Poeta indígena colombiano Hugo Jamioy visita Unicamp na próxima semana

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"É preciso partir do fato de que para nós o centro da vida está entre a mãe terra e o homem e a mulher, que fazem parte da mesma natureza. Eu tento ver um pouco da beleza em torno disso. Mas a palavra cerimonial é algo que nos convida a ir além do Belo, a transcender esse limite e adentrar a essência do ser humano e da natureza", explicou o poeta colombiano Hugo Jamioy, em entrevista realizada por telefone, nesta quarta-feira (4), enquanto arrumava as malas para vir ao Brasil. Pesquisador da língua indígena pertencente ao povo Camuentsa Cabng Camntsá Biyá, que quer dizer homens com pensamento e língua própria, Hugo é internacionalmente reconhecido por sua poesia escrita no idioma camëntsá e traduzida ao espanhol. Para ele, a língua deve ser entendida como mais do que um simples veículo de comunicação, mas uma forma de apreciar a pessoa com quem se estabelece um diálogo.

Jamioy chegara à Unicamp na próxima segunda-feira (9) e participa de atividades até sexta-feira (13), nos campi de Barão Geraldo e Limeira. A estadia é parte do Otras Latinoamericas, programa da Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proec) da Unicamp. A programação incluirá temas como as escritas literárias indígenas, a produção oral e as lutas em torno das línguas e povos indígenas latino-americanos.

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Leia alguns trechos da entrevista realizada pela Diretoria de Comunicação da Proec e confira o áudio da entrevista em espanhol.

Como é o processo de escrita de uma língua de tradição oral? Às vezes, pensamos que a escrita alfabética é uma exclusividade da cultura ocidental e não é assim, não é mesmo?

Hugo Jamioy - Jamais em minha infância pensei que pudesse escrever minha língua. Escrever, para mim, tem sido uma profunda reflexão em torno da nossa língua. Antes, fazia apenas o o uso cotidiano da língua. O exercício da escritura me deu a possibilidade de analisar a minha língua, adentrar-me com profundidade no espírito que guarda a cada palavra. Tem sido um ganho valioso. Além de entregar um texto escrito, um poema, por exemplo, a partir da minha língua, o maior ganho tem sido a reflexão sobre minha própria língua, conhecer-me a mim mesmo através das palavras que aprendi na minha infância.

Além da beleza que percebemos na tradução dos seus poemas em língua espanhola, o que carrega a palavra em camëntsá?

Hugo Jamioy - Todas as línguas indígenas do mundo são muito cultas, guardam diferentes classificações de linguagem. Existe uma linguagem cerimonial, que escutamos a partir da palavra ancestral dos avós. Acredito que, quando escutamos essa palavra antiga, temos a possibilidade de entrar na palavra original que inventaram nossos antepassados. Acredito que aí está grande parte dessa riqueza, dessa beleza que você diz. A palavra cerimonial nos transporta para além da língua como simplesmente um veículo de comunicação. Para língua como uma forma de poder apreciar a outra pessoa com quem se estabelece um diálogo.

Acredito que o esforço em interpretar e adaptar a essa outra língua, que é o espanhol, nos dá uma grande quantidade de possibilidades que, desde fora, se vê como algo bonito. Mas é preciso ir um pouco além. É preciso partir do fato de que, para nós, o centro da vida está entre a mãe terra e o homem e a mulher, que fazem parte da mesma natureza. Eu tento ver um pouco da beleza em torno disso. Mas a palavra cerimonial é algo que nos convida a ir além do Belo, a transcender esse limite e adentrar a essência do ser humano e da natureza.

Você poderia falar um pouco sobre a diversidade linguística que existe na Colômbia?

Na Colômbia, existem 65 línguas indígenas, dentre elas a minha língua, o camëntsá. São línguas totalmente independentes. Minha língua é uma língua única, que se fala somente ali, no lugar onde habitamos, o Vale de Sibundoy, no estado de Putumayo, na entrada da Amazônia, pela parte norte da Amazônia.Eu tive a oportunidade de visitar muitos desses povos indígenas, pois faz parte da minha tarefa impulsionar novos escritores em línguas indígenas. Então, faço oficinas em diversas comunidades de escrita criativa em línguas maternas. Isso me permitiu conhecer muito de perto essas línguas indígenas. É surpreendente ver como as pessoas falam, ver as crianças falando com seus avós, as crianças escutando aos avós, os diálogos entre os avós,  os diálogos geracionais. Mesmo que eu não entenda absolutamente nada, porque são outras línguas. Faz eu me sentir afortunado e orgulhoso por saber que tenho minha própria língua e posso escutar essas outras. E faz também me sentir afortunado por saber que no meu país existem 65 línguas indígenas, mais as línguas ciganas e o espanhol, que no total somam 69 línguas em nosso país. Isso nos dá uma ideia de quantas formas há de pensamento. 

E todas essas línguas têm possibilidade de serem escritas na alfabeticamente?

Sim. Eu me encontrei com essa surpresa também, de que todas, absolutamente todas, estão no grau de desenvolver uma adaptação da escritura alfabética. Vamos adaptando ou criando códigos para sons que não existem no alfabeto internacional.  Criamos convenções acordadas nas comunidades.

A escrita nos remete diretamente ao registro e à memória. Mas imagino que também existam perdas nesse processo. Que consequências existem para esses povos de terem suas línguas escritas?

A mim me parece que há vantagens valiosas. Podermos registrar na nossa língua materna, com tradução ao espanhol, relatos de origem, relatos que guardam os mais velhos, anotações sobre o tema da Justiça, que nossas autoridades realizam quando se chega algum tipo de acordo, procedimentos e os compromissos que as partes assumem dentro de um processo de conflito ou negociação, por exemplo. Conseguir fazer esse tipo de registro através da escrita, nos garante uma certa segurança, no sentido de guardar a memória para o futuro.

Mas há também desvantagens. Em povos onde se desenvolveu a alfabetização, as atuais gerações estão começando a guiar-se mais pela leitura e escritura, deixando de lado a oralidade. Preferem buscar mais textos em nossa língua do que sentar a escutar os avós. Tendo isso em vista, temos proposto nas comunidades processod de formação de narradores orais, convidado os mais velhos para serem parte dos processos educativos nas escolas formais e fora das escolas formais, em nossas bibliotecas indígenas.

Outro efeito imediato, desde o início da implementação da educação formal, através da alfabetização, foi que perdemos nossas formas próprias de escritura, a escritura simbólica, dos petroglifos e dos tecidos, por exemplo. Eu venho de uma tradição de tecidos e símbolos que transmitem mensagens. O Japão e a China mantém suas escrituras naturais. Da mesma forma,  deveríamos manter esses códigos.

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Estamos passando no Brasil e em outros lugares do mundo por um momento difícil para os povos indígenas. Muitos vêm sendo ameaçados de perder direitos que foram conquistados com muita luta. As notícias trazem diariamente líderes assassinados e territórios invadidos no Brasil, em outras partes da América Latina.  Qual é a realidade dos povos indígenas na Colômbia hoje? 

A vida é como uma moeda. Por um lado, tem a cara e, por outro, os esteios. Quer dizer, por um lado, está a satisfação das conquistas. Por outro lado, a tristeza do que nos estão tirando. Nos estão minando as possibilidades de vida. Absolutamente todos os povos indígenas estamos em graves dificuldades, em risco propiciado pelos Estados. Aqui nos perguntamos: “A quem podemos acudir se o Estado está interessado em destruir os nossos territórios, a despojar-nos deles?” A nefasta invasão que se deu em 1492 ainda não terminou. Hoje, se ressignificou, em outras formas de invasão, de exploração, de desalojamento, de assassinato. Se continua permanentemente atuando dessa maneira com os povos indígenas. O que nos resta e nos dá ânimo é olhar com esperança. Unirmo-nos e seguirmos trabalhando a resistência em nosso território, que é elemento chave da vida dos povos. Sempre dizemos que a coluna vertebral dos povos indígenas é o território e a língua.  Ambos estão em risco. O território está ameaçado em toda América. E o mais triste é que está ameaçado pelos próprios Estados, pelo interesse na exploração dos recursos minerais.  Os territórios indígenas são justamente onde se encontram elementos vitais como a água. Se não cuidarmos desses espaços, as cidades vão sofrer. Acredito que as sociedades nacionais dos países latino-americanos não deveriam ser tão indiferentes. A destruição de um território não afeta somente os indígenas. 

No meu país, as cidades estão invadidas por membros de comunidades indígenas, principalmente o povo Embera, que tem sido os mais afetados. Todas as grandes cidades – Cali, Medellín, Bogotá -  estão com suas ruas habitadas por membros do povo indígena Embera. Isso está se generalizando por todo país. O Estado está focado nos recursos minerais, criando conflitos armados para que haja deslocamentos desses territórios. Daí esses territórios são considerados baldios e começam a ser negociados com as empresas mineiras para sua exploração. Estamos correndo riscos e já não há a liberdade para protestar. Diariamente matam 2 ou 3 membros de povos indígenas.Vivemos com essa preocupação de que a qualquer momento pode acontecer algo com qualquer membro da nossa comunidade. Tentamos de alguma maneira marcar presença nesse processo de resistência propondo esse tipo de trabalho na literatura e na arte. Estamos sendo observados e a nossa vida corre perigo, mas seguimos adiante. Acredito que temos fortaleza espiritual e esperança, força e  fé de que as coisas vão mudar. Sempre dizemos que só se defende o que se ama. Então, nossa tarefa imediata é ensinar nossos filhos a amar, amar sua terra, amar sua cultura, a amar seus avós, a amar sua língua.

O que devemos esperar dos nossos encontros com você na próxima semana?

Tenho uma grande expectativa em conhecê-los. Acredito que a linha imaginária que nos divide não deve ser vista como linhas que nos separam, mas como pontos de encontro. Eu vou, simplesmente, cumprir com esse ponto de encontro, para  podermos reconhecer uns nos outros, dialogar e compartilhar algumas ideias em torno da nossa vida, como povos indígenas, como parte de um território e dessa filosofia que aprendemos desde nossa infância.E compartilhar algo que faz parte da nossa vida atual, no caso profissional, que a literatura indígena e a poesia. Compartilhar algumas ideias a respeito do que estamos fazendo em nosso país, da situação que vivemos e parte dessa unidade que nos faz muito particulares. Acredito que nisso estará centrada nossa possibilidade de compartilhar nesse curto tempo que estarei aí. Tentarei ao máximo fazer que os momentos sejam tal como faço com meus filhos e com os jovens da minha comunidade. Sentaremos e entre todos faremos com que essa passagem pela vida fique registrada na memória e sobretudo no coração de cada um. Nossos avós nos ensinam uma palavra, em minha língua “jabuainan” que quer dizer semear a palavra no coração. Espero que, nesses dias que vamos compartilhar, consigamos alcançar esse objetivo: semear a palavra em nossos corações. 

Confira a programação completa:

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poeta colombiano Hugo Jamioy

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