Edição nº 661

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de junho de 2016 a 03 de julho de 2016 – ANO 2016 – Nº 661

Telescópio


Ventos elétricos
em Vênus
As camadas superiores da atmosfera de Vênus têm um campo elétrico muito mais intenso que a região equivalente da atmosfera terrestre. O campo venusiano é capaz de acelerar íons de oxigênio a altas velocidades e expulsá-los para o espaço, o que ajuda a explicar a ausência de vapor d’água no planeta, diz artigo publicado no periódico Geophysical Research Letters.

“Reportamos a descoberta e as primeiras medições quantitativas extraterrestres de um campo do tipo no planeta Vênus”, diz o trabalho. “Inesperadamente, e a despeito da gravidade comparável, demonstramos que o campo é cinco vezes mais forte que o presente na ionosfera similar da Terra”.

Acredita-se que Vênus tenha mantido oceanos em sua superfície no passado, mas um efeito estufa catastrófico, que hoje sustenta temperaturas de mais de 400º C no planeta, fez com que toda a água evaporasse. Esse aquecimento, no entanto, não explica ausência de vapor na atmosfera. As hipóteses mais aceitas para dar conta do fenômeno especulavam que o hidrogênio, sendo um elemento leve, se perdeu para o espaço, enquanto que o oxigênio teria sido fixado nas rochas.

Agora, a descoberta dos “ventos elétricos” da ionosfera oferece um novo mecanismo: a ejeção dos íons de oxigênio, por meio desse “sopro”. “Determinamos que é possível que planetas percam íons pesados para o espaço totalmente por meio de forças elétricas em suas ionosferas”, escrevem os autores, que trabalharam com base em dados colhidos pelo instrumento Aspera-4, a bordo da sonda europeia Venus Express.

Roubo
via seguro
Prestadores de serviço que acreditam que o cliente será reembolsado por um seguro ou empresa tendem a jogar seus preços para cima, realizando serviços desnecessários e de forma desonesta. Essa impressão, que parece ser universal, foi confirmada por um estudo publicado no periódico PNAS.

Os autores, de instituições da Áustria e da Alemanha, compararam os custos de conserto de computadores em 61 oficinas austríacas. Parte das oficinas foi informada de que o reparo seria pago por uma seguradora e parte, pelo próprio cliente. O estudo encontrou um ágio de até 80% nos consertos feitos “pelo seguro”.

Os autores detectaram que a cobrança excessiva era causada pela substituição desnecessária de peças e pelo sobrepreço na mão-de-obra. “No geral, nossos resultados sugerem fortemente que a cobertura de seguro aumenta bastante a extensão da desonestidade em importantes setores da economia, com custos potencialmente altos para consumidores e a economia em geral”, escrevem.

Mudança climática
extingue mamífero
O roedor Melomys rubicola, usualmente encontrado na ilha de Bramble Cay, no norte da Austrália, foi considerado extinto nesse hábitat. De acordo com relatório da Universidade de Queensland, ele pode ser considerado o primeiro mamífero a desaparecer por causa da mudança climática causada pelo homem.

“O principal fator responsável na extirpação dessa população foi quase com certeza a inundação da ilha baixa, muito provavelmente seguidas vezes, durante a última década, causando dramática perda de hábitat e talvez mortalidade direta de indivíduos”, diz o relatório. “Dados disponíveis sobre a elevação do nível do mar e a frequência e intensidade elevadas de eventos climáticos causadores de níveis da água extremos e tempestades (...) apontam a mudança climática, induzida por seres humanos, como a raiz da perda dos Melomys”.

O relatório aponta que é possível que ainda haja exemplares da espécie, ou de uma espécie muito próxima, em Papua- Nova Guiné.

Moral ambígua
para carros
Carros autônomos, controlados por algoritmos, vêm sendo desenvolvidos há vários anos, e já foram testados em condições reais diversas vezes. No entanto, seu uso em larga escala requer a definição de algumas prioridades morais – por exemplo, caso um acidente seja inevitável, a inteligência do carro deve adotar a conduta que maximiza a segurança dos passageiros, ou a dos pedestres ao redor?

Na revista Science, pesquisadores da França e dos Estados Unidos revelam o resultado contraditório de uma série de pesquisas de opinião pública sobre o tema: a maioria das pessoas prefere que os outros comprem carros programados para poupar pedestres, em prejuízo dos passageiros – mas a maioria também diz que preferiria andar num carro que preserva a vida dos passageiros a qualquer custo.

Se ambos os tipos de veículo entrarem no mercado, especulam os autores, o modelo “altruísta” provavelmente será eliminado pela competição “egoísta”. Já uma regulamentação que obrigue todos os carros a serem “altruístas” poderá levar ao fracasso do produto.

O artigo ainda lembra que dilemas morais mais complexos – por exemplo, onde o resultado final da ação do veículo no bem-estar humano não é claramente previsível – terão de ter soluções discutidas e pactuadas antes que esses carros cheguem ao grande público. “À medida que nos preparamos para dotar milhões de veículos de autonomia, uma consideração séria da moralidade algorítmica nunca foi mais urgente”, escrevem.

Placebo
cognitivo
Estudo publicado no periódico PNAS mostra que muitos dos resultados apresentados pela chamada indústria do “treinamento cerebral” – que oferece jogos e atividades capazes, de supostamente, aumentar a memória e a inteligência – na verdade podem ser apenas efeitos placebo.

“Demonstramos clara evidência de efeitos placebo após uma rotina curta de treinamento cognitivo que levou a ganhos significativos de inteligência fluida”, escrevem os autores. “Nossa meta é enfatizar a importância de se excluir explicações alternativas antes de atribuir efeitos às intervenções”.

O trabalho consistiu no uso de dois tipos de panfletos para recrutar voluntários para um exercício de treinamento cerebral. Um dos panfletos foi escrito em tom entusiástico, de modo a estimular uma resposta placebo, enquanto o outro descrevia o experimento de modo neutro. No final, testes de inteligência mostraram que os voluntários que participaram do treinamento após receber o convite-placebo se saíram muito melhor que os que fizeram o treinamento com base no estímulo neutro.

Agricultura
duas vezes
A agricultura foi inventada de modo independente por duas populações no Oriente Médio, e então exportada para a Europa, África e Ásia, diz levantamento genético publicado no repositório de artigos de ciências biológicas bioRxiv. Os autores analisaram o genoma de 44 indivíduos da pré-história, separados por milhares de anos, e concluíram que as populações que viviam na região atual de Israel e Palestina eram geneticamente diversas das da região do Irã.

Essa evidência genética se soma a indícios arqueológicos de que os caçadores-  coletores neolíticos do sul do Levante e do Irã desenvolveram práticas agrícolas diversas e de modo independente. Membros das duas populações – e suas tecnologias – teriam depois se encontrado na Turquia, e daí emigrado para a Europa, já como o “kit neolítico” completo. Evidências também sugerem que o grupo iraniano teria levado seu conhecimento à Índia e ao Paquistão, e o levantino, para a África.

Especial
ciência chinesa
A revista Nature dedica uma seção especial de sua edição mais recente a um panorama na ciência na China. Em comentário escrito para o periódico, Wei Yang, presidente da Fundação Nacional de Ciências Naturais da China, diz que a produtividade chinesa cresceu, mas que é preciso aumentar o impacto das publicações e reduzir os casos de má-conduta científica, como fraude e plágio.

“A má conduta – incluindo falsos autores e falsos revisores – tem se disseminado, como fica evidente na série de retratações de artigos de autores chineses em periódicos da BioMed Central, Elsevier e Springer nos últimos dois anos”, escreve ele. Seu olhar crítico se estende, ainda, ao papel da ciência chinesa na economia e aos níveis de investimento.

“O progresso científico e tecnológico contribuiu com apenas 55% do crescimento econômico na China em 2015, comparado com 88% nos Estados Unidos no mesmo período. E a China gasta relativamente pouco de seu orçamento total de pesquisa e desenvolvimento (público, industrial e privado) em pesquisa básica”, aponta.

China
supera EUA
Pela primeira vez, os Estados Unidos deixam de ser o país com a maior capacidade instalada de supercomputação. A coroa, agora, pertence à China. O país asiático não só possui o supercomputador mais rápido do mundo, Sunway TaihuLight, com performance máxima de 93 quadrilhões de cálculos por segundo (petaflops/s, ou apenas Pflop/s), como a capacidade total de seus 167 supercomputadores de alto nível chega a 211 Pflop/s, bem acima dos 173 Pflop/s dos 165 melhores supercomputadores dos Estados Unidos.  Já Europa fica com meros 115 Pflop/s.

O avanço chinês, nota o site da revista Science, não tem impacto apenas nas áreas de ciência e tecnologia, mas também no comércio: a China já detém 34% do mercado mundial de supercomputação. O país asiático espera romper a barreira dos exaflops – 1 quintilhão de operações por segundo – até 2020. Máquinas de exaflops podem trazer avanços importantes na simulação da mudança climática e na compreensão do cérebro humano, entre outras áreas.