Respeitável público, Brasil e Canadá juntos pelo circo

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Dentro da Escola Nacional do Circo de Montreal
Dentro da Escola Nacional do Circo de Montreal


O Canadá é um dos países com maior destaque e investimentos em circo. Também é referência na formação de profissionais e pesquisas, com cursos superiores específicos na área. Já o Brasil, forma artistas em centenas de circos de lona em todo o território e em escolas de arte. Não há curso universitário, mas é aqui que as crianças aprendem tecido, malabares, acrobacias e outras especialidades circenses desde cedo em colégios regulares, projetos sociais e espaços de cultura. O Canadá busca a prática pedagógica a partir do conhecimento brasileiro e da capacidade de, com baixo investimento, fazer “muito com pouco”. O Brasil quer aprender gestão, formação profissional e políticas públicas eficientes. Foi exatamente a partir dessas diferenças que a cooperação acadêmica ganhou forma. Intercâmbios acadêmicos entre a Unicamp e instituições de ensino superior canadenses, como Universidade de Manitoba e Escola Nacional do Circo de Montreal (NCS), marcaram o primeiro semestre deste ano. Marco A. C. Bortoleto, professor do Departamento de Educação Física e Humanidades da Faculdade de Educação Física (FEF), participou de uma série de atividades, cuja questão central é como ensinar circo pra diferentes públicos e idades. O professor viajou a convite de Patrice Aubertin, da Escola Nacional de Circo de Montreal, e de Patrick Leroux, professor da Universidade de Concordia e membro do Centro de Pesquisa da Escola Nacional de Circo de Montreal (Cripac). Além do trabalho de campo, com duração de um semestre e feito em parceria com Dean Kriellars, da Universidade de Manitoba, aproveitou a oportunidade para que quatros alunos de pós-graduação - Lua Barreto, Camila Ribeiro, Rodrigo Mallet e Leonora Cardani – participassem de um seminário intensivo de verão, promovido por Leroux durante quinze dias em julho. O grupo se reuniu com mais 18 estudantes de 12 países, interessados em se aprimorar na pesquisa sobre circo contemporâneo.

Alunos de pós imersos em teoria e prática
Pela manhã, aulas e palestras. À tarde, atividades práticas e desenvolvimento das próprias peças. No período noturno, apresentação de shows de renomadas companhias, seguidos de debates. A correria e intensidade do curso fortaleceram laços de pesquisa e objetivos em comum entre os estudantes. Dançarinos, músicos, artistas de teatro, artistas de circo, produtores de vídeo da Itália, Bélgica, Holanda, Nova Zelândia, Austrália, Turquia, Estados Unidos, Canadá, Colômbia e Brasil puderam compartilhar experiências e desdobrar ações no retorno às universidades de origem. “Pesquisadores da Unicamp com vasta experiência em circo e especialmente educação física devem contribuir para que continuemos as relações entre nossos centros de pesquisa”, confirma Leroux. O curso foi ministrado 100% em inglês e francês. “Recebemos indicações de bibliografia antes mesmo de embarcar para iniciarmos a preparação em dramaturgia circense, pesquisa e criação”. As aulas tiveram formato de seminários com atividade prática final em grupo. “A união de pesquisa e arte resultou em apresentações ricas e, de certa forma, fora de nossa zona de conforto”, comenta a mestranda Leonora. As diferenças da prática de circo entre os dois países chamaram a atenção de Lua Barreto, estudante de doutorado, embora escolas nacionais tenham sido criadas na mesma época: início dos anos 80. “Lá eles têm um aparato que no Brasil não há. Em compensação, a gente consegue atingir níveis muito bons com o pouco que temos. Há artistas brasileiros nos maiores circos do mundo, mesmo sem se dedicar integralmente às aulas por ter que conciliar uma atividade rentável”, analisa. Interação com diretores artísticos também fez parte da imersão. Não por acaso o seminário foi organizado junto com o Montréal Complètement Cirque, maior festival do país, com espetáculos diários das principais companhias do mundo.

Veja um dos espetáculos do Montréal Complètement Cirque 2018:

Circo na escola: maior sociabilidade e prática de atividade física

O pioneirismo brasileiro no ensino de circo em escolas regulares despertou o interesse do Cripac, a fim de avaliar mudanças no comportamento e ensino-aprendizagem de crianças pequenas. Afinal, no Canadá, aprender acrobacias, trapézio ou malabares logo cedo na educação formal é novidade. Mas seria necessária a presença de um profissional de pesquisa em circo-escola, externo à cultura local e com experiência pedagógica. Bortoleto topou a proposta e relata a experiência.

SEC: Qual foi a participação da Unicamp na pesquisa?
Bortoleto: A pesquisa sobre o circo como ferramenta pedagógica nas escolas canadenses é um projeto para os próximos sete anos. A etapa da qual participei foi de fevereiro a julho deste ano. Nesse período, coletei dados e fiz análises para qualificar a atuação dos educadores. Os pesquisadores estão estudando o ensino de circo para doze escolas para avaliar impactos motores, psicológicos e sociais. Se os resultados forem realmente positivos, a ideia é propor que todas as escolas regulares do Canadá possam oferecer as aulas em alguns anos, com apoio do Ministério da Educação. A análise envolve aspectos múltiplos, pois trabalhamos em uma rede com psicólogos, pedagogos, sociólogos, médicos, profissionais de educação física, dramaturgos.

SEC: Quais são as percepções preliminares nas escolas canadenses de educação infantil que passaram a adotar práticas circenses no currículo?
Bortoleto: O índice de participação na educação física sempre foi baixo, não superando 60%. Após um ano e meio de circo como conteúdo curricular nas escolas, o índice subiu entre 85% e 88%. Professores destacaram que o fato de não ser uma atividade competitiva em sua essência e, ao mesmo tempo, ter várias possibilidades pode ter ampliado a colaboração das crianças. A participação efetiva, ou seja, o tempo que eles fazem atividades, também foi maior, o que significa também menos sedentarismo e maior interesse. Observamos, nesse primeiro ano, cerca de 600 alunos de cinco a oito anos de idade. Em 2019, vamos monitorar atividades de crianças de oito a dez anos. A questão que buscamos responder é “temos que mudar a pedagogia, ensinar coisas diferentes nas diversas faixas etárias, para que esses índices se mantenham ou aumentem ainda mais?”.

SEC: Quais são as vantagens do ensino de circo desde cedo nas escolas?
Bortoleto: O circo aproxima a educação física e a arte. Estimula criatividade, inovação, resiliência, que é a capacidade de resistir a dificuldades e construir soluções. Também pode contribuir com a cooperação e a confiança entre colegas. Isso acontece em aulas de malabares, acrobacia, trapézio e monociclo, por exemplo. Nossos estudos mostram que no ensino de circo nas escolas a diferença de gênero quase desaparece. A prática de esporte, no geral, é marcada pelas diferenças de gênero. No circo não existe “isso é de mulher, isso é homem”. Não há categorias de idade e de traços físicos também. Na acrobacia coletiva, por exemplo, o aluno mais forte dá suporte ao mais leve. Esse é o discurso da diferença e da potencialidade, que contribui com a sociabilidade entre as crianças. Quanto mais diferente melhor!

SEC: O Canadá é referência em circo profissional, o Cirque du Soleil é um exemplo
Bortoleto: Sim, lá existe a NCS, que atua no ensino superior em circo e insere inúmeros artistas no mercado internacional. Há outras instituições espalhadas pelo país. O processo seletivo semelhante ao vestibular, com provas de habilidades. O Canadá vê a cultura como prioridade. O processo educativo como um todo tem base cultural. O circo vem assumindo protagonismo nos últimos anos, a partir da criação de escolas especializadas, projetos, indústrias de equipamentos e por aí vai. É a arte da vez.

SEC: No Canadá, existem investimentos públicos e privados na formação circense. Pelo menos 60% do financiamento vem do próprio governo. Qual é a meta?
Bortoleto: Para os próximos vinte anos, o foco é preparar uma geração mais inovadora, melhor preparada e resiliente para enfrentar os desafios do século XXI. É uma urgência naquele país, que tem recursos limitados, inverno rigoroso e significativa imigração. A renovação educacional vem para que os jovens aprendam a lidar com esse contexto, tendo o circo como uma das ferramentas. Estamos juntos na elaboração de programas de ensino de circo para as escolas de educação fundamental e médio. 

SEC: Por que o crescente interesse internacional pelo circo brasileiro?
Bortoleto: A falta de recursos, inclusive nas nossas escolas, fez com que desenvolvêssemos procedimentos mais simples e econômicos, porém efetivos. Essas alternativas despertaram o interesse de pesquisadores do exterior. Eles viram possibilidades de adequar soluções brasileiras lá fora.

SEC: O que, em contrapartida, podemos aprender com eles?
Bortoleto: A gestão por lá é extraordinária. Há profissionais especializados para cada atividade, incluindo cenógrafos, promotores dos eventos, diretores artísticos. Não é como aqui, onde todo mundo faz de tudo, desde buscar recursos até escrever relatórios de pesquisa. As políticas públicas no Brasil são fragmentadas, o que prejudica o desenvolvimento a médio e longo prazo. A questão do idioma ainda é uma barreira. Poucos pesquisadores brasileiros na área dominam o inglês ou o francês, o que dificulta o diálogo com os pares e a divulgação de nossos potenciais. Estamos, pouco a pouco, qualificando nossos alunos a fim de minimizar essa questão. Quanto à tecnologia, ainda estamos aquém do já existe na produção de espetáculos. O Canadá conseguiu caminhar rapidamente nisso pois focou em modernização, na formação dos artistas e em parcerias público-privadas, além de pesquisas colaborativas interdisciplinares. No Brasil temos cerca de 600 companhias que circulam pelo país em circos de lona, centenas de grupos que se apresentam em praças e teatros de grandes e pequenas cidades. O setor artístico requer atenção e pesquisa para se desenvolver mais.

IV Seminário Internacional de Circo abre inscrições
Uma das próximas oportunidades de diálogo entre a Unicamp e pesquisadores do exterior é o IV Seminário Internacional de Circo (Semin), que acontece entre 14 e 16 dezembro em diversos espaços do campus, como o “ginasinho” da FEF, teatro de arena e Casa do Lago. Com o tema “Inovação e Criatividade”, o encontro terá apresentações sobre circo social, circo contemporâneo, inovações em pedagogia e novas tecnologias. Performances artísticas, cursos e espetáculos completam as atrações. A organização é do grupo CIRCUS que, desde 2006, atua em investigações e projetos de extensão relacionados à linguagem circense em espaços como ruas, praças, escolas e grupos profissionais. “É uma excelente chance de consolidar parcerias, absorvendo conhecimentos de gestão e tecnologia e, ao mesmo tempo, apresentar nossas soluções e talentos”, conclui Bortoleto.

Leia mais sobre o grupo de pesquisa CIRCUS:

Acesse a programação do Seminário

Em frente da Escola Nacional do Circo
Escola Nacional do Circo. À esquerda, Marco Bortoleto
Com o professor Patrick Leroux
Todos os alunos e professores do seminário. À esquerda, agachado, Marco Bortoleto
Imagem de capa
Circo une pesquisas entre a Unicamp e o Canadá

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