Edição nº 661

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 27 de junho de 2016 a 03 de julho de 2016 – ANO 2016 – Nº 661

Múltiplas faces de uma Justiça


A coletânea organizada por Ângela de Castro Gomes e Fernando Teixeira da Silva, intitulada A Justiça do Trabalho e sua história, publicada em 2013 como parte da coleção Várias Histórias da Editora da Unicamp, apresenta resultados de trabalhos diversos em história do trabalho – e do direito correspondente – envolvendo a instituição da Justiça do Trabalho no Brasil. Composta por 11 capítulos, além da introdução, é resultado da contribuição de 12 pesquisadores da História e do Direito, que compartilham de olhar aguçado sobre a instituição e as fontes por ela produzidas, até há pouco inacessíveis ou ignoradas pela historiografia do trabalho. Como demonstram os organizadores, trata-se de um “primeiro balanço da produção recente sobre o tema”, demonstrando as possibilidades de análise abertas pelo cruzamento de depoimentos orais com processos judiciais.

O conjunto dos estudos cobre uma ampla gama de temporalidades da história do Brasil republicano. Além de uma introdução aos primeiros movimentos de instalação desse ramo da Justiça no país, com os primeiros debates sobre a regulação oficial do trabalho ainda na Primeira República, é possível observar os atores envoltos com aquele poder nas décadas de 1940, 1950 e 1960, período bastante estudado e por muito tempo chamado de fase do “populismo”. Outra importante contribuição da coletânea são as abordagens, maioria no livro, referentes ao ambiente da ditadura civil-militar iniciada em 1964, contexto ainda pouco explorado pela historiografia do trabalho. Além disso, alguns estudos não se detêm em marcos tradicionais ou comumente analisados: é possível acompanhar a “luta por direitos” dos anos 1940 aos 1980 em uma mesma cidade; e mesmo depois, com abordagens referentes aos anos 1990 e 2000, marcados pela onda neoliberal.

O caráter plural da coletânea se reflete, da mesma forma, nos diversos espaços do território brasileiro em que a Justiça do Trabalho foi se capilarizando desde meados do século passado. Podemos adentrar tanto no mundo urbano industrializado da capital e do interior paulista ou da Grande Porto Alegre, passando pelo mundo das minas de carvão e chegando ao trabalho rural – e não apenas rural – do Nordeste. A escala do olhar dos pesquisadores varia.

É possível observar uma operária indo ao trabalho e eventualmente parando para amamentar em uma casa ao lado da oficina; acompanhar os trabalhadores realizando trabalho doméstico e familiar, lembrando o tempo das primeiras manufaturas inglesas; encarar o incômodo e constante frio de uma câmara frigorífica no interior paranaense; escutar o experiente militante comunista argumentando em assembleia depois do golpe de 1964; seguir a dinâmica de uma vila operária ao lado de empresa mineradora de carvão; imaginar as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores rurais para acessar o escritório da Justiça situado na cidade; sentir a tensão das relações de trabalho em engenho de açúcar em região com forte militância de trabalhadores; acompanhar a atuação de sindicatos demandando direitos coletivos no estado mais industrializado do país; em diversas localidades, assistir às disputas entre advogados e à atuação de magistrados nas Juntas de Conciliação e Julgamento (depois, nas Varas do Trabalho) e nos Conselhos Regionais (a seguir, Tribunais), por vezes chegando ao nível superior daquela Justiça; e ainda nas Delegacias Regionais do Trabalho; finalmente, podemos ouvir juízes, desembargadores e ministros pensando sobre a superexploração do trabalho sobretudo no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste do Brasil.

Como marca da renovação dos estudos históricos das últimas décadas, fenômeno ao menos ocidental se não mundial, existe uma preocupação presente em todas essas múltiplas abordagens, que poderiam parecer desconectadas se não houvesse uma instituição como pano de fundo para o livro de Gomes e Silva. De forma simplificada, podemos afirmar que se trata de entender como operam as racionalidades dos diversos sujeitos históricos vivendo em relação, a partir de suas posições sociais e práticas culturais. Aplicada ao estudo da história da Justiça do Trabalho no Brasil, essa perspectiva possibilita a constatação de que não podemos pensar nas “pessoas comuns”, mesmo sem instrução formal, como desprovidas de estratégias e táticas diante dos grupos com mais poder ou mesmo diante do Estado.

Nauber Gavski da Silva é doutor em História pela UFRGS e professor substituto do Departamento de História da UFSC.

Serviço

Título: Título: A Justiça do Trabalho e sua história: Os direitos dos trabalhadores no Brasil
Organizadores: Ângela de Castro Gomes e Fernando Teixeira da Silva
Editora da Unicamp
Páginas: 528
Área de interesse: História
Coleção Várias Histórias
Preço: R$ 60,00
www.editoraunicamp.com.br