Especialistas apontam propostas para democratização do direito à cidade

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mesa de abertura do evento composta por quarto pessoas. Adriana Nunes Ferreira, Julio Hadler, Álvaro Crosta e José Marcos da Cunha.
Adriana Nunes Ferreira, Julio Hadler, Alvaro Crósta e José Marcos da Cunha abriram o evento

“O direito à cidade é algo que diz respeito ao direito de atuar sobre os nossos padrões de sociabilidade. Em um momento em que os direitos coletivos têm sido desmontados no Brasil, discutir o tema torna-se urgente. A universidade pública é por excelência o espaço para essa finalidade”, explicou Adriana Nunes Ferreira, coordenadora do Fórum Pensamento Estratégico (PENSES) da Unicamp, que promoveu, nesta terça-feira (4), o Fórum Direito à Cidade – Desafios para uma Agenda Metropolitana. O evento, com mais de 700 inscritos, de dez municípios e cinco universidades, lotou os auditórios do Centro de Convenções da Unicamp. Também integraram a mesa de abertura os professores Alvaro Crósta, coordenador geral da Unicamp, Julio Cesar Hadler Neto, secretário de Comunicação da Unicamp, e José Marcos da Cunha, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e um dos organizadores do evento.

mulher fala ao microfone
Adriana Nunes Ferreira, coordenadora do Penses da Unicamp

“A grande demanda desse encontro está mostrando que existe uma necessidade enorme de uma reflexão sobre o tema, sobretudo pela camada mais jovem da população, ávida por transformações e que, talvez, tenha uma compreensão melhor da importância das cidades no mundo contemporâneo”, afirmou Edesio Fernandes, pesquisador do Direito e especialista em urbanismo, que compôs a primeira mesa do encontro. Para ele, a questão principal é como garantir que esse direito à cidade se torne uma realidade, para que o atual padrão de urbanização – excludente, segregador e poluidor– seja revertido.

Mulher de cabelos curtos e óculos vermelhos em pé fala com o microfone na mão
Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Raquel Rolnik inclui esse processo de desagregação das cidades em um contexto global de “captura” do Estado pelo capital e pelo mercado. “Temos vivido a desconstrução da cultura de direitos e solidariedade, e a valorização da cultura da meritocracia, do empreendedorismo, da competição e da acumulação. É um movimento que solapa a ideia de direitos humanos universais.”

Assista ao vídeo produzido pela TV Unicamp

A urbanista ressaltou que é importante entender o impacto físico e material dessa mudança de pensamento. “A noção de público está sendo colonizada pela noção de privado, a começar pela ideia perversa de que o espaço público é propriedade privada do Estado e não propriedade coletiva do cidadão.” Assim, os espaços públicos passam a ser regidos pela lógica da mercantilização, deixando de atender às necessidades humanas para se converterem em potenciais geradores de recursos para o Estado.

Segundo Fernandes, responsável por agregar o ponto de vista jurídico ao debate, há necessidade de uma precisão conceitual sobre a expressão “direito à cidade”, que ganhou destaque recentemente após ser incluída pela primeira vez em um documento da Organização das Nações Unidas (ONU) por ocasião da Conferência Mundial para Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat III), no ano passado.

Homem sentado observa
Edesio Fernandes trouxe o ponto de vista jurídico ao debate

“O direito à cidade tem significado coisas diferentes para grupos diferentes. Com frequência, há uma visão muito ampla querendo que esse direito signifique tudo e qualquer coisa. O que implica no risco de ele não significar nada efetivamente. Temos mais legitimidade do que legalidade”, explicou. Diferenças entre os direitos individual, social e coletivo, ou direito do cidadão e o direito humano, foram destacadas por Fernandes pelas consequências práticas que geram dinâmicas dos processos jurídicos. “A cidadania contemporânea tem que incluir direitos políticos de natureza coletiva”, pontuou. Ele ressaltou ainda o caráter histórico e dinâmico do direito, lembrando que “a lei é muito mais um processo de disputa do que solução para conflitos”.

Conflitos urbanos

Direito à cidade é o direito ao acesso, à circulação, à troca, às interações, “não é o direito ao meu quintal”, defende a cientista social Vera Telles, professora da Universidade de São Paulo. Segundo ela, a lógica de conflito mudou: antes existia a chamada gestão negociada dos conflitos, hoje, a lógica passa pelas ocupações. “Ocupa-se as ruas como forma de protesto, interrompe-se as ruas, ocupa-se as praças, ocupam-se os pontos nefrálgicos da cidade.” Ela atenta, entretanto, que as formas de contenção desses protestos políticos estão sendo cada vez mais tratadas de forma militarizada.

Mulher sentada a mesa de debate
Vera Telles, professora da Universidade de São Paulo

Terminologias como a palavra “insurgência”, além de tecnologias e equipamentos militares, estão sendo utilizadas pelas autoridades na contenção da assim chamada “guerra urbana”. Tal atitude ajuda a esfumaçar o que é compreendido como crime e o que é protesto de rua. A segurança pública voltada contra a “insurgência” é um traço contemporâneo, não só no Brasil, porém, Telles sinaliza que “a repressão estimula um campo de gravitação de coletivos urbanos e agrupamentos diferentes que se articulam e resistem”.

Olhar os protestos de rua e entender o que dizem sobre as cidades e seus conflitos foi a missão da cientista política Luciana Tatagiba, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. De acordo com a professora, as manifestações que tomaram as ruas nos últimos seis anos, com as mais diversas bandeiras, de esquerda à direita, não têm precedentes na história do país, e o grande desafio dos pesquisadores é identificar e dar nome aos processos em curso.

Mulher sentada a mesa de debate
Luciana Tatagiba, professora do IFCH da Unicamp, abordou as manifestações de rua

A partir de um Banco de Dados dos Protestos, com informações colhidas sobre as manifestações de rua ocorridas no Brasil desde 2011, ela buscou identificar os atores que marcaram presença e os temas que mais mobilizaram no período. Dentre eles, destacaram-se dois, diretamente ligados ao direito à cidade: transporte público e moradia. No primeiro caso, foi marcante a participação do Movimento pelo Passe Livre (MPL). No segundo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).

Tatagiba indica que a cidade aparece nos estudos como uma arena que confere visibilidade aos atores políticos. Segundo ela, é nesse local que o indivíduo se constitui como coletividade. “No espaço público às vezes nós pensamos o protesto como um ator político que já está construído e que vai à rua para demandar, mas o protesto é também um lugar de construção do ator político, inclusive das suas demandas.”

Auditório lotado com pessoas sentadas assistindo palestra. No palco mulher sentada interpreta em libras o conteudo da mesa de abertura
Interprete de Libras durante mesa de abertura do Fórum Direito à Cidade

Ocupação Nelson Mandela

Durante o evento, a professora do IFCH fez a leitura de uma nota de solidariedade da comunidade acadêmica aos moradores da ocupação Nelson Mandela, que foram despejados no dia 28 de março pela Prefeitura de Campinas durante uma reintegração de posse. A moção então circulou pela plateia do Fórum para recolher assinaturas. Segundo Tatagiba, a ideia é, juntamente com o movimento, construir atos para dar visibilidade ao tema e cobrar o poder público.

Régis Nascimento, coordenador da ocupação, foi convidado pelos organizadores do Fórum a se manifestar. Segundo ele, desde agosto do ano passado, quando a mobilização começou, a ocupação Nelson Mandela “deu um novo significado àquela área do Jardim Capivari”. Nascimento destacou que a área estava abandonada há 20 anos e que “servia à criminalidade”. Ele lembrou também a falta de suporte da Prefeitura, que não garantiu diretos básicos à comunidade, como a exigência prevista em lei de um caminhão para retirada dos pertences, além de negar um espaço que servisse de abrigo por pelo menos uma noite para os moradores. O líder comunitário lamentou o fato de que os moradores precisaram depender do apoio de outras ocupações, como a Joana D’Arc, de Campinas, e a Vila Soma, de Sumaré.

Transformação do espaço urbano

O sociólogo chileno Francisco Sabatini, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Chile, abordou o tema da transformação capitalista do espaço urbano. Em sua palestra, ele ressaltou que o direito à cidade é o direito à diversidade social, é o encontro com “o outro”, que nos faz humanos. “A segregação como homogeneidade social do espaço é uma negação da cidade, porque é uma negação da diversidade.” A cidade, argumenta, é uma combinação entre ordem, estrutura e caos.

Para Luciana Lago, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora da rede Observatório das Metrópoles, o direito ao trabalho é central nos estudos sobre urbanismo. “O direito à cidade é indissociável do direito ao trabalho digno ou emancipado.” Lago aponta que mudanças que afetam o trabalho também produzem efeitos na cidade, como a crise econômica e o aumento do número de pessoas que trabalham em casa e que, portanto, se movimentam menos. “As frustrações da classe trabalhadora precisam ser levadas em conta.”

O Fórum Direito à Cidade – Desafios para uma Agenda Metropolitana foi uma realização do Fórum Pensamento Estratégico (PENSES), em parceria com o Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, Centro de Estudos da Metrópole, Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. O PENSES é um espaço acadêmico, vinculado ao Gabinete do Reitor, responsável por promover discussões que contribuam para a formulação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da sociedade em todos seus aspectos.

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