Cecom atende demandas da população trans da Unicamp e muda protocolo de atendimento

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Incluir o nome social da população trans da Unicamp em toda a documentação gerada pelo atendimento do Cecom (Centro de Saúde da Comunidade) foi apenas uma das medidas adotadas pelo centro após uma revisão geral nos protocolos e nos sistemas informatizados e prontuários eletrônicos. As mudanças, no entanto, não se restringem à questão burocrática. Os funcionários do Cecom participarão de uma capacitação, nos dias 29 e 30 de março, quando serão abordados conceitos, questões legais e as formas de tratamento referentes à população trans.

“Nós fizemos os ajustes e agora a capacitação vai trazer ainda mais melhorias”, diz a coordenadora do Cecom, Rôse Clélia Grion Trevisane. Além da documentação e do treinamento, os canais de comunicação (como o envio de e-mails para agendamento) e todo tipo de abordagem também passam a adotar o nome social da pessoa trans.

A coordenadora diz ainda que foi criado um Espaço de Escuta a ser operacionalizado pelos profissionais do Cecom que trabalham no centro de testagem e aconselhamento. A intenção do espaço é acolher demandas e levá-las à coordenação para o devido encaminhamento. Esse lugar de escuta também acolhe sugestões de temas ou programas específicos relacionados à área da saúde.

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A coordenadora do Cecom, Rôse Clélia Grion Trevisane e o coordenador ajunto, Rogério Terra do Espírito Santo: melhor acolhimento à comunidade trans

Na opinião da servidora e estudante Ira Bernardes, integrante do Núcleo de Consciência Trans da Unicamp (NCT), criado há um ano, “foi interessante ver como conseguiram abarcar um panorama bem grande de ações e de processos”. De acordo com o TransCenso realizado pelo NCT na Unicamp, há cerca de 150 pessoas trans na Universidade.

“As mudanças são bem importantes e significativas, mas a gente só vai conseguir realmente saber qual é o impacto disso com o tempo. Precisa haver uma avaliação posterior, com prazos, que gere um relatório de impacto e também uma avaliação sobre as demandas que estão chegando”, analisa Ira, que é estudante de Ciências Econômicas e trabalha na Seção Financeira do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp. “Acho que eu fui a primeira servidora trans que requisitou nome social no sistema da Universidade”, informa.

Processo contínuo

De acordo com a coordenadora do Cecom, as mudanças, de fato, são contínuas. “É uma mudança cultural, não é pontual. As pessoas devem debater, conhecer e refletir para fazer as mudanças. Nossa intenção é que isso seja permanente e dinâmico”, diz Rôse. Ira acredita que existe boa vontade em fazer as mudanças. “É importante que a gestão autora da mudança fique de olho e queira ouvir o que as pessoas trans têm a dizer sobre esse atendimento. O tratamento humanizado precisa ouvir quem está sendo atendido”, raciocina.

Do ponto da vista de Ira, as mudanças protocolares não podem ignorar a transfobia. “A gente sabe que vive numa sociedade cheia de preconceitos”, diz. A demanda para que houvesse mudanças no atendimento realizado pelo Cecom surgiu a partir de relatos da comunidade trans, segundo Ira. “Mesmo com espaço nos formulários para o nome social, por exemplo, o pessoal chamava [a gente] pelo nome civil. Ou seja, se no atendimento mais básico a transfobia acontece, daí você já obstaculariza completamente o atendimento e a confiança da comunidade trans, que já é marginalizada, em buscar esse atendimento”, explica.

Para a servidora, isso é efeito da transfobia sistêmica. “Ela está nas relações, ela está na normalização de que um corpo cis é natural e um corpo trans é artificial.” Portanto, diz Ira, fez-se necessária uma capacitação complementar para essas pessoas da área do atendimento, “porque nem tudo é só processo, como é comum se acreditar no setor público”.

Em vista desse incômodo, manifestado pela comunidade trans – e que nunca havia sido levado à coordenação ou à supervisão –, a servidora escreveu uma Carta Relato, algo sugerido por sua diretora no Instituto de Física, Mônica Alonso Cotta, que faz parte da comissão de gênero da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH). “Minha Carta Relato foi bem inquisitória”, destaca Ira, que assinou o documento na qualidade de servidora, estudante e integrante do Núcleo de Consciência Trans.

A carta foi encaminhada no dia 16 de janeiro de 2023. Em um mês, o Cecom implantou as mudanças. “Nós reconhecemos prontamente [a demanda] e entendemos que seria mais que necessário termos um novo olhar e outro cuidado com relação a todos os aspectos, desde as formas de atendimento e abordagem frente à comunidade trans até a realização de mudanças nos nossos sistemas informatizados. Por isso revimos nossos processos de trabalho”, diz a coordenadora do Cecom.

Em janeiro, o Cecom implantou o plano de ação para realizar as mudanças, promovendo reuniões e debates. Foi realizada uma busca em todos os sistemas informatizados, nos papeis e nos processos. Atestados médicos e prontuários eletrônicos, por exemplo, tiveram incluídos os nomes social e civil. Depois foram feitos os ajustes necessários de toda a documentação gerada.

Ira Bernardes
A servidora e estudante Ira Bernardes: mudanças importantes e significativas

Acolhimento

De acordo com Rogério Terra do Espírito Santo, coordenador adjunto do Cecom, todo o trabalho foi feito com o objetivo de dar melhor acolhimento à comunidade trans. “Também passamos a usar a linguagem neutra em todos os papeis que temos, como atestados e prontuários”, afirma. “É um assunto relativamente novo. O Espaço de Escuta é exatamente para isso, para tirar as dúvidas. Isso vai ser importante”, diz Rogério.

“Descobrimos que essas não eram coisas complicadas [de serem realizadas], que eram ajustes simples, mas que fariam diferença. A questão da equidade, do respeito e da inclusão são os valores e princípios do Cecom e da Unicamp. E isso veio ao encontro desses valores. Em um mês, nós levamos isso a cada tipo de ferramenta, canal de comunicação, sistema de atendimento. Sempre atendemos todas as pessoas igualmente, independente das questões de gênero e sexualidade, mas fomos despertados para a necessidade de novos olhares e formas de tratamento. Foi muito bacana o trabalho feito pela equipe”, relata Rôse.

Ela completa informando que as resoluções da Diretoria Executiva de Direitos Humanos foram divulgadas para todos os funcionários do Cecom e que cada gestor foi orientado a conversar com seus pares em seus espaços de reunião.

A trajetória trans na Unicamp

“A gente está querendo, na verdade, destransfobitizar a Universidade. Então eu acho que é preciso que venha de cima, mas que seja de cima escutando quem está embaixo, para além das pessoas trans”, afirma Ira. Apesar de o Núcleo de Consciência Trans da Unicamp existir há apenas um ano, há um histórico mais antigo de atuação da comunidade trans na Unicamp. “Acho que isso começou com a Amara Moira no IEL [Instituto de Estudos da Linguagem], em 2018, uma das primeiras doutoras trans do Brasil. Antes disso já existia o Ateliê Trans Moras na Unicamp, que até hoje contribui para a capacitação de pessoas trans. A coisa vai tomando corpo quando as organizações começam a se formar. Antes havia poucas pessoas que se entendiam como trans, por isso não havia coletivos. O Núcleo, portanto, não é um começo. Já é um passo além”, relata a servidora.

Ira comenta já existirem cotas trans em alguns programas de pós-graduação da Universidade, como na Antropologia Social e na Educação, mas que não existem cotas para a graduação. “O Núcleo surgiu com gás para conseguir aprovar isso. Mas não temos pernas ainda para ações mais contundentes nesse sentido. A gente está trabalhando na cultura e na política, dando prosseguimento ao trabalho de outras pessoas trans que na época fizeram aquilo que podiam. Temos agora pessoas trans na pós-graduação, no corpo de funcionários, na graduação, então estamos conseguindo capilarizar nossos esforços pra conseguir fazer a coisa andar. E temos muitos aliados no caminho, o que é superimportante. Precisamos, por exemplo, do apoio de docentes, como eu tive da minha diretora, Mônica Alonso”, diz.

É preciso entender, afirma Ira, que há uma hegemonia cisgênere na Universidade, “e a cisgeneridade recusa-se a normear-se”. Somente a partir desse reconhecimento é que pode haver mudança. O mesmo acontece em relação à branquitude e ao capacitismo, explica a servidora.

O fato de as pessoas LGBTQIA+ terem sido fortemente antagonizadas no último governo federal e o fato de sermos o país que mais mata pessoas trans no mundo, opina Ira, podem ter contribuído para transformar a pauta em um “hot topic” (tema premente), nas palavras dela. Paralelamente, o assunto tem sido debatido graças às eleições de representantes da comunidade LGBTQIA+ nas assembleias e câmaras de deputados de todo o país.

“Acho que a gente está dando continuidade a um trabalho. E estamos encontrando muitas dificuldades, mas também algumas vitórias. E o Cecom é uma delas.” A servidora, porém, cobrou a realização de um evento para marcar a inauguração do Espaço de Escuta do Cecom. “Para que as pessoas tenham noção de que esse espaço existe, é preciso divulgar. Essa comunicação tem que ser estabelecida formalmente.”

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Ira Bernardes tomou a iniciativa de redigir uma Carta Relato para a coordenação do Cecom, que abarcou um panorama bem grande de ações e de processos

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