostras da influência de Newton da Costa, porque já temos a influência de nossos grandes nomes, nos inspiramos em nossos próprios lógicos. É uma espécie de consenso entre os lógicos poloneses, eles têm contato com a produção brasileira e suas contribuições, mas só isso, foi apenas mais uma contribuição no desenvolvimento das lógicas não-clássicas.

JU - A perspectiva de Jaśkowski de aplicar a lógica no estudo da linguagem cotidiana ainda é uma abordagem vigente na Polônia? Há novos fenômenos ou aplicações que chamam a atenção dos lógicos poloneses?

Janusz Ciuciura - O número de lógicos cresceu nos últimos anos, mas são pessoas que trabalham com uma lógica mais pura, mais interna. As aplicações se voltam mais para a ciência da computação, a inteligência artificial, a linguística. Algumas pessoas focam nessas aplicações, assim como ocorre nas ciências sociais, em que há ciências puras e aplicadas. Pode ser que existam algumas pessoas com esse objetivo, mas não é tão comum buscarmos aplicar a lógica para resolver problemas não-lógicos. Pode haver algum tipo de cooperação, mas em outros casos não. Alguns cooperam com a informática, na preparação de alguns programas, no desenvolvimento de suas estruturas. Também há cooperações com a linguística, nesse caso a lógica se torna um aparato para alcançar a origem da linguagem, no uso de algumas expressões etc. Eu me interesso pela lógica pura, até mesmo sem o contexto filosófico, quando ela é uma parte da matemática. Não me oriento muito pelas aplicações.

JU - Mas você acredita que pode haver mais aplicação da lógica em nosso dia a dia? A lógica pode contribuir em nossas vidas?

Janusz Ciuciura - Acho que essa vai ser uma resposta um pouco pessoal, vou dar um exemplo: a internet está em toda parte, pelo menos hoje você precisa estar conectado em todo lugar. Isso é bom para o usuário? Penso que não. O mesmo ocorre com a lógica, nós trabalhamos com ela, mas não significa que a lógica deva estar em toda parte. Claro, para algumas pessoas pode funcionar, a lógica pode ser como uma religião. As pessoas religiosas tendem a ver conexões com Deus em toda parte. Da mesma forma, algumas pessoas que trabalham com lógica tendem a vê-la em tudo. Em partes, isso está certo, podemos ver estruturas lógicas no raciocínio cotidiano, lidamos com premissas, percebemos erros que pessoas cometem na comunicação. Depende da perspectiva da pessoa. Se a lógica auxilia as pessoas a sobreviverem no caos do mundo, está bem. Mas talvez isso não ocorra. Depende dos pressupostos filosóficos que as pessoas assumem, além do quanto elas estão familiarizadas com a lógica.

JU - Ao longo de nossa entrevista, você enfatiza a tradição polonesa na lógica e na filosofia. Qual o cenário atual do país? Há continuidade dessa tradição entre as novas gerações?

Janusz Ciuciura - Há uma continuidade em vários aspectos, primeiramente porque precisamos respeitar nossa tradição. Todos os nomes famosos da lógica, membros da escola polonesa, são sempre mencionados. Muitos filósofos poloneses têm intuições brilhantes que foram redescobertas por outras pessoas. Por exemplo, Jaśkowski é considerado pai da dedução natural. Ele apresentou os primeiros resultados sobre isso em 1927 em uma conferência na cidade de Lviv. Na época, era uma cidade na Polônia, hoje está em território ucraniano. Mas ele guardou essa ideia para publicá-la apenas em 1944. Nesse meio tempo, (Gerhard) Gentzen publicou seu trabalho sobre dedução natural. Por conta disso, em muitos países, sobretudo no ocidente, Gentzen é considerado o pai da dedução natural, mas foi Jaśkowski quem desenvolveu a ideia antes. A mesma coisa ocorre com a paraconsistência, Jaśkowski publicou seu trabalho em 1948, enquanto Newton da Costa fez isso no início dos anos 1960. Claro, nesse caso há uma diferença sensível, porque são conceitos diferentes de paraconsistência. Newton da Costa rejeitava o princípio da não-contradição, enquanto Jaśkowski o assumia como tese. Então há sempre essa questão de quem foi o primeiro. Do ponto de vista histórico, isso é simples, mas na perspectiva científica, as coisas são diferentes.

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O professor da Universidade de Lodz explica os conceitos por trás da lógica discussiva e como as novas gerações de lógicos poloneses perpetuam a tradição do país na área

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