Em memória de Oswaldo Luiz Alves, que deu negritude à ciência brasileira

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"Minha origem é de trabalhadores negros", declarou o professor Oswaldo Luiz Alves, ao ser homenageado na IV Semana da Consciência Negra da Fundação Centro Universitário da Zona Oeste do Rio de Janeiro (Ueso), em novembro do ano passado. Um dos objetivos daquele encontro foi destacar a presença da negritude nas diversas áreas do saber. O docente da Unicamp foi o primeiro estudante negro no curso de química, onde se formou em 1973. "Não havia nenhum outro aluno preto na universidade, mas sempre convivi bem com os colegas, com muita camaradagem".

Oswaldo Alves faleceu de infarto em 10 de julho, na condição de vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para a Região São Paulo. Filho de costureira e de encanador e vindo de escola pública, construiu uma trajetória acadêmica admirável, tendo se emocionado especialmente com sua eleição para membro da Academia (2001), emoção que se reptiu ao receber a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico (2002). "Ao receber a comenda, percebi que, até entre a plateia, eu era o único negro presente. Esse evento me entristeceu e me provocou reflexões importantes sobre a minha atuação."

Alves continuou seu aprendizado na França, onde, segundo ele, pôde dar aulas a uma classe majoritariamente negra de estudantes de diferentes lugares do mundo e conseguiu conhecer o processo de pesquisa científica fora do Brasil. “Quando voltei, introduzi o conhecimento da química de estado sólido em nosso país e fundei o primeiro laboratório brasileiro voltado para essa área. Por ser o único negro pelos lugares onde passei, fui pioneiro em muitas ocasiões. No início do meu processo de formação eu jamais imaginei que isso poderia acontecer”, disse à ABC.

Filho de costureira e de encanador e vindo de escola pública, construiu uma trajetória acadêmica admirável
Filho de costureira e de encanador e vindo de escola pública, Oswaldo Alves construiu uma trajetória acadêmica admirável

O professor Luiz Carlos Dias não foi aluno de Oswaldo Dias, mas conviveu com ele no Instituto de Química por 29 anos, vendo-o como exemplo de como a educação pode ser transformadora. " Ele veio de família humilde. Eu o chamava de Oswaldão. Não sei a origem do aumentativo no nome, mas ele tinha muita capacidade intelectual, um enorme caráter, um grande coração e uma tendência de engrandecer os fatos, principalmente os relacionados a ele mesmo, que faziam a gente brincar: 'Esse é o Oswaldão'. Acho que o aumentativo se referia ao cientista, ao gigante da ciência brasileira".

Dias lembra que Oswaldão era um apaixonado por música, principalmente blues e jazz, além de dizer que tinha sido jogador de futebol e batido um bolão. "Nunca o vi jogar. Ele gostava de aumentar um pouquinho as coisas, então, até hoje tenho dúvidas. Mas conheço bem a ciência de enorme qualidade que ele sempre fez. Tudo em torno dele era grandioso, ele falava de ciência e particularmente de sua ciência com enorme entusiasmo. Você poderia ouvi-lo por horas. Foi pioneiro nas áreas de nanociência e nanotecnologia no país, liderando grandes projetos e colaborações nacionais e internacionais muito frutíferas."

O professor Fernando Coelho iniciou suas atividades na Unicamp em julho de 1995, e conheceu Oswaldo Alves logo na primeira semana, já que os dois gabinetes eram vizinhos, no bloco I do IQ, área hoje ocupada pelas salas de defesa de teses e dissertações. "Naquela época, os docentes não tinham um ramal exclusivo na sala e, assim, nós dois dividíamos um ramal. O professor que atendesse, utilizava uma campainha para informar ao colega. O professor Oswaldo já era bastante conhecido e quase todas as ligações eram para ele. Como eu não gosto de deixar o telefone tocando, sempre atendia as chamadas e brincava que ele tinha um secretário com doutorado. Ríamos muito disso."

Segundo Coelho, o infarto, que ocorreu num fim de semana, surpreendeu a todos, pois Oswaldo Alves continuava muito ativo, tanto do ponto de vista do cientista químico quanto do homem político que se envolvia muito nas grandes discussões sobre ciência no Brasil. "Era de uma geração de docentes que não faziam apenas pesquisa. Se envolvia em política científica e estava presente em todos os momentos em prol da ciência. Esse perfil de profissional é cada vez mais raro na comunidade científica brasileira. A numerologia tirou muito o foco do pesquisador brasileiro das grandes questões, colocou-o na resolução imediata da carreira individual."

Pessoa afável, mesmo zangado

Uma pessoa muito afável, que em nenhum momento perdia o controle, mesmo quando estava realmente zangado, é a imagem que Fernando Coelho guarda de Oswaldo Alves. "Ter sido o primeiro negro na graduação de Química não é nenhuma surpresa. Oswaldo é um exemplo de que não existe cor para a competência. Existe, sim, um enorme preconceito impregnado em muitos setores do país e no mundo, que dificultam o trajeto dos talentos negros e negras, que são apagados de uma forma sistemática. Ele teve a oportunidade e demonstrou todo o seu potencial como ser humano, cientista, professor e político da ciência."

Coelho afirma que apesar da origem em trabalhadores negros, a militância por ações afirmativas, inicialmente, não fazia parte do foco de ação de Oswaldo Alves. "Agora nos últimos anos conversamos em várias oportunidades sobre isso e ele me disse que era necessário abraçar a causa dos pesquisadores e docentes negros. Ele apontou, de forma muito acertada, como o sistema apaga os méritos dos docentes e pesquisadores negros e de como gente de muito talento não é vista pelas comunidades científicas nacional e internacional. No entender dele era necessário identificar e colocar na luz os bons e talentosos pesquisadores negros espalhados por todo o país, sobretudo nas áreas mais duras (na sigla STEM em inglês para Sciense, Techonology, Engineering and Materials)."

Luiz Carlos Dias conviveu com Oswaldo Alves também quando ele foi presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e membro titular da ABC. "Foram inúmeras as conversas e Oswaldão sempre atualizado e preocupado com o futuro da ciência no país e com os jovens cientistas. Ele não tinha filhos e cuidava dos alunos e de amigos como se o fossem. Não havia conversa em que ele não perguntava sobre as três 'Lus' - minhas filhas Luana, Luiza e Luma. Eu costumo dizer que os bons vão cedo demais. Perdemos um gigante da ciência brasileira. Um homem simples e que superou inúmeros obstáculos para mostrar que educação e oportunidades fazem a diferença. Isso fez a diferença na vida de Oswaldão e Oswaldão fez a diferença na vida de de muitos. Eu fui ao velório. A imagem do caixão sendo fechado e sendo colocado na sepultura não me sai da cabeça."

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Colegas enaltecem a trajetória do acadêmico de origem humilde que foi o primeiro aluno negro do Instituto de Química

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