Amor à primeira vista pelas lentes de um microscópio

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pesquisadora em laboratório

“Sabe quando o universo para e você percebe: 'é isso!'? Foi assim. Quando eu olhei um fungo no microscópio pela primeira vez, me apaixonei”. Esse foi o começou da história de amor entre a estudante de química, que no fundo queria ser bailarina e era viciada em seriados de investigação criminal, e os microrganismos. Hoje, professora do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, Taícia Fill acaba de vencer o prêmio Para Mulheres na Ciência, promovido pela L’Oréal Brasil, em parceria com a UNESCO BRASIL e com a Academia Brasileira de Ciências, na categoria Ciências da Vida. O projeto pretende identificar substâncias produzidas pela natureza que, agindo como fungicidas, possam ser usadas no combate as principais pragas que atingem a produção de laranjas no Brasil.

Longe da aversão que pode despertar em alguns e do apetite que pode estimular em outros, para Taícia, os fungos são riquíssimas fábricas de produtos naturais.  “Compostos produzidos por fungos mudaram toda a história da humanidade. A penicilina salvou milhares de vidas na Segunda Guerra. E se, hoje em dia, a expectativa de vida é 80 anos, com certeza os microrganismos são muito responsáveis por isso”, afirma a pesquisadora orgulhosa. Taícia ficou tão encantada com que viu no microscópio, que nunca mais se afastou dele, nem das micro criaturas a que fora apresentada naquele dia.

Hoje, responsável pelo Laboratório de Biologia Química Microbiana, com 12 orientandos de graduação a pós-doutorado, Taícia busca, na dinâmica entre os microrganismos, um produto natural que possa ser usado para combater algumas das principais pragas que atingem a produção brasileira de laranjas. “Os agrotóxicos comerciais utilizados atualmente contra essas doenças têm vários problemas. Um deles é a resistência. Alguns fungos já são resistentes aos compostos comerciais. Além disso, muitas vezes, são tóxicos para o meio ambiente e para a saúde humana”, explica.

fungo

O projeto premiado pela L´Oréal, que contará com uma bolsa auxílio de dois anos, buscará identificar produtos naturais com ação fungicida, testar sua toxidade e verificar as possibilidades de torná-los comercializáveis. “Buscamos alternativas seguras e naturais para combater pragas em citros.  Olhamos para a natureza, para ver o que ela desenvolveu ao longo de anos de evolução. Ela tem uma estratégia”, relata Taícia.

Conforme explica a pesquisadora, na natureza, os microrganismos competem entre si, por espaço e nutrientes. Alguns deles desenvolvem relações de mutualismo com os hospedeiros. Outros acabam tomando conta delas. Estes são conhecidos como patógenos. Entre as pragas mais comuns geradas por eles nas laranjas estão o bolor azul e o bolor verde, causadas pelo Penicillium italicum e Penicillium digitatum. 

Contudo, segundo a observação do grupo de pesquisa, dificilmente as laranjas apresentam os dois. “Esses fungos têm mecanismos de defesa, um contra o outro,  desenvolvidos ao longo da evolução. São moléculas usadas para afastar ou inibir o crescimento do outro, para que ele possa garantir sua sobrevivência ali. São produtos naturais que são verdadeiras armas químicas”, explica Taícia.

No laboratório, a pesquisadora e sua equipe isolam os microrganismos encontrados em determinado hospedeiro e simulam, in vitro a competição que ocorre na natureza. Colocados para competir, os fungos acionam suas fábricas e produzem uma série de substâncias como enzimas e outras moléculas. Por meio de tecnologias de imagem, os pesquisadores puderam identificar esses produtos e a forma como atuam. Na imagem abaixo, podemos observar uma faixa cor vermelha na interface entre os fungos. Essa faixa foi identificada como um halo de inibição entre um fungo e outro. “O halo de um não deixa o outro crescer.  Eles estão em batalha química”, comenta Taícia. A imagem, registrada por meio da espectrometria de massa, permitiu aos pesquisadores identificar as moléculas presentes no local e isolá-las para estudo.

imagem de fungo por espectrometria de massas
Na imagem, dois fungos em interação, simulando o que ocorre na natureza. As moléculas produzidas entre eles são o foco da pesquisa.  

Nesse processo, a equipe da professora Taícia já descobriu cinco novas substâncias antifúngicas, que nunca haviam sido identificadas quanto a sua atividade antifúngica. Suas estruturas químicas foram estudadas e o poder de inibição do crescimento do fungo comprovado em laboratório. “Já sabemos que elas agem destruindo a parede celular do fungo”, aponta Taícia.

De acordo com a professora, a próxima fase do projeto é avaliar se esses compostos são tóxicos para natureza e seres humanos. O teste de toxicidade frente a células humanas in vitro será realizado no próprio Instituto de Química da Unicamp. “Nos propomos a estudar a toxicidade desses compostos e realmente ver se chegamos a uma formulação para virar algo comercial”, afirma.

Apesar da aplicação prática em curto prazo dessa pesquisa, Taícia afirma que o Laboratório de Biologia Química Microbiana faz pesquisa básica. “Nosso foco é descobrir essas moléculas e tentar chegar a novas estruturas químicas e novas atividades biológicas. Conseguir vincular isso a uma aplicação é excelente, mas o foco do grupo não é desenvolver produtos para o mercado, mas descobrir os mecanismos da natureza e estudar essas interações”, ponderou.

Ser uma mulher na ciência

“A igualdade de gênero na ciência é uma pauta que precisa ser discutida e reforçada. O prêmio atua nesse sentido”, afirma Taícia. Dirigido a jovens mulheres cientistas, o prêmio busca, de acordo com o site, favorecer o equilíbrio dos gêneros no cenário brasileiro. Apesar de não ter vivido discriminação no laboratório onde cumpriu boa parte de sua formação da Ufscar, Taícia Fill afirma que essa prática ainda é comum. “A química ainda é um ambiente muito masculino. Em toda história do IQ só houve uma diretora mulher. Na Sociedade Brasileira de Química, entre os 19 presidentes, há também apenas uma mulher.  Existe pouca representatividade das mulheres nos altos cargos da ciência como um todo”, ressalta.

 Essa falta de representatividade, segundo ela, afeta a escolha profissional e a perspectiva de carreira das jovens cientistas. “É importante poder inspirar meninas que estão começando a carreira. Mostrar que estamos lutando, trilhando esse caminho e conquistando espaço”, diz. Entre as pesquisadoras que lhe serviram de modelo em sua área, Taícia citou Maysa Furlan, Mônica Pupo, Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva e Vanderlan Bolzani.

 

Vencedoras anteriores

2011 - Ana Luiza Cardos Pereira (Ciências Físicas, Unicamp)

2010 - Simone Appenzeller (Ciências Biomédicas, Unicamp)

2008 - Luciana G. de Oliveira (Ciências Químicas, Unicamp)

Imagem de capa
Taícia Fill acaba de vencer o prêmio Para Mulheres na Ciência

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