Docente da Unicamp fala como é conviver com a doença de Parkinson

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Shepherd encontra nas fotografias o alívio da doença
Shepherd encontra nas fotografias e nas plantas o alivio da doença

George Shepherd tem uma casa confortável, repleta de livros. Tem um lindo jardim, repleto de plantas. Tem um laboratório fotográfico com muitos registros que, como botânico da Unicamp, realizou em muitos lugares e durante as muitas expedições que fez com seus alunos a fim de coletar plantas e desvendar novas espécies. Deixou a Escócia em 1975, aos 26 anos, a convite do então reitor Zeferino Vaz. Foi contratado como docente do Instituto de Biologia (IB).

Nesses anos todos, teve uma carreira intensa em todos os sentidos. E tudo corria bem até que, aos 48 anos de idade, começou a notar um incômodo em sua saúde: um pequeno tremor no braço. Mas, como acabava de retornar de uma viagem, achou que havia se esforçado demais para carregar as bagagens. O tremor persistiu e piorou. Veio a rigidez. Não conseguia relaxar o braço e a perna. Ainda assim, demorou dois anos para buscar ajuda médica. A esse ponto, já não dormia mais. A perna ficou tão dura que não relaxava. Desenvolveu a doença de Parkinson.

Vinte anos depois do diagnóstico, George acredita que a sua experiência possa colaborar muito com as pessoas. Hoje entende que, com conhecimento e apoio de uma equipe de saúde, pode ter qualidade de vida, apesar dos sintomas. Participa ativamente das reuniões da Associação Campinas Parkinson (ACP) e, neste dia 11 de abril, tomará parte da conscientização do Dia Mundial de Combate à Doença de Parkinson. Para marcar a data, o botânico fez, no último dia 8 (sábado), uma exposição virtual de fotografias da Patagônia, onde esteve quatro vezes. O evento foi no Sesc-Piracicaba.  

George acredita ter achado uma forma de aliviar sua doença – fazer fotografias de plantas. Já reúne mais 400 gigabytes de memórias fotográficas de alta resolução, as quais aos poucos tem mostrado em algumas exposições, entre elas “Revelando a beleza escondida”, de 2015. “Hoje uso uma câmera menor. Porém gasto mais tempo preparando o ambiente por conta da iluminação. Também tento improvisar equipamentos, bolando alternativas. Isso me dá muito prazer”, revela.

A professora Simone fala do apoio dos familiare
A professora Simone fala do apoio dos familiares

Mas como é viver com o Parkinson? O professor Shepherd explica que mantém uma rotina sistemática de atividades na semana, que envolvem sessões de hidroterapia, pilates e fisioterapia. Também frequenta periodicamente o HC da Unicamp. O mais difícil, relata, é a aceitação da doença. “Todo paciente passa por isso, por se tratar de uma doença incurável, progressiva e que traz desconforto. Essa não é uma perspectiva muito feliz”, expõe.

Por outro lado, ele tem procurado “conviver bem” com a doença. “Não adianta ficar em casa lastimando. Isso só traz sentimentos miseráveis e afeta a vida dos que cuidam da gente. Decidi que tenho que maximizar o que posso fazer, e não reclamar daquilo que não posso.”

Entretanto, George reconhece que o paciente de Parkinson esbarra ainda em várias barreiras. Uma é a ingestão de medicamentos com intensos efeitos colaterais. A outra é a dificuldade de obter medicamentos quando faltam na farmácia de alto custo e no posto de saúde. “Ingiro medicamentos a cada três horas, que não saem por menos de R$ 1.500,00 por mês. A dúvida, se haverá medicamento na rede pública, produz muitas incertezas ao paciente, que muitas vezes tem que arcar com os custos.”

Patologia
O Parkinson é uma patologia de causa neurológica, crônica e progressiva, resultante da degeneração das células na região do cérebro conhecida como substância negra, responsável pela produção de dopamina, um neurotransmissor que, entre outras funções, controla os movimentos do corpo. Atualmente, há no país cerca de 200 mil casos dessa doença. 

A causa do desgaste das células ainda é desconhecida, contudo provoca alterações funcionais em estruturas localizadas profundamente no cérebro que estão envolvidas com o controle dos movimentos, aparecendo tremores, rigidez, bradicinesia (movimento lento) e alteração do equilíbrio. Essas disfunções aparecem ao caminhar, se equilibrar, engolir, escrever e até para falar.

George comenta que felizmente já não sofre mais tremores fortes. “No início, eles eram frequentes e muitas pessoas cobravam alguma atitude minha e de minha família”, lembra.

Plantas fotografadas por Shepherd
Planta fotografada por Shepherd

Os parkisonianos, diz, ficam muito expostos e vulneráveis com a doença, uma vez que a patologia afeta socialmente e é estigmatizante. Há uns anos, ele fez uma viagem a Hamburgo, Alemanha. Um dia acordou com movimentos involuntários descoordenados (uma discenesia). "Fui ao restaurante almoçar. Sacudia tanto que mal conseguia comer. Acabei atraindo tantos olhares que me constrangi. Suspeitei daquele sintoma e de sua relação com a droga levodopa. Reduzi a dose e melhorei”, relata. “Existe muita intolerância com o paciente de Parkinson na sociedade contemporânea”, percebe.

O docente dá conselhos a quem acaba de ter o diagnóstico da doença: “Não entre em desespero. Essa não é uma sentença de morte. Existe vida pós-diagnóstico. Com a medicação adequada, a perspectiva é bem melhor do que antigamente. É possível manter uma vida razoavelmente ativa e com qualidade”.

De outra via, ele sublinha que, se há alguma coisa que aprendeu sobre o Parkinson, é que cada caso é um caso. “As pessoas reagem distintamente e devem compreender a variação do uso de medicamentos e o que isso pode representar.”

Ainda segundo George, sua luta diária é para se manter ativo. E consegue fazer a maioria das atividades por si mesmo, a despeito das limitações. “Essa doença tem afetado mais o meu físico. A atividade intelectual ainda prossegue. Tenho feito pesquisas com ex-alunos.”

O botânico aposentou da Unicamp em 2013. Mas, quando lembra do seu trabalho, ganha nova alma. Conta que uma das melhores expedições suas foi para o município de Serra Fina, entre Queluz e Passa Quatro. “É uma área de acesso difícil. Levamos dois dias para chegar ao topo da serra (Pedra da Mina), o quarto maior pico do país e o mais alto da Serra da Mantiqueira, e ficamos coletando plantas. Descobrimos três espécies completamente novas”, revela. Seu orientando trabalhou lá por dois anos e coletou oito espécies novas. Leia texto publicado no Jornal da Unicamp

Os achados estão documentados no projeto Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, organizado originalmente pelo professor do IB Hermógenes Leitão. Esse trabalho reuniu cerca de 200 pesquisadores da área de Botânica e, juntos, produziram uma espécie de catálogo das plantas do Estado. Esse projeto gerou oito dos 15 volumes previstos ainda para serem publicados.

Cuidados
Simone L.K. Shepherd, esposa de George e também professora aposentada do IB da Unicamp, acredita que a família tem papel fundamental nos cuidados com o paciente de Parkinson. “Na Associação, vemos muitos relatos de abandono quando se descobre que a pessoa é portadora da doença”, lamenta.

Ela assinala que a família precisa estar atenta aos diferentes sinais da doença, assim que aparecem. A pessoa com essa patologia se torna inflexível. Outro aspecto para o qual chama a atenção é a dificuldade de se chegar a um diagnóstico. Com isso, a pessoa demora para iniciar o tratamento, e o seu sofrimento pode se tornar ainda maior.

A médica Laura Silveira
A médica Laura Silveira

No ano passado, George se submeteu à cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda (ECP) (do inglês Deep Brain Stimulation - DBS), na qual se utilizam eletrodos que enviam impulsos elétricos a uma determinada região cerebral, para diminuírem os sintomas. Esse é o tratamento de escolha quando a medicação já não é mais eficiente e está ocasionando danos ao paciente. Agora, ele se sente melhor.

De acordo com a professora colaboradora do Departamento de Neurologia da Unicamp Laura Silveira, depois do diagnóstico por um médico qualificado, é muito útil procurar se informar sobre o Parkinson e tomar decisões conjuntas com o médico. "Essa doença afeta não somente a mobilidade, mas também tem muitos outros sintomas. Paciente e familiares bem-informados são capazes de trazer dúvidas e observações muito úteis durante a consulta clínica", frisa.

As alternativas medicamentosas não mudaram tão drasticamente nos últimos anos, informa Laura Silveira, mas houve uma melhora na indicação cirúrgica, que pode ser uma opção para casos específicos. O mais importante é que, na última década, houve uma valorização do tratamento multidisciplinar e da manutenção de um estilo de vida saudável, o qual inclui exercícios físicos regulares, uma boa alimentação e, acima de tudo, um ambiente psicológico estimulante e acolhedor.

"Tanto uma irmã como um irmão da minha avó sofreram a doença. Eu me lembro bem da minha tia-avó, uma pessoa muito querida, que recebeu um tratamento que estava muito abaixo do disponível no momento. Às vezes, queria voltar o tempo, entretanto encontrei uma solução tentando ajudar outros portadores, tanto os que são meus pacientes como os da Associação, ou outros que estão ainda hoje sem a devida assistência", acentua a médica, que é uma das grandes apoiadoras da Associação Campinas Parkinson.

As principais perspectivas do paciente, do ponto de vista médico, é que o Parkinson deixou de ser um diagnóstico terminal, como era, e passou a ser um chamado à ação. "Temos inúmeros recursos para mitigar os sintomas da doença e sabemos que muitos pacientes levam uma vida feliz e satisfatória, apesar dos contratempos impostos pela condição", esclarece. "Nossa principal tarefa é integrar o cuidado medicamentoso ao acompanhamento multidisciplinar e auxiliar sempre na educação de portadores e cuidadores sobre a doença. Assim, podemos juntos vencer os desafios do percurso."

Em sua opinião, existem inúmeras vantagens de se integrar a grupos como esse. Uma delas é receber informações verificadas, pois todas as associações de portadores contam com a colaboração de diversos profissionais qualificados e que têm um interesse particular em estudar e tratar o Parkinson. Essa Associação tem a colaboração de diversos profissionais, entre eles médicos da própria Unicamp. Além disso, disponibiliza aconselhamento multidisciplinar e ministra aulas regulares a respeito do papel da enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia no tratamento da doença. Mais ainda: ela fornece um ambiente acolhedor para dividir experiências, conselhos e enfrentar o preconceito, que ainda ocorre e atinge muitos portadores.

Planta fotografada por Shepherd
Plantas fotografadas por Shepherd

Conheça algumas fotografias de Shepherd.

 

Imagem de capa
O professor George Shepherd é portador de Parkinson

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