Edição nº 632

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 10 de agosto de 2015 a 16 de agosto de 2015 – ANO 2015 – Nº 632

Presidente da Adunicamp teme êxodo de professores


Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) não é contra a definição de um teto salarial para o funcionalismo público de São Paulo, mas considera o atual limite, referenciado pelos vencimentos do governador do Estado, inadequado. A afirmação é do presidente da Adunicamp, professor Paulo Cesar Centoducatte, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp. De acordo com ele, o teto atual é inconveniente porque está baseado nos proventos de um ente político, que ocupa um cargo eletivo, e não numa função relacionada a uma carreira profissional, que exige anos de formação, dedicação e progressão. Ainda segundo Centoducatte, se o teto salarial dos servidores paulistas não for revisto, há o risco de uma fuga dos profissionais mais experientes e qualificados, professores inclusive, para a iniciativa privada ou para instituições de ensino federais ou de outros Estados, que oferecem melhores condições salariais. “Se esses profissionais deixarem a Universidade, as consequências serão enormes. Isso sem dúvida impactará negativamente a qualidade do ensino, bem como o processo de desenvolvimento científico e tecnológico de São Paulo e, consequentemente, do Brasil”, considera o diretor da Adunicamp. Na entrevista que segue, Centoducatte fala sobre esses e outros assuntos relacionados à atual “polêmica” sobre o teto salarial em vigor em São Paulo.

O presidente da Adunicamp, professor Paulo Cesar Centoducatte: “Apesar de todos as ataques que têm sofrido, as universidades públicas seguem oferecendo  ensino e produzindo pesquisa com qualidade muito superior à verificada nas instituições particulares”Jornal da Unicamp – Como o senhor recebeu o resultado do julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo, que determinou a aplicação do teto salarial também aos docentes da Unicamp?

Paulo Cesar Centoducatte – As expectativas não eram boas em relação ao julgamento, por tudo que aconteceu até a decisão. Fazendo um breve histórico, o Tribunal de Contas do Estado, ao avaliar as contas da Unicamp, fez uma série de recomendações à Universidade em relação ao teto salarial, que depois se transformaram em exigências. A Unicamp, então, informou que iria aplicar o teto conforme as determinações do TCE. Em meados de 2014, a Adunicamp ingressou com uma ação coletiva na Justiça e obteve uma liminar que impediu a Unicamp de aplicar o teto aos associados da entidade. Após a concessão de nossa liminar houve a decisão, com repercussão geral, do STF. Agora, o TJ julgou a ação. A decisão foi contrária ao nosso pleito. Entretanto, os desembargadores retiraram os valores referentes a plantões do cálculo do teto. 

JU – Quais serão, agora, os novos passos da Adunicamp em relação ao tema?

Centoducatte – Ainda temos que aguardar a publicação do acórdão por parte da Justiça, para saber em detalhes como foi determinada a aplicação do teto. Vamos nos reunir com os advogados da Adunicamp e com os associados para analisar a melhor maneira de darmos sequência à defesa dos interesses de nossos associados. 

JU – Qual deve ser o impacto da aplicação do teto para a categoria dos docentes?

Centoducatte – A Unicamp acatou a posição do TCE, que determinou que os salários dos docentes e servidores técnico-administrativos que estivessem acima do teto fossem congelados. Assim, com o decorrer do tempo, esses salários se equiparariam com os vencimentos do governador do Estado. Nesse caso, os docentes perderiam o último (e os próximos) reajuste salarial, cujo pagamento foi dividido pela Universidade em duas parcelas. Entretanto, se a decisão for de aplicar o teto pura e simplesmente, aí o impacto será grande e atingirá um número importante de professores. 

JU – Isso exigiria ações mais urgentes por parte da Adunicamp?

Centoducatte – Cabendo recurso à decisão do TJ, nós obviamente vamos fazê-lo. Além disso, vamos dar continuidade ao que temos feito nos últimos meses. Junto com as demais entidades que compõem o Fórum das Seis, temos atuado junto à Assembleia Legislativa no sentido de convencer os deputados para a necessidade de se alterar o teto salarial do funcionalismo público de São Paulo. Em outros Estados, o teto é o subsídio dos desembargadores, como permitido pela Emenda Constitucional 47, de 2005. 

JU – E qual tem sido a receptividade dos deputados estaduais ao pleito das entidades representativas dos docentes?

Centoducatte – Estamos fazendo um trabalho de convencimento dos deputados, levando a eles os nossos argumentos. Já tivemos a oportunidade de conversar com o Colégio de Líderes e com os integrantes das comissões de Finanças e Orçamento, Educação e Ciência e Tecnologia. Ainda não solicitamos a qualquer deputado a apresentação de uma proposta de emenda à Constituição Estadual, pois esse tipo de matéria precisa de quórum qualificado para ser aprovada, e o governo tem maioria na Casa. Por enquanto, estamos apresentando nossas argumentações sobre a inconveniência do atual teto. São Paulo é um dos poucos Estados da federação que tem como teto os vencimentos pagos ao governador. A maioria tem como limite os subsídios dos desembargadores. Paraná e Tocantins, por exemplo, têm como teto os subsídios pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Isso mostra o descompasso entre os Estados.

JU – Por que o teto salarial do funcionalismo público de São Paulo é inadequado?

Centoducatte – Há argumentos variados em relação à inviabilidade do teto baseado nos vencimentos do governador do Estado. É bom lembrar que esses vencimentos são definidos com base em critérios políticos. Eles estão relacionados, portanto, a um cargo eletivo e não a uma carreira, que exige anos de formação, dedicação e progressão. Um aspecto que precisa ficar claro é que a Adunicamp e as demais entidades que compõem o Fórum das Seis não são contra a definição de um teto. Somos a favor, mas entendemos que o teto atual é inconveniente. Um breve cálculo demonstra essa inconveniência. Em 2005, o subsídio pago ao governador era de R$ 14,8 mil. Atualmente, é de R$ 21,6 mil. Isso representa um reajuste de 45,66% no período. Ocorre que a inflação medida na década foi de 69,47% segundo o Dieese, e de 68,24% conforme o IPCA.

Ou seja, os vencimentos pagos ao governador perderam de longe para a inflação. Para nós, fica muito claro que o governo do Estado utiliza o teto salarial como ferramenta para aplicar uma de política de arroxo salarial contra o funcionalismo público. Ao não corrigir os próprios proventos, o governador rebaixa o limite que pode ser alcançado pelos servidores estaduais em geral, não somente os da Unicamp. Os mais prejudicados, nesse caso, são aqueles profissionais que ocupam funções que demandam maior qualificação; aqueles que investiram muito tempo e recursos na sua formação.

JU – Que consequências podem advir da aplicação do atual teto salarial?

Centoducatte – Uma possibilidade real é a ocorrência de um êxodo de servidores, justamente os mais qualificados. As pessoas começarão a deixar o serviço público em busca de melhores condições salariais. No caso da Unicamp, e considerando somente os docentes, um professor de nível MS6 com 25 anos de carreira e que tenha incorporado somente o quinquênio e a sexta-parte já recebe um salário acima do teto atualmente em vigor. A alternativa para ele não permanecer com o salário estagnado será trocar a Universidade pela iniciativa privada ou por instituições federais e de outros Estados. Obviamente, não faltará colocação para um profissional com esse perfil. No médio prazo, essa política de arroxo salarial vai empurrar a carreira docente para um limite muito menor. No futuro, isso pode levar a Universidade a ter uma massa de docentes com pouca experiência.

JU – Qual o impacto desse possível êxodo para as atividades de ensino, pesquisa e extensão?

Centoducatte – O impacto será enorme. Nunca é demais lembrar que, no Brasil, pesquisa é feita quase que exclusivamente na universidade. No caso da Unicamp, pesquisa e ensino caminham juntos. Também é bom destacar que as principais linhas de investigação científica são conduzidas justamente pelos docentes mais experientes. As próprias agências de fomento só liberam recursos para projetos liderados por professores experimentados e com produção científica significativa. Se esses profissionais deixaram a Universidade, as consequências serão enormes. Isso sem dúvida impactará negativamente a qualidade do ensino, bem como o processo de desenvolvimento científico e tecnológico de São Paulo e, consequentemente, do Brasil.

JU – O senhor diria que as discussões geradas em torno do teto salarial do funcionalismo público paulista contribuem para esclarecer a sociedade sobre a questão?

Centoducatte – Para a sociedade entender e discutir temas como este, é preciso que ela receba informações corretas, fidedignas. A sociedade também precisa ter acesso a diferentes argumentos. Hoje, a grande mídia é muito unilateral. Nessa questão do teto, os jornais em nenhum momento colocaram, por exemplo, que a Emenda Constitucional 47, de 2005, permite que o Estado adote outro teto que não o vinculado aos vencimentos do governador. Essa informação tem sido sonegada. A sociedade está recebendo informação totalmente parcial. Assim, o jogo fica muito desigual. A “briga” não é nem de Davi contra Golias. É muito menos que Davi e muito mais que Golias. 

JU – O senhor considera que existe, então, uma campanha contra a universidade pública?

Centoducatte – Sem dúvida alguma! E esta campanha não parte somente do governo estadual. O governo federal também joga contra a universidade pública quando cria programas que concedem bolsas de estudo para criar vagas nas instituições particulares, como o Prouni. Um estudo apresentado pelo Conselho de Reitores das Universidades Federais revelou que as instituições públicas poderiam criar mais vagas que as geradas pelo programa, se recebessem o mesmo volume de recursos. Apesar de todos os ataques que têm sofrido, as universidades públicas seguem oferecendo ensino e produzindo pesquisa com qualidade muito superior à verificada nas instituições particulares. O nosso papel continua sendo o de resistir e defender o ensino público, gratuito e de qualidade no Estado e no país.