Nova técnica de detecção de neutrinos é publicada na revista Nature Physics

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Descobertas recentes feitas pela colaboração internacional Double Chooz a respeito da Física dos neutrinos foram publicadas pela revista Nature Physics, um dos títulos da revista Nature dedicado à divulgação de pesquisas em Física. Surgido em 2006, o experimento Double Chooz revelou de forma inédita, ainda em 2011, o valor do ângulo de mistura quântico θ13, uma das propriedades do neutrino que permitem investigar desde a atividade de reatores em usinas nucleares até hipóteses a respeito do Big Bang. Agora o grupo anuncia uma nova forma de detectar os neutrinos, o que amplia as possibilidades de pesquisas na área. Entre os membros de vários países que fazem parte da colaboração estão os pesquisadores da Unicamp Ernesto Kemp, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) e Luis Fernando Gomes Gonzalez, pesquisador voluntário da universidade. 

foto mostra pesquisadores que integram a colaboração internacional double chooz. a maioria veste capacetes de proteção
Colaboração Internacional Double Chooz conta com a participação de pesquisadores e vários países


Neutrinos: de onde vêm, para onde vão?

Os neutrinos são uma das chamadas partículas elementares, um dos elementos com os quais todas as coisas são feitas. "Elementar" significa que, de acordo com o que a ciência sabe até hoje, não é possível dividir uma partícula em unidades menores. O neutrino é a segunda partícula em mais abundância no universo, superado em quantidade apenas pelo fóton, a partícula das radiações eletromagnéticas, geralmente associada à luz. O neutrino foi proposto por Wolfgang Pauli, na década de 1930, como uma solução ao comportamento imprevisto da energia da radiação beta. Já a sua existência foi comprovada em 1956 pelos norte-americanos Frederick Reines e Clyde Cowan. Até então, o neutrino já era utilizado em cálculos e estudos, mas apenas como uma hipótese da física nuclear e das partículas elementares.

O neutrino tem como uma de suas características mais peculiares não compor a matéria em si, ou seja, ele não integra a estrutura interna dos prótons, nêutrons e elétrons, que se juntam para formar os átomos, moléculas e assim por diante. Entretanto, a existência e estabilidade de núcleos atômicos é governada por duas forças fundamentais da natureza, que agem de forma distinta sobre os prótons e nêutrons: a força "forte" e a força "fraca". Os nomes são devidos ao seu alcance. A força forte tem um alcance maior, do tamanho do núcleo, enquanto a força fraca atua em distâncias do tamanho dos prótons e nêutrons. De modo simplificado, a força forte tenta manter unidos os prótons e nêutrons enquanto a fraca tende a transformar nêutrons em prótons e vice-versa. 

O neutrino sempre está envolvido quando a força fraca entra em ação. Ou seja, em reações nucleares de fusão, como a que gera a energia das estrelas, entre elas o Sol, e nas de fissão, como as que ocorrem em elementos radioativos de reatores nucleares e bombas. Assim, em toda reação nuclear que forma novos elementos, existe a emissão de neutrinos. É por essa participação constante nas interações que formam a matéria que o estudo dos neutrinos pode revelar informações importantes a respeito de toda a origem e dinâmica dos elementos da natureza. Essa realidade, levada em conta em pesquisas da área que descrevem as leis fundamentais que formam a matéria, é descrita pelo chamado "modelo padrão" das partículas elementares. 

"O modelo padrão descreve a realidade física que a gente observa de constituição da matéria, radiação e tudo mais. Porém, apesar de ser um modelo com sucesso gigantesco na descrição das partículas e de como elas interagem, ele tem falhas, mais por conta de desconhecimento do que por qualquer outro motivo. Ele apresenta lacunas, pontos em aberto, que ainda precisamos explicar. E esses pontos em aberto podem ser explorados utilizando os neutrinos", explica Ernesto Kemp, professor do IFGW. De acordo com ele, existem fenômenos que ainda não conseguiram ser totalmente explicados pelo modelo padrão e os neutrinos teriam participação. Por isso, entender os neutrinos abre caminhos para compreender esses fenômenos e as interações envolvidas, o que pode atualizar o próprio modelo padrão.

Por surgirem a partir de interações que resultam em modificações nos núcleos, o estudo dos neutrinos se relaciona em muito com reatores nucleares, já que a base para seu funcionamento é, justamente, a obtenção de energia a partir da fissão nuclear. Ernesto Kemp explica que o estudo de neutrinos também é possível a partir de outras fontes artificiais, como os aceleradores de partículas. No entanto, aceleradores demandam técnicas muito complexas e dispendiosas para que a geração de neutrinos seja propícia, o que torna mais simples e menos dispendioso o uso de reatores nucleares. 

foto mostra a usina nuclear de chooz, na França, onde está o experimento double chooz
Central Nuclear de Chooz, na França, onde foi instalado o experimento Double Chooz

"Em cada fissão nuclear que ocorre dentro de um reator, na divisão de um átomo em dois menores com liberação de energia, há a participação de neutrinos. A radiação emitida, em geral, é acompanhada de neutrinos. Por isso, já que reatores nucleares, ou reações nucleares, são fontes abundantes de neutrinos, muitas pesquisas sobre eles são feitas com reatores nucleares", comenta o professor. É com esse objetivo que a colaboração Double Chooz foi instalada na Central Nuclear de Chooz, cidade francesa próxima à fronteira com a Bélgica. 

Em busca de θ13

A colaboração internacional Double Chooz surgiu a partir da união de cientistas de vários países que se propunham a desenvolver pesquisas sobre neutrinos ligadas a reatores nucleares, cada um em seu país. Devido à complexidade dessas pesquisas, houve um consenso de que seria mais produtiva uma união em torno de um número menor de projetos. Eles então se re-organizaram em torno de três experimentos: Double Chooz, na França, que conta com pesquisadores brasileiro; Daya Bay, na China, e RENO, na Coreia do Sul. Além dos pesquisadores da Unicamp, participam também de Double Chooz membros do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro, e da Universidade Estadual de Londrina (UEL). 

foto mostra o professor ernesto kemp. ele veste camiseta de cor laranja
Ernesto Kemp: "Unicamp ajudou muito na construção de um dos módulos da eletrônica de aquisição de dados do detector"

O grande objetivo de Double Chooz era a descoberta de θ13, um dos três ângulos de mistura quânticos dos neutrinos. Esses valores são parâmetros utilizados para descrever a oscilação dos neutrinos. Quando são produzidos, neutrinos surgem em três espécies diferentes e, entre sua produção e detecção, pode ocorrer uma oscilação entre essas três espécies. Uma das grandes contribuições de Double Chooz foi, em 2011, a publicação inédita de um valor de medida para o θ13 diferente de zero, comprovando sua existência. Até então, os estudos atribuíam ao ângulo apenas um limite superior, o que significava que ele poderia ser inclusive nulo, igual a zero. O desconhecimento de um valor específico deixava muitas possibilidades em aberto na descrição de como ocorrem as interações entre neutrinos. 

A identificação precisa dessas propriedades dos neutrinos abriu espaço para questões ainda mais profundas, tais como explicar e medir a diferença existente entre matéria e antimatéria no universo, uma lacuna na própria teoria do Big Bang. De acordo com ela, durante a formação do universo, partículas e antipartículas existiam em quantidades iguais e deveriam se aniquilar mutuamente, deixando para trás um mar de radiação. A resposta para o surgimento do universo como hoje é observado estaria na explicação do porquê a quantidade de matéria e de antimatéria passou a ser diferente, rompendo com esse equilíbrio. 

"Se θ13 fosse zero, haveria uma simetria de como neutrinos e antineutrinos interagem com a matéria, impossibilitando observações que ajudassem a completar o modelo do Big Bang. A pergunta que fica é: em qual momento do Big Bang essa simetria, esse espelho, se quebrou, e permitiu o surgimento de matéria em quantidades diferentes da antimatéria? Isso é o que deu origem a esse universo que conhecemos, então responder essa pergunta, por si só, já tem um mérito existencial", analisa Kemp. 

O avanço mais recente feito em Double Chooz, que resultou na publicação pela Nature Physics, foi de uma nova técnica para detecção de neutrinos de reatores nucleares. Por apresentarem massa ínfima e não terem carga elétrica, neutrinos são partículas de difícil detecção. Por isso, são observados a partir das partículas filhas produzidas em suas interações nos detectores, entre elas o nêutron. Assim, uma das técnicas de detecção é o uso de elementos que revelem os nêutrons produzidos pelos neutrinos.  Até então, em experimentos de neutrinos de reatores, eram tradicionalmente utilizados o Hidrogênio e o Gadolínio. Agora a colaboração internacional demonstrou ser possível utilizar também o Carbono, opção que ainda não havia sido explorada por nenhum experimento de reatores anteriormente. Esse avanço experimental ajudou a reduzir o erro experimental das medidas anteriores de θ13, melhorando sua precisão.

gráfico mostra a quantidade de neutrinos detectados antes e depois da aplicação da técnica de detecção por carbono
Corte visual do detector de neutrinos de Double Chooz antes de incluir as capturas de nêutrons de carbono (esquerda) e depois (direita)

Outro avanço nas pesquisas realizadas por Double Chooz divulgado no artigo é o cálculo exato da secção de choque de fissão, número que indica probabilidade de os neutrinos serem produzidos nas fissões nucleares que ocorrem dentro dos reatores. Até então, o número era um valor de referência padrão, adotado como uma medida relativa para permitir comparações entre experimentos em diferentes reatores. Graças a uma geometria favorável, os detectores de Double Chooz foram instalados de forma que cada um recebe a mesma quantidade de radiação dos reatores, algo único entre os experimentos existentes no mundo. 


Experiência aplicada no Brasil

As pesquisas realizadas junto aos reatores da Central Nuclear de Chooz chegaram ao fim e o detector instalado no local já está em fase de desmontagem. No entanto, os experimentos renderam aos pesquisadores uma grande quantidade de dados ainda a serem processados. Isso indica que novas descobertas sobre os neutrinos ainda podem ser anunciadas pelo grupo. 

"Eu contribuí muito com a parte de hardware, a Unicamp ajudou muito na construção de um dos módulos da eletrônica de aquisição de dados do detector. Eu também trabalhei na organização da tomada de dados, e sempre participamos ativamente nos turnos de operação, de modo remoto e lá mesmo na usina em Chooz. Naquela época também contribuímos com a análise de dados, mas o principal foi na construção e operação do detector", lembra o professor Ernesto. Para ele, a participação dos brasileiros em Double Chooz foi importante não apenas para dar visibilidade aos estudos sobre o tema realizados no país, mas também para trazer ao Brasil a expertise necessária para instalar aqui um detector de neutrinos de reator. Em 2018, foi instalado na Central Nuclear de Angra dos Reis um monitor de neutrinos de reator, a concretização da primeira iniciativa de fazer física experimental de neutrinos dentro do Brasil.     

"Na época a decisão foi baseada em uma estratégia simbiótica, de entrarmos na colaboração Double Chooz e, à medida em que o detector fosse sendo construído, iríamos adquirindo familiaridade, nos aprofundando nas técnicas de análise de dados e, paralelamente, construir o detector no Brasil. Foi muito saudável, trouxemos muitas técnicas para construir o detector em Angra e nossa contribuição com a eletrônica de Double Chooz é a nossa eletrônica principal de aquisição de dados aqui no Brasil. Foi como termos testado lá para hoje ela ser nossa eletrônica oficial", conta.

foto mostra a usina nuclear de angra 2
Usina Nuclear Angra 2, em Angra dos Reis, onde o primeiro detector brasileiro de neutrinos foi instalado

Enquanto o foco das investigações em Double Chooz é o ângulo θ13, na usina de Angra dos Reis a meta é abrir espaço para pesquisas mais amplas. Além da Unicamp, do CBPF e da UEL, participam da iniciativa brasileira as Universidades Federal da Bahia (UFBA), Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Estadual de Feira de Santana (UEFS). Ernesto Kemp também menciona que esse é um marco para as pesquisas em neutrinos no país, já que outras instituições podem contar com a infraestrutura de pesquisa que foi instalada no local. "Existe um outro experimento de neutrinos, o CONNIE, conduzido por um time internacional liderado pela UFRJ, em funcionamento no laboratório de Angra dos Reis, mas para estudar interações de neutrinos, uma pesquisa mais fundamental que a nossa, que tem caráter mais aplicado", exemplifica. 

Ele ainda destaca a possibilidade de se monitorar a atividades dos reatores de forma independente da usina. Segundo ele, aos olhos de agências reguladoras internacionais, é algo positivo para o país. "A Agência Internacional de Energia Atômica tem uma série de regras para o funcionamento de usinas nucleares, justamente para não ocorrerem desvios não declarados dos rejeitos, que podem ser utilizados para finalidades não pacíficas. No Brasil não existe tanto esse risco porque a única central nuclear daqui é estatal, a possibilidade de desvios não declarados é muito menos provável, é algo que envolve o Estado. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, são raras as usinas nucleares administradas por poderes públicos, a maioria esmagadora é de usinas privadas", analisa o professor.

Imagem de capa
foto mostra a parte interna de um detector de neutrinos. clique enter para acessar

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