Agricultura versus Indústria: um falso dilema

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Importa dizer, cada vez mais, o óbvio: para salvar a lavoura é preciso, primeiro, plantá-la, seguindo todos os passos do “manual de operações”, das melhores práticas agropecuárias, que levam em conta a necessidade de compatibilizar as sustentabilidade econômico-financeira com as cada vez mais exigentes e necessárias regras ambientais e sociais; depois é preciso cuidar para evitar as pragas e doenças, torcer para que chova o suficiente e nos momentos certos, que o calor ou o frio não seja excessivo; e finalmente, que no momento da venda os preços remunerem os riscos e o esforço dos produtores. Essa atividade no Brasil envolve milhões de pessoas, movimenta a indústria, o comércio local, os portos, transportes, bancos, profissionais liberais. Mas ainda assim seu papel não parece ser plenamente reconhecido pela sociedade, que a despeito do bordão “o agro é pop, o agro é tudo”, veiculado em horários nobres da TV, continua vendo o setor como atrasado e subestimando sua importância para o desenvolvimento do país.

No artigo A Salvação da Lavoura não é a Lavoura, publicado em O Estado de São Paulo (12/10/2020), o ex-diretor do Banco Central, Luís Eduardo Assis, relativiza a importância da agricultura para a economia brasileira. Afirma ser uma “ingênua quimera (...) acreditar que o Brasil possa crescer puxado pelo agronegócio” e sugere a diversificação da base produtiva. Baseado em dados empíricos que indicam a queda secular da participação da agricultura no PIB, de 17,7% em 1960 para 4% em 2018, o artigo retoma um velho e persistente debate que opõe agricultura e indústria no processo de desenvolvimento, herança de visão que apontava a agricultura atrasada como obstáculo ao crescimento econômico. Essa oposição foi superada por evidências de que durante décadas a agricultura, mesmo atrasada, foi funcional e transferiu capital e renda para bancar a industrialização, e mais recentemente pela extraordinária transformação e modernização da agricultura, que vem se destacando pelo dinamismo e contribuição para a economia e sociedade brasileira.

O artigo constrói um espantalho, desnecessário, para recomendar a necessidade de diversificação produtiva do Brasil. Não encontramos ninguém sustentando a visão de que o agronegócio, sozinho, possa garantir o crescimento do país. Mas o espantalho parece ser útil e alguns chegam ao limite de indicar que o sucesso da agricultura seria responsável pela atrofia da indústria, diagnosticada como vítima de uma enfermidade holandesa provocada pelos dólares gerados pelas exportações primárias.

A queda secular da participação da agricultura no PIB é mesmo fenômeno global, associado ao desenvolvimento. “Caiu porque os outros setores cresceram mais que a agropecuária”, diz o autor. No caso do Brasil, entre 2000 e 2017 o Valor Adicionado da Agricultura foi o que mais cresceu, cerca de 5,5%, enquanto Serviços e Industria aumentaram 4,5 e 4,3%, respetivamente. Não é demais reafirmar que esse crescimento se deve, fundamentalmente, aos ganhos de produtividade e não à incorporação de terra e mão de obra, como ocorria historicamente. Ao contrário, a agricultura cresceu poupando terra. Estudos do economista José Garcia Gasques e equipe confirmam que entre 1975 a 2016 a produtividade total dos fatores (PTF) aumentou em taxa anual superior a 3,08%, sendo o maior avanço na década de 2000 (3,20% a.a.). Esse resultado reflete os investimentos em pesquisa, o uso de novos sistemas de produção, a exemplo do plantio direto, de sistemas de integração, da agricultura de baixo carbono e da articulação com outros setores.

A agricultura de hoje está profundamente inserida em cadeias de valor que incluem os setores da indústria e de serviços, e a afirmação de Luís Eduardo de que “os efeitos de encadeamento sobre a tessitura da atividade econômica são menores que os provocados por outros segmentos” só tem sentido no contexto da falsa polarização entre os setores. Não é o caso e por isso, ainda que o transbordamento seja menor, não há por que não o aproveitar o potencial da agricultura para alavancar a indústria e os serviços.

Considerem os seguintes dados. A indústria de refino de petróleo representou 6,4% da produção industrial (PIA) de 2018, e apenas a indústria de biocombustíveis representou 2,1%. Incluindo algumas das indústrias que tem o agro como base, a exemplo de carnes (7,0%), celulose e papel (3,4%), óleos vegetais (2,5%), lácteos (2,0%), processamento de grãos, produtos de panificação e massas (2,5%), açúcar e café (1,5%) e bebidas alcoólicas (1,3%), a participação das indústrias diretamente vinculadas ao agro sobe para 22,3%,  superior à participação de segmentos importantes como a indústria extrativa e de beneficiamento de petróleo. Além da vantagem da desconcentração espacial das indústrias de base agrícola, enquanto a PIA da indústria de extração cresceu 29% entre 2014 a 2018, o crescimento médio das indústrias de base agrícola citadas foi de 33% no mesmo período.

Mas os transbordamentos vão muito além dos segmentos que utilizam matérias-primas agropecuárias. É necessário incluir o antes da porteira, como a indústria de fertilizantes, e a indústria de máquinas e equipamentos para a agricultura e pecuária, a construção civil e os serviços financeiros, de transporte, armazenamento e distribuição, os serviços técnicos, treinamento/capacitação e pesquisa. Importante ressaltar que a vinculação com o agro tem sido também indutora de inovações em toda a cadeia, condição para atender à demanda cada vez mais exigente da produção agropecuária.

O papel indutor do agronegócio na economia brasileira não é nenhuma quimera. A despeito de representar menos de 5% do PIB, segundo o CEPEA/USP, o setor como um todo responde por mais de 20% dos empregos, que, acrescido ao pessoal ocupado na agricultura familiar, chega a cerca de 25 milhões de pessoas. Ainda, o setor gerou US$ 97 bilhões em exportações em 2019 (44% do total), é o responsável pelo saldo positivo da balança comercial e vem sustentando negócios em todos os setores da economia, em todo o território nacional, sendo particularmente importante nas áreas de ocupação recente.

Os efeitos de transbordamento podem até ser limitados, mas são suficientemente fortes para que a agricultura e o agronegócio sejam de fato tratados como eixos prioritários e estratégicos para promover o desenvolvimento sustentável do Brasil e a diversificação da base produtiva proposta por Assis. É hora de superar os paradigmas do passado e entender que a agricultura hoje é uma rede complexa de atividades e negócios que pode e deve ser usada para puxar a economia brasileira.

Importa dizer que a salvação da lavoura não está na lavoura, mas que a lavoura mostrou que o único caminho viável para o desenvolvimento é o da inovação, eficiência produtiva e competividade. E está indicando que é chegada a hora de se investir em uma ‘nova’ safra de inovação, pois sem plantar e cuidar bem da lavoura não se tem produção e não nem salvação.

Antônio Marcio Buainain: Professor do Instituto de Economia da Unicamp

Pedro Abel Vieira: Pesquisador da Embrapa

Roberta Grundling: Analista da Embrapa

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Colheita de soja | Divulgação

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