Edição nº 622

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 13 de abril de 2015 a 26 de abril de 2015 – ANO 2015 – Nº 622

Comissão da Verdade apresenta relatório final

Documento resgata fatos vivenciados por docentes, alunos e funcionários da Unicamp na ditadura militar

Mesa de abertura da solenidade de entrega do relatório final da Comissao da Verdade e Memoria Octávio IanniNo último dia 1º de abril foi realizada a solenidade de entrega do relatório final da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni”, criada pela Reitoria para investigar eventuais arbítrios e violações de direitos humanos praticados contra docentes, alunos e funcionários da Unicamp durante a ditadura militar. O relatório traz logo na introdução a premissa que conduziu o trabalho de um ano e meio: que “a Unicamp não foi uma ilha”, mesmo que livre de grandes ocorrências como invasões pelas forças de segurança, desaparecimentos e mortes. “Sua dimensão e alcance [do sistema repressivo] eram tamanhos que as consequências de seu funcionamento não são traduzíveis simplesmente em números de pessoas diretamente atingidas (presos, torturados, desaparecidos, mortos)”, ressaltam os autores do texto. 

A professora Maria Lygia Quartim de Moraes, presidente da CVM “Octávio Ianni”, afirmou que a Unicamp realmente não foi tão afetada quanto outras universidades, como UnB e USP, mas também sofreu os efeitos da ditadura militar tendo professores expulsos e alunos presos. “Além de ser fundamental levantar os fatos, também era de nosso interesse – e daí a ‘memória’ – a transmissão desses fatos às novas gerações; para a compreensão de que, em certo momento do país, uma ditadura impôs uma repressão tremenda, prendendo, torturando e cerceando a liberdade de expressão e de manifestação.” 

Maria Lygia, Jose Tadeu Jorge, Alvaro Crosta e Renan QuinalhaUm caso marcante, segundo Maria Lygia, foi o chamado “expurgo na medicina preventiva”, com a demissão de diversos membros do Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS). “Há o relato de Anamaria Tembellini, companheira de Sérgio Arouca, que fazia parte de uma equipe médica que implementava um programa espetacular em Campinas, em que se tratava o paciente com respeito (e não como um imbecil): explicavam as circunstâncias que levaram à doença, como a água contaminada. Esse mesmo grupo foi para a Fiocruz, no Rio de Janeiro, o que mostra a perda social imediata com a perseguição.”

O reitor José Tadeu Jorge definiu o relatório como um marco na história da Universidade, externando “um agradecimento institucional enfático” à CVM pelo trabalho de resgate e esclarecimento de fatos que tinham sido relegados ao esquecimento. “O trabalho da Comissão faz com que este relatório não seja um produto final, mas um marco, um ponto de referência para outras ações tendo como foco a questão da ditadura. O relatório também faz recomendações acadêmicas de extrema relevância; recomendações chamando a Universidade para o seu papel como agente formulador de políticas públicas; e recomendações de caráter interno, que a própria instituição precisa analisar e produzir os resultados elencados. Quero dizer que nos esforçaremos para que todos os oito itens se concretizem.” 

O professor Alvaro Crósta, coordenador-geral da Universidade, lembrou que a ideia da criação de uma Comissão da Verdade na Unicamp lhe foi sugerida pelo professor Caio Navarro de Toledo. E que outra proposta acatada prontamente foi a de envolver alunos nos trabalhos. “O passado é sempre uma lição e, como a Unicamp é uma instituição formadora de pessoas, consideramos importante a atuação dos alunos dentro do conceito de liberdade e democracia – esses alunos têm enorme poder multiplicador. É uma maneira de recuperar talvez uma falha nossa na formação das gerações atuais, quando vemos apelos pela volta dos militares ao poder.”

A palestra de abertura do evento no Centro de Convenções foi concedida por Renan Quinalha, advogado da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, que elegeu a CVM “Octávio Ianni” como uma das comissões universitárias mais atuantes e exemplares. Ele falou sobre o conceito de Justiça de Transição, concebido no início dos anos 1990 para dar conta do conjunto de medidas visando mudanças de regimes autoritários para democráticos. “Continuam muito parecidas as formas de atuação e de violência por parte de agentes do Estado contra seus opositores, sejam terroristas, bandidos ou que nomes utilizem. Há necessidade deste trabalho de memória e de justiça em relação à violação de direitos humanos no passado para que este passado não acabe se reforçando no presente, permitindo que tais práticas se perpetuem.”

A Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni”, presidida por Maria Lygia Quartim de Moraes, tem como membros titulares os professores Wilson Cano (IE), Yaro Burian Júnior (FEEC), Ângela Maria Carneiro (IFCH), Caio Navarro de Toledo e o advogado Eduardo Garcia de Lima; e, como suplentes, a doutora em sociologia Danielle Tega (IFCH) e a advogada Fernanda Cristina Covolan.