Edição nº 620

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de março de 2015 a 29 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 620

Luz do desenvolvimento

Estudo da FT utiliza recursos da biofotônica para analisar aspectos da germinação de sementes

Semente de girassol é  colocada em equipamento  dotado com sensor que mede a emissão  espotânea de luz por  parte do organismo:  entensidade varia  conforme as condições  impostas à plantaEmbora ainda não faça parte das rodas de bate-papo das pessoas, a biofotônica, área da ciência que manipula os fótons (luz) para aplicações biológicas, está presente em procedimentos cada vez mais utilizados pela população. Um exemplo disso é o emprego do laser para a remoção de manchas, cicatrizes ou tatuagens da pele. Na Unicamp, mais especificamente na Faculdade de Tecnologia (FT), cujo campus fica na cidade de Limeira (SP), a biofotônica também está sendo usada em testes de germinação de sementes, com o objetivo de acompanhar o comportamento desses organismos. O estudo, de caráter inédito, mereceu destaque na capa da revista científica Luminescence, em dezembro de 2014.

A pesquisa que utiliza a biofotônica em testes de germinação é coordenada pelo professor Cristiano de Mello Gallep, que é engenheiro eletricista de formação. Ele explica que resolveu investigar nessa área por causa do ambiente de colaboração entre os professores da FT e também devido à proximidade com os colegas do curso de Saneamento Ambiental. “A ideia de usar a biofotônica em testes de germinação veio do fato de todos os organismos vivos emitirem luz espontaneamente. Nossa hipótese, posteriormente comprovada, foi de que essa emissão variaria de acordo com as condições a que as sementes fossem submetidas”, relata.

Assim, Gallep e sua equipe fizeram o seguinte experimento. Eles inicialmente colocaram, de forma separada, sementes de trigo, milho e girassol dentro de uma câmara escura dotada de um sensor que capta a emissão de luz por parte dos organismos. As sementes foram depositadas sobre uma placa de vidro, contendo um substrato feito com papel esterilizado e uma solução – água ou um líquido estressante, como resíduo de esgoto ou de pintura. Durante o processo de germinação, os pesquisadores avaliaram quanto as plantas cresceram e quanto de luz emitiram. “De modo geral, pode-se dizer que quanto mais um organismo cresce, mais luz ele emite. Entretanto, há situações em que essa tendência pode sofrer alterações”, afirma o docente da FT.

De forma simplificada, o que a equipe de Gallep constatou foi que as sementes que germinaram em água se desenvolveram mais e, consequentemente, emitiram mais luz que as submetidas a soluções estressantes. Todavia, também foi possível verificar que as sementes que germinaram em água e que foram posteriormente submetidas a soluções estressantes aumentaram a emissão de luz num primeiro momento, para depois emitirem menos que as plantas controle. “Isso revela a capacidade que a planta tem de reagir a uma situação adversa, mas também os efeitos deletérios das substâncias poluentes”, esclarece.

Ao demonstrar que o crescimento das plantas está relacionado com a emissão espontânea de luz, os cientistas também comprovaram que é possível analisar o desenvolvimento dos organismos fazendo medições somente em um dado momento do processo, em vez de acompanhá-lo por três ou quatro dias seguidos, como é usual. “Basta pegar um momento do processo, medi-lo e compará-lo com o resultado do controle para saber como a planta está se desenvolvendo”, pormenoriza Gallep.

Outro dado importante obtido pela pesquisa foi que, embora tenham demonstrado comportamento diferenciado durante a germinação, dado que são de espécies distintas, as sementes analisadas apresentaram um ponto em comum. “Nós medimos simultaneamente sementes de trigo, girassol e milho e verificamos que elas têm padrões de desenvolvimento diversos, mas apresentam ciclos de crescimento coincidentes. Descobrimos que esses ciclos estão sincronizados com a variação da gravidade do local do experimento, assim como ocorre com o movimento das marés”, detalha o docente da FT.

Segundo Gallep, a descoberta foi feita ao longo da pesquisa, mas ganhou corpo nos últimos dois anos, graças à colaboração de Peter Barlow, professor honorário da Universidade de Bristol, na Inglaterra. O docente da Unicamp esclarece que as plantas se desenvolvem seguindo o comportamento da gravidade. Assim, quando a maré estava alta, as plantas se desenvolviam mais rapidamente. Logo, emitiram mais luz. “Esta é a primeira vez que esse fenômeno é demonstrado por intermédio da biofotônica. Até então, isso tinha sido constatado pelos professores Barlow e Zücher (Universidade Zurich) em um estudo com troncos de árvores. Eles verificaram que esses troncos se dilatavam e se contraíam de acordo com o ritmo da gravidade”, pontua.

Esse tipo de abordagem, continua Gallep, está inserida no campo da cronobiologia, área da ciência que estuda os ciclos ou, de maneira mais popular, o relógio interno dos organismos vivos. No caso das plantas, mesmo que elas sejam colocadas em um ambiente escuro, perdendo assim a referência da luz solar, suas folhas vão se levantar e baixar seguindo o ciclo das marés, orientadas por seu relógio biológico. A ideia de que os animais e vegetais têm ciclos associados à influência do Sol e da Lua sobre a Terra, conforme o pesquisador, é antiga e tem origem no conhecimento tradicional.

Entretanto, a partir da década de 1970, com a expansão dos estudos em genética, as pesquisas no campo da cronobiologia ganharam corpo. “Agora, nós estamos entrando nessa área para estudar os ciclos de desenvolvimento dos organismos em relação aos ciclos externos a eles. É importante que decifremos novos aspectos sobre esses processos, pois o conhecimento gerado pode ter aplicação prática no futuro. Nesse caso específico, quando estudamos a emissão de luz ou o relógio interno das plantas, estamos aprendendo também sobre o aumento da atividade metabólica das espécies”, justifica Gallep.

Em outras palavras, o que o docente da Unicamp está dizendo é que, identificando qual o momento de maior produção de metabólicos por parte dos vegetais, os cientistas estarão descobrindo igualmente qual o melhor momento de crescimento deles.

O passo seguinte é desenvolver metodologias e manejos que possam ser aplicados justamente nesse instante, de maneira a favorecer ainda mais o desenvolvimento da planta e, consequentemente, ampliar a sua produtividade.

Voltando ao exemplo da influência das marés sobre as plantas, Gallep observa que esse ciclo pode ser calculado com anos de antecedência. É possível estabelecer, por exemplo, um calendário apontando quais os momentos de maior desenvolvimento de determinada espécie num dado período. Por hipótese, o agricultor pode se valer desse registro para irrigar ou promover a aplicação de adubos em sua plantação, de forma a potencializar o aproveitamento da água e do fertilizante por parte da cultura em questão. “O que estamos tentando fazer é dar suporte científico ao que o homem do campo já conhece empiricamente. Ele sabe, por exemplo, que o melhor momento para se cortar a madeira é na transição da luz solar para a lunar, quando as marés não exercem tanta influência sobre a árvore”, diz.

O professor Cristiano  Gallep, coordenador da pesquisa:  “De modo geral,  pode-se dizer que  quanto mais um  organismo cresce,  mais luz ele emite.  Entretanto, há  situações em que  essa tendencia pode  sofrer alterações”

Novas possibilidades

O professor Gallep observa que a biofotônica tem um amplo leque de aplicações. Justamente por isso, a equipe da FT está formatando uma proposta de pesquisa em colaboração com outro grupo da Universidade de Bristol, com o objetivo de medir as vibrações mecânicas emitidas pelas sementes durante a germinação. Um dos pesquisadores britânicos, professor Daniel Robert, é especialista em audiometria de pequenos animais. “Existem equipamentos que têm condição de captar vibrações muito pequenas. Nossa ideia é usar esse ferramental para captar o “som” da germinação das sementes. Esse dado, somado à medição da emissão de luz [atividade química mais atividade mecânica], nos possibilitará conhecer novos aspectos sobre o desenvolvimento das plantas”, infere.

Além disso, Gallep também foi procurado recentemente por outro grupo interessado em utilizar os recursos da biofotônica para analisar a qualidade de ovos. Ademais, uma empresa também fez contato com o propósito de investigar a qualidade da água. “Estamos iniciando as discussões com vistas a futuras colaborações nesses sentidos. O grande problema que estamos enfrentando no momento é a falta de recursos humanos. Estamos numa fase de formação de um novo grupo, que leva de dois a três anos para ser consolidado. De toda forma, os estudos envolvendo germinação terão continuidade”, antecipa o docente da Unicamp.

Um aspecto fundamental do trabalho que tem sido feito na FT, completa Gallep, é justamente a formação de recursos humanos altamente qualificados para trabalhar com abordagens científicas de caráter multidisciplinar. “Na área em que estamos atuando, uma especialidade não é capaz de dar conta sozinha de todos os problemas que surgem. Por isso temos atuado de forma colaborativa com colegas da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), do Instituto de Biologia (IB) e do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Graças a essas parcerias, as pesquisas ganham densidade e nossos estudantes ampliam seus conhecimentos e habilidades”, considera.